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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Os pobres finalmente se tornarão uma preocupação para Bolsonaro

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Por Redação
Atualização:

José Antonio Gomes de Pinho, Professor Titular Aposentado - Escola de Administração - UFBA. Pesquisador FGV-EAESP

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Felipe Fróes Couto, Doutor em Administração (UFMG) e Professor da Unimontes

A gestão organizacional do setor público é composta por duas dimensões: a subjetiva (ideológica, cultural, simbólica) e a objetiva (pragmática, instrumental). Gerenciar o aparato estatal demanda, por um lado, apresentar uma proposta subjetiva que agrada à população (que se identifica com a figura da liderança e manifesta seu desejo nas urnas). Por outro, demanda qualidade técnica para dar conta de traduzir suas ideologias em ações pragmáticas e decisões gerenciais sobre os mais variados problemas públicos.

Dentre as ferramentas que compõem a dimensão pragmática da gestão, o orçamento público é o instrumento mais revelador da práxis administrativa de um governo. Isso porque não existe discurso ideológico que resista à desconexão entre o que é dito e o que de fato está planejado em relação às contas públicas. Em uma empresa, não adianta um CEO falar que o foco nos próximos anos deve ser no marketing da firma, se ele faz cortes orçamentários sistemáticos na área.

Não adianta um governante realizar discursos falando da importância da educação na sociedade, se no orçamento há contínuos cortes para educação, ciência e tecnologia. Desde o Decreto-Lei 200/1967, o Brasil adota em seu ciclo de planejamento o formato de "orçamento-programa", o que significa que os instrumentos orçamentários (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual) constituem um retrato das ações do governo a cada ano. É a manifestação última dos interesses privilegiados no planejamento estratégico daquele período.

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Por isso, a recente votação da Lei Orçamentária Anual (LOA) da União para 2022 revelou muito mais elementos do que pode se imaginar. Normalmente, o Orçamento aprovado resulta de uma série de negociações entre os partidos, o Congresso e a Presidência da República e Ministérios. Em geral observa-se que o orçamento aprovado resulta de ajustes entre interesses variados de grupos, segmentos, classes sociais.

O que ocorreu neste ano de 2021 foi uma superação dos padrões, já não muito respeitáveis, do tratamento da coisa pública, com a introdução do chamado 'Orçamento Secreto'. Através de um orçamento de R$ 16,5 bilhões em Emendas do Relator, oficializou-se a imoralidade no trato das contas públicas. Sem maiores embaraços, o Fundo Eleitoral beirou os R$ 5 bilhões, em um cenário marcado por milhões de pessoas massacradas pela fome, pelo desemprego e desespero. Isso tudo rodeado pela pandemia do Covid-19. Sem intenção de esgotar o assunto, vamos examinar alguns desses aspectos.

  1. Um primeiro aspecto que nos chama a atenção é o resultado da votação da versão final do Orçamento -- uma peça com várias agressões ao espírito republicano, mas que, mesmo assim, só teve 97 votos contra na Câmara Federal e 358 a favor de sua aprovação. No Senado, foram 51 votos a favor e 20 contra. Isso nos leva a constatar que a peça orçamentária teve fácil aprovação.
  2. O que se mostra surpreendente é a composição partidária dos votos contra: 18 foram do PSB, 10 do PSL e PSDB, 9 do Podemos, 8 do PSOL, PC do B e Novo, 5 do PDT, 3 do Cidadania e PSC, 2 do PV, PTB e PSD, e 1 voto do PT, PL, MDB, Rede, PP, DEM, Avante e Solidariedade. Parece que o gradiente esquerda-direita foi virado de cabeça para baixo. É bom lembrar que a votação final se deu após uma teatralização. O presidente vetou a proposta esperando que as casas parlamentares vetassem o seu veto. E assim se deu, e todos ficaram felizes para 2022. O espectro político virou uma geleia geral, predominando os interesses patrimonialistas e paroquiais que rodeiam a controversa figura Presidencial e vê-se, agora, a maioria do Congresso ditando sua própria agenda. Ou seja, o novo centrão é maior do que o centrão original, o que nos deve levar a refletir sobre partidos que propõe um outro tipo de política para o País;
  3. Um outro aspecto também merece atenção. Ao apagar das luzes, quando os valores já estavam distribuídos pelas rubricas, chega um pedido despudorado do presidente (atributo que cultiva desembaraçadamente) para incluir um montante de R$1,7 bilhão para o reajuste dos salários dos policiais federais, bombeiros e rodoviários, categorias apontadas, abertamente e sem qualquer constrangimento, como base política do presidente e ala estratégica de apoio para sua tentativa de reeleição. Como não é um contingente eleitoral de peso, parece que o futuro candidato Messias Bolsonaro espera outro tipo de contrapartida desses segmentos. O que é incrível é que tudo isso é feito e encaminhado com a maior naturalidade. Tudo é feito sem causar espanto, a não ser de certos setores da oposição, limitados (lembrar que foram apenas 97 votos contra o Orçamento viciado), da mídia, de certos formadores de opinião e de instituições não capturadas pelo presidente;
  4. O Fundo Eleitoral, originariamente, deveria ser uma alternativa ao financiamento privado de campanhas eleitorais (diminuindo, assim, a influência do poder econômico sobre o poder político por meio de relações de lobbying). Contudo, da forma como proposto, não é capaz de impedir efetivamente a influência de doações privadas em campanhas eleitorais (como percebido nas eleições de 2020) e nem reduzir a corrupção subjacente que deriva dessas relações de influência. Se tornou, nesse sentido, uma 'fonte fácil' de recursos para os partidos políticos financiarem suas campanhas, equalizando, assim, a maior parte dos partidos e dos seus congressistas, dando mais uma vez uma demonstração de que os interesses partidários prevalecem sobre interesses da cidadania;
  5. A aposta eleitoral de Bolsonaro no Auxílio-Brasil chega a ser escandalosa. O auxílio consumirá o equivalente a 78,5% dos recursos destinados à educação, sem importantes condicionantes previstas pelo bem-sucedido Bolsa-Família. Em outras palavras, a aposta é que o bem-estar da população derivada do consumo imediato seja capaz de mitigar a insatisfação generalizada derivada da inaptidão de lidar com a crise econômica e sanitária. De forma irresponsável e populista, Bolsonaro deixa claro que a inflação e falta de sustentabilidade do programa viraram assuntos para 2023.

Pode-se dizer que, na disputa dos interesses e das ideologias em Brasília, venceu o pragmatismo do dinheiro e as agendas eleitoreiras. O retrato para 2022 é de mais um ano sem investimentos públicos significativos em infraestrutura, em criação de empregos ou melhoria na educação.  O retrato de um governo sem plano, sem projeto e que está à deriva dos interesses patrimonialistas de uma classe política que pensa apenas em garantir seu êxito nas urnas. O verdadeiro projeto de Bolsonaro para 2022 é pura e simplesmente a eleição (e toda a segurança e imunidade inerente ao cargo). Bolsonaro aposta na curta memória do povo e na necessidade urgente de alimentar os mais pobres, buscando para si o sentimento populista de gratidão. Como já disse outrora, o presidente reforça sua visão de que "só tem uma utilidade o pobre no nosso país: votar. Título de eleitor na mão e diploma de burro no bolso [...]" (Bolsonaro, 2013). 2022 parece ser o ano em que os pobres finalmente se tornarão uma preocupação para Bolsonaro.

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