Maria Rita Loureiro, é professora titular aposentada da USP e da FGV EAESP.
Embora os homens não façam a história como querem e dependam das circunstâncias, há momentos cruciais em que a ação de líderes com algum poder de decisão pode mudar o curso da história.
No exato momento em que o povo brasileiro vive a maior tragédia de saúde pública, com mortes diárias e acumuladas equivalentes a uma situação de guerra, assistimos, horrorizados, a degradação da cena pública, chegando ao último degrau da decência e civilidade: o presidente da república utilizando os mais baixos palavrões contra jornalistas, seguidos de risadas e aplausos de seus asseclas, muitos com altos cargos na hierarquia do Estado.
Frente às cenas de pesadelo nos hospitais, que poderiam ser evitadas, e as de grosseria e escárnio na churrascaria de Brasília, que nos envergonham e precisam ser urgentemente rejeitadas e punidas, a pergunta de Hannah Arendt sobre o holocausto, de novo precisa ser lembrada: Como isso foi possível?
Se a realidade é de pessimismo, é necessário buscar algum otimismo para agir. Só nos resta exortar uma eventual virtude de políticos com poder de decisão para tentar mudar o curso trágico da história. O povo agora está impedido de ir às ruas.
Se a pandemia tem escancarado os traços da figura do presidente, revelando incompetência, descaso deliberado e mesmo inacreditável deboche com relação à doença e às mortes já ocorridas e anunciadas, esta situação por outro lado, traz, infelizmente, também uma vantagem política para ele: a necessidade de isolamento físico impede as manifestações de multidões na rua em protesto contra seu desgoverno.
É preciso, então, que aqueles com poder de decidir tenham capacidade de compreender as circunstâncias e de agir com responsabilidade, avaliando as consequências de sua omissão com relação ao presente e ao futuro: as instituições que ainda restam da democracia construída penosamente em 1988 podem ser também rapidamente destruídas. Haverá líderes com virtude política republicana neste momento no país?
É preciso repetir: impeachment já.