Foto do(a) blog

Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Os recursos foram liberados: é preciso liberar e mobilizar a burocracia

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Alketa Peci, é professora da FGV EBAPE, socialmente isolada desde 15 de Março de 2020

PUBLICIDADE

Há 15 dias, o Brasil, assim como boa parte dos países do mundo, adotou o isolamento social como uma estratégia de enfrentamento da pandemia do COVID-19. Apesar da cacofonia destoante de algumas lideranças políticas para o fim da quarentena social, a população brasileira demonstrou que apreça a vida, acima de tudo. Numa impressiva demonstração de capacidade de organização social, observamos comunidades vulneráveis se auto-organizando para observar as regras de higiene e distanciamento social(i), inclusive em áreas dominadas por traficantes ou milícias; projetos integrados de colaboração entre varias entidades sem fins lucrativos para combater os efeitos da pandemia em comunidades vulneráveis; lideres empresariais comprometeram recursos financeiros para a saúde publica em ações de combate à pandemia e/ou com a manutenção dos empregos. O período culminou com a aprovação da renda básica emergencial voltado para pessoas de baixa renda e trabalhados informais - dobrando o auxílio para mães chefes de família - e uma serie de medidas que buscam aliviar os efeitos da pandemia para vários segmentos sociais.

O tempo de isolamento foi suficiente para evidenciar a centralidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e da gestão pública como um todo. O conjunto de recursos públicos e privados mobilizados em tempo recorde, demandam a alocação urgente, eficiente e eficaz no enfrentamento da crise - tarefa central da gestão. E nesta hora, o legalismo paralisante do setor publico brasileiro(ii), pode se tornar mortal. Anúncios de injeção de R$ 750 bilhões na economia, devem ser acompanhados do formato mais urgente e eficaz de sua implementação. Como o pequeno e médio empresário, a dona de casa, ou o trabalhador informal a ser beneficiado pelas medidas vai ter, efetivamente, acesso aos recursos? Qual a quantidade de formulários a serem preenchidos, assinaturas reconhecidas no cartório ou filas nos bancos que precisam enfrentar, em tempos de distanciamento social?

A emergência imposta pela pandemia impõe a superação imediata do legalismo reinante no setor publico brasileiro e construção de soluções inovadoras de implementação de políticas. Para evitar o "group thinking", soluções devem ser elaboradas e implementadas com a colaboração de outros atores privados, sem fins lucrativos e academia. Cada dia de demora na entrega destes recursos aos seus destinatários legítimos implicará em moradores passando fome e necessidade básicas(iii), empresas falidas, desempregados e, principalmente, vidas perdidas. A simplificação administrativa se impõe no cenário da pandemia. Burocratas legalistas podem não enxergar a urgência desta simplificação.

O que estamos esperando? O setor publico brasileiro tem capacidade e instrumentos que possibilitam a construção das soluções necessárias. O recurso ao Cadastro Único para Programas Sociais (CadUn) já foi visualizado como um instrumento eficaz de precisão dos públicos vulneráveis e pode ser utilizado (como já é, em varias politicas publicas) para otimizar um conjunto de outras medidas emergenciais (manutenção e expansão da merenda escolar, subsídios de energia elétrica, e/ou intervenções focalizadas para estimular praticas de lavagem de mãos). Considerando a redução dos beneficiários no CadUn nos últimos anos, uma forma rápida de atingir um publico mais realista é a comparação com as bases anteriores de beneficiários e aprimoramento com base no uso do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua) ou RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), entre outros. INSS e seguro desemprego ajudam a dimensionar melhor a base dos beneficiários. O Mapa das Organizações da Sociedade Civil elaborada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) pode servir para identificar e mobilizar um conjunto de ações colaborativas com a sociedade civil organizada, identificando de forma rápida as que tem indicadores melhores de desempenho. A capilaridade da Caixa Econômica Federal e outros agentes financeiros precisa ser resgata a partir de novas premissas para responder a emergência(iv).

Publicidade

Aplicativos que viabilizem a colaboração publico-privada podem aproximar logisticamente os recursos com os destinatários finais: pequenas e medias empresas ou beneficiários individuais. Enquanto nos Estados Unidos o governo vai mandar imediatamente cheques ou depositar recursos para o cidadão beneficiado, no Brasil podemos recorrer a tecnologias via celular, que tem uma boa cobertura entre as classes D e E, e outros formatos que permitam o acesso ao recurso respeitando as regras do isolamento social. Instrumentos e capacidades existentes precisam ser adotadas a partir de um formato inovador, mobilizando diversos atores, sob a coordenação do governo. Tecnologia, capacidade e ideias inovadoras não faltam.

Os 15 dias de isolamento social e a chegada mais tardia do Covid-19 no Brasil serviram para alcançar alguns consensos, apesar do negacionismo de algumas vozes roucas. Os testes em massa surgem como a estratégia mais adequada para enfrentamento de efeitos de curto e médio prazo da pandemia. Novamente, o que estamos esperando para avançar nesta direção? Contamos com a capacidade da Fiocruz, da Embrapa, de várias universidades e instituições acadêmicas e de um conjunto de parceiros privados que podem possibilitar os testes em massa. Ideias inovadoras surgem diariamente (group testing ) permitindo avançar gradualmente nesta estratégia, adaptando-a às condições urbanas, enquanto ganhamos fôlegos e vidas.

O Covid-19 poupou o Brasil do fardo do pioneirismo. Temos a oportunidade de aprender pelos erros e acertos de outros países e de reconhecermos que mecanismos de coordenação e cooperação são primordiais para a gestão desta crise. Deveríamos estar já planejando a logística de adoção da estratégia de testes em massa e não as premissas de ação ou inação. Mais uma vez, repito: - O que estamos esperando?

 

(i)  https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/politicas-publicas-para-as-periferias-em-momento-de-pandemia/?utm_source=estadao%3Afacebook&utm_medium=link&fbclid=IwAR0OAQSneAgGpXL30zR_La0KoDyc4BEEJ57D-ZP_OSAjlgta9hd8T6Qsu6w 

(ii) http://Peci, Alketa. Burocracia irracional legal. Em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/burocracia-irracional-legal.ghtml

Publicidade

(iii) https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/03/nas-favelas-moradores-passam-fome-e-comecam-a-sair-as-ruas.shtml?fbclid=IwAR2sdJYlfHxiVuybZrbwJOUnLuLMSq-SKcDOLRgvCVYPP16Qbrlluo61dP0

Publicidade

 

O artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.