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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Os 172 Bolsonaros

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Por Redação
Atualização:

José Antonio G. de Pinho. Professor Titular Aposentado - Escola de Administração da UFBA e Pesquisador FGV-EAESP

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O jogo político não cessa, continua sendo jogado. A pandemia avança a passos largos levando a vida de milhares de pessoas neste Brasil desgovernado. O agravamento da crise sanitária detonou uma série de manifestações vindas de vários setores da sociedade, destacadamente do andar de cima, sintetizadas na Carta aberta de banqueiros e economistas de 21 de março último. Fora isso, os panelaços ganharam novo fôlego. As manifestações podem ser resumidas como inconformidade e indignação em relação ao enfrentamento desta crise por parte do governo federal. Disso resultou uma iniciativa do Presidente de construir uma espécie de consenso entre os três poderes e alguns governadores, ação inédita de um Presidente que faz questão de dizer "aqui, quem manda sou eu" e outras afirmações típicas de quem necessita ser reconhecido como líder.

Difícil aceitar uma mudança de rumo de alguém que desfralda a bandeira do negacionismo, o que foi confirmado no pronunciamento à Nação, onde sequestrou a verdade reiteradamente ao longo de sua fala. E durante esta reunião de busca de consenso reiterou a busca de tratamentos alternativos para a Covid 19, já rechaçadas por entidades médicas. A questão deve ser complexa na cabeça presidencial. Deve atormentar os seus neurônios se reconhecer a doença, não estaria chancelando a posição do governador de SP, que alertou para os riscos do vírus, desde o seu início e tomou iniciativas da compra de vacinas, sendo alvo de chacota do presidente avoado. E, assim, ser acusado de omisso, o que seria leve frente a tudo que aconteceu e acontece. Porém, não pode ser desprezada a capacidade que tem o Presidente de tergiversar e o cinismo de mudar os fatos a seu favor.

Como se espera que Bolsonaro continue sendo Bolsonaro, só pensando em outubro de 2022 e em acobertar a prole, o jogo parece que deve continuar assim mesmo. A mencionada reunião dos três poderes teria sido uma concessão à Ciência, ao mundo real, mas, além do jogo de cena, parece ter vindo tarde demais. As estratégias de sobrevivência do ex-capitão traçadas pelo Palácio do Planalto (alguém deve fazer isso) se compõem de três frentes: o acordo com o Centrão de modo a evitar a aceitação de processos de impeachment, a distribuição de cargos para egressos da corporação militar com intuito de constituir um lastro de apoio no caso, novamente, de tentativas de impeachment, sem descartar uma aventura golpista. Já a terceira frente continua sendo manter o discurso para suas bases radicais, ainda mais com uma possível candidatura Lula, tirando os "comunistas" do armário para acenar para este público.

Vamos nos deter, neste pequeno texto, na questão do apoio do Centrão.  Como se sabe, a sua postura fisiológica constitui em olhar com atenção a viabilidade das forças no Planalto ao qual está emprestando apoio. No caso de sentir que a aprovação popular deste grupo está caindo, o Centrão recolhe seu apoio para não se queimar politicamente. Penso que um exercício que pode ajudar na compreensão dessas movimentações seja analisar a votação recente da prisão do deputado federal, Daniel Silveira (PSL, RJ), ordenada pelo Ministro Alexandre de Moraes, do STF. Como foi através de votação aberta sabe-se a posição de cada parlamentar e dos partidos.

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Quando da votação em plenário da Câmara Federal, apenas 130 parlamentares votaram contra a manutenção da prisão, enquanto 364 votaram pela permanência da prisão para o deputado, uma derrota acachapante. Quais partidos ficaram ao lado de Daniel Silveira? Apenas três partidos votaram majoritariamente a favor do acusado: Novo, PTB, PSL. Como se vê, apenas um partido do Centrão, PTB, votou a favor dele. Então, para onde foram os votos do Centrão? Em sua grande maioria foram pela manutenção da prisão de Silveira, a saber: PL, PP, PSD, Republicanos, Solidariedade, e com a maior parcela dos votos do MDB e DEM.

Analisando as posições dos partidos nota-se que o Novo parece ser mais bolsonarista do que o PSL bolsonarista, enquanto o PTB é conduzido por Roberto Jefferson, fiel escudeiro do presidente. O PSL, ex partido de Jair Bolsonaro, expressou o racha existente, mas foi mais fiel do que infiel ao seu filiado em julgamento. Quanto ao Centrão, cabe lembrar que: (i) o PL que tem a 3.a maior bancada, está sob a liderança de Waldemar da Costa Neto com um portfólio a serviço dessas forças; (ii) o PP é o partido do Presidente da Câmara e foi quem articulou a formação da aliança com o presidente da República; (iii) o PSD é o partido de Gilberto Kassab, infatigável negociador de acordos; (iv) o Republicanos, partido ligado ao bispo Edir Macedo, abriga um membro da prole presidencial e um refúgio seguro para os demais e (v) o partido Solidariedade, presidido por Paulinho da Força, contumaz participante de acordos deste tipo. Vale registrar que também o DEM, que participa desse concerto de apoio ao governo, através do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não colocou seus votos para libertar o acusado.

Como se percebe, o Centrão "puro sangue" não foi fiel ao deputado (exceto PTB), à Bolsonaro, nem à "causa". O Centrão tem um faro apurado para essa política de apoios e quando sente que a questão é estranha à opinião pública, prefere abandonar os acordos, aser associado a questões polêmicas e sensíveis. E o caso Daniel Silveira estava carregado de radicalismos, de fazer inveja ao próprio Bolsonaro. Aliás, o próprio Arthur Lira já deu um sinal amarelo ao próprio Presidente, indicando que o acordo pode ser desfeito. Apesar de se ter um novo Ministro da Saúde, médico, este ainda não foi testado e a pandemia tende a se agravar no curto prazo por conta da vacinação lenta, falta de vacinas em número necessário e aumento de mortes. Com isso, a Economia continuará patinando, com desemprego e forte crise social.

Mantido o jeito de ser do Presidente, parece um cenário adequado para o Centrão dar o cartão vermelho, com condições concretas de ser votado um impeachment. Aí, como se sabe, é hora de fazer contas. Para manter-se na cadeira presidencial, Jair Bolsonaro tem que ter 172 votos em um total de 513. Voltando ao nosso exercício, Daniel Silveira obteve 130. O número de 172 parece pouco, mas Silveira ficou bem distante dele.  O Presidente teria que encontrar 172 bolsonaros, fiéis, devotos, capazes de segurar uma situação de uma mortandade ainda maior do que a existente. O Centrão com seu faro fino poderá abandonar o Presidente pelo seu caráter tóxico. O empresariado já está sentindo o cheiro de enxofre e arrumando as malas. Nesse momento, onde a arena decisiva é o Congresso resta saber a posição dos militares, até agora segmento privilegiado no governo. Não se deve desconsiderar, porém, a tentativa de um caminho autoritário, Estado de Defesa ou Estado de Sítio, objeto de desejo do Presidente, para manejar as coisas à sua maneira, o que abriria um confronto aberto com a opinião pública, o Congresso, STF, setores da mídia, organizações da sociedade civil e outros. Novamente, a pergunta chave é com quem ficará as FFAA com um presidente tropeçando nas próprias pernas, levando o País para um abismo, um caos e uma mortandade jamais imaginada?

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