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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Os (enormes) desafios do Presidente Biden

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Por Redação
Atualização:

Pedro Cavalcante, é doutor em Ciência Política e Professor de Pós-graduação da Enap e IDP.

 

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Após um longo e tumultuado processo eleitoral, Joe Biden retorna à Casa Branca, agora empossado como o 47º Presidente da história dos Estados Unidos. Embora o cargo de mandatário da maior economia e potencial militar do planeta sempre gera inúmeras pressões e expectativas, o cenário vigente sinaliza ainda para novos desafios que, sem dúvida, são mais complicados que os enfrentados pelos últimos presidentes em começo de mandato. Esses desafios são diferentes, mas também complementares, e orbitam nas dimensões de saúde pública, política, economia e sustentabilidade.

Na esfera política, as eleições presidenciais de 2020 demonstraram que as preocupações dos cientistas políticos quanto à solidez da democracia norte-americana faziam sentido. O pleito foi marcado pela extrema polarização, diversas denúncias de fraudes, até então sem evidências, e questionamentos quanto à legalidade e legitimidade do processo, oriundas principalmente do próprio presidente da Nação. O estopim dessa novela efetivou-se na inédita invasão de extremistas ao Congresso americano, no último dia seis de janeiro, com impedimento da certificação da vitória do candidato democrata, vandalismo e cinco mortos.

Segundo o filósofo Karl Popper[1], o critério minimalista de democracia é quando o governo e seus dirigentes mudam sem derramamento de sangue. Os fatos mostram que os EUA não passaram nesse teste básico. Logo, o desafio de Biden não é nada trivial, pois demanda esforços no sentido de restabelecer a confiança da população nas instituições democráticas americanas, atualmente em nível mais baixo da história recente[2]. Em âmbito internacional, será necessário ainda restaurar a credibilidade da mais duradoura das democracias ocidentais e o seu protagonismo global, após quatro anos pautados por conflitos e isolacionismo.

A crise do Covid-19, com suas implicações sanitárias e econômicas, pode ser considerada uma das principais causas da derrota Trumpista, na medida em que evidenciou a baixa capacidade de coordenação e implementação de ações efetivas para estancar a propagação do vírus e o avanço das mortes, aliado ao discurso negacionista. Mesmo com a vacinação iniciada em dezembro, 2021 já apresenta um número recorde de contágio e fatalidades, o que exige uma postura mais enérgica e pautada na ciência da nova gestão para amenizar a situação caótica em que o país se encontra. Além disso, o pacote de estímulo de 2020, da ordem de trilhões de dólares, dá indícios de não ter sido suficiente para enfrentar o desemprego e retomar o crescimento. Assim, as medidas de recuperação econômica são prioridades, contudo, baseadas em diretrizes bem distintas do governo republicano.

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A política econômica de Trump visava o crescimento baseado em cortes de impostos para empresas e os mais ricos, o que estimularia o investimento e reverberaria em mais empregos e renda para a classe média. Biden promete uma estratégia pautada em duas frentes diferentes: combate às desigualdades e à mudança climática. Ambos são considerados como clássicos super wicked problems[3], ou seja, problemas transversais, complexos e incertos. Ademais, também fazem parte de um amplo debate iniciado após crise financeira de 2008 e internalizado na agenda política dos EUA com o nome de Green New Deal (GND). Em linhas gerais, trata-se um conjunto de medidas e metas, inspirado no abrangente programa keynesiano New Deal da década de 30, que foram incluídas em um projeto de resolução apresentado por congressistas democratas em 2019[4]. O GND almeja melhorias socioeconômicas dos trabalhadores e classe média, assim como a mitigação do aquecimento global.

Apesar de Joe Biden ter sido um dos poucos pré candidatos democratas a não abraçar completamente o GND, é possível observar semelhanças entre esse projeto e as promessas do futuro presidente. Além disso, ele deve ainda sofrer pressões das alas mais progressistas de seu partido para incorporar essas pautas na sua agenda prioritária durante o mandato.

Na frente socioeconômica, as desigualdades são consideradas preocupantes, uma vez que as estatísticas indicam que o problema vem se deteriorando, nas últimas três décadas e, foi agravado após a crise financeira de 2008 e também na atual pandemia do Covid[5]. Nesse ponto, as ações envolvem reforma tributária para tornar o sistema mais progressivo (quem ganha mais paga mais), alívio de dívidas educacionais, ampliação do serviço público de saúde, aumento de direitos trabalhistas, incluindo o salário-mínimo, bem como o fortalecimento de sindicatos.

Do lado ambiental, o foco é o enfrentamento da emergência climática, por meio da transição para descarbonização da economia. Se as medidas sinalizadas por Biden e as do GND convergem, tais como investimento público em novas tecnologias limpas e obras de infraestrutura sustentáveis, as metas do futuro presidente são um pouco menos audaciosas. Por exemplo, enquanto o Green New Deal propõe alcançar emissões líquidas zero de gases de efeito estufa em toda a economia até 2030, Biden estima atingir esse marco até 2050.

É evidente que essas ações geram questionamentos acerca de suas consequências inflacionárias, de seus financiamentos[6], da necessidade de detalhamento das propostas, como também das possibilidades de efetivação no curto e médio prazo. Não obstante, os bilionários pacotes de estímulos econômicos dos países desenvolvidos para enfrentar os efeitos da pandemia vêm nos mostrando que a postura mais ativa do setor público não é apenas possível, mas, sobretudo, necessária e convergente com os apelos de renomados economistas preocupados com novos rumos da economia política global, mais inclusiva e ecologicamente responsável[7].

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Essas diretrizes e propostas podem parecer longínquas da conjuntura brasileira, contudo, os desafios de Joe Biden são muito similares a nossa realidade, tanto de preservação das instituições democráticas, de superação da pandemia, como também de recuperação econômica a partir dos dois pilares do Green New Deal. Mesmo com a conquista da maioria nas duas casas do Congresso americano pelo partido democrata, só o tempo nos dirá sobre a capacidade de implementação dessas agendas e o sucesso do presidente eleito. Porém, ao menos, podem servir para incorporarmos esses importantes temas ao debate no Brasil e qualificar a superficialidade vigente. Com a proximidade das eleições de 2022, essas discussões se tornam ainda mais oportunas, em especial, porque, nos últimos anos, elas, em boa medida, caminham à margem de evidências científicas e são empobrecidas por um pretenso consenso de que o desenvolvimento social e econômico virá sob a égide restrita da austeridade fiscal.

 

 

[1] Popper, Karl. (1998). A sociedade aberta e seus inimigos. Belo Horizonte, Itatiaia, 3º edição.

[2] https://www.cam.ac.uk/stories/dissatisfactiondemocracy.

[3] https://munkschool.utoronto.ca/egl/files/2015/01/Overcoming-the-tradegy-of-super-wicked-problems.pdf.

[4] https://www.congress.gov/bill/116th-congress/house-resolution/109/text.

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[5] https://inequality.org/.

[6] Galvin, R.; Healy, N. (2020) The Green New Deal in the United States: What it is and how to pay for it. Energy Research & Social Science.

[7] Stiglitz, J., J. Fitoussi and M. Durand (2018). Beyond GDP: Measuring What Counts for Economic and Social Performance, OECD Publishing, Paris.

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