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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

O papel do Centro de Governo na Gestão Lula 3.0: tempo de reconstrução

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Por Redação
Atualização:

Pedro Cavalcante, Doutor em Ciência Política (UnB), Gestor Governamental lotado no Ipea e Professor do mestrado e doutorado em Administração Pública no IDP e Enap

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Alexandre Gomide, Doutor em Administração Pública e Governo (FGV-SP), Pesquisador permanente do Ipea e Professor do programa de pós-graduação em Administração Pública do IDP

Diferente de 2003, os desafios do terceiro mandato do Presidente Lula ultrapassam a esfera socioeconômica, englobando também o urgente restabelecimento dos pilares democráticos da República e a mitigação das tensões provenientes da extrema polarização eleitoral. O legado desastroso da atual presidência, marcado pela instabilidade nos ministérios palacianos, desmonte das políticas públicas e degradação dos níveis de transparência e responsividade democrática (accountabiility), acrescenta ainda mais dificuldades ao processo de reconstrução da governança do Poder Executivo.

Nesse contexto, a atuação do Centro de Governo (CdG), ou seja, o conjunto de instituições e/ou atores que prestam apoio direto ao presidente na condução das suas prioridades[1], ganha dimensão estratégica e exige ampla capacidade técnica e política de Lula e da Frente Ampla. O CdG é normalmente visto como o sistema nervoso central ou o arquiteto do processo decisório na chefia do Executivo, possui configurações flexíveis e tende a combinar cinco funções complementares, sintetizadas na figura a seguir:

Figura 1 - Funções Principais do Centro de Governo

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 Foto: Estadão

A coordenação política consiste no alinhamento da agenda prioritária das políticas públicas do presidente em face às diversas formas de relacionamentos entre os Poderes, esferas de governo, sociedade civil, iniciativa privada e atores internacionais. A formação de uma composição suprapartidária e uma equipe de transição experiente sinaliza para o fortalecimento do diálogo e da cooperação, bem distinto da postura conflitiva do governo vigente. No que tange à articulação com organizações e movimentos sociais, a expectativa é a retomada da agenda de participação social, com revalorização das instâncias de controle da sociedade, conferências, conselhos, etc., liderada pela Secretaria Geral da Presidência. Quanto aos demais grupos de interesses domésticos, um caminho promissor seria a recriação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) com vistas a reatar os laços do PT com o empresariado, agronegócio e mercado financeiro.

As outras três funções do centro de governo se apresentam como cruciais, diante do processo de desmantelamento[2] das políticas públicas em curso nos últimos anos, o que requer esforços de reconstrução dos instrumentos de coordenação intragovernamental, gerenciamento de temáticas transversais, além de empenho contínuo para gerar sinergias entre diferentes políticas. Em especial, aquelas que sofreram com o descaso da atual gestão, como meio ambiente, cultura, entre outras. Para tanto, a primeira atribuição do CdG é auxiliar o presidente na definição e materialização de suas prioridades, processo complicado e dinâmico, mas que tem na plataforma eleitoral sua principal fonte de inspiração[3]. A coordenação e a avaliação/monitoramento do desempenho dos programas prioritários demandam uma abordagem integrada e holística, diante da fragmentação e complexidade da máquina pública, que pode se beneficiar com a revitalização do planejamento estratégico associado à gestão orçamentária. Essas funções tendem a ficar a cargo da Casa Civil e dos Ministérios da Economia e Planejamento (a ser recriado).

Considerando os recentes retrocessos na dimensão de accountability da governança democrática no país, como por exemplo, o enfraquecimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) e o uso indiscriminado de sigilo para dificultar o acesso a dados de interesse público[4], torna-se imperativa a ênfase na coerência e responsividade da comunicação pública acerca do funcionamento e dos resultados das ações governamentais. Nesse sentido, no âmbito do centro de governo, cabe à Secretaria de Comunicação (Secom) e à Controladoria-Geral da União (CGU) coordenarem o reestabelecimento de processos e mecanismos de comunicação pautadas na colaboração, intercâmbio de boas práticas, disseminação de métodos e práticas que apoiem o alcance dos objetivos das políticas prioritárias e a promoção de um governo aberto e transparente.

Em síntese, a atual situação não é nada trivial após quatro anos de frágil organização intragovernamental, dificuldades de diálogo com stakeholders e deterioração de ferramentas de gerenciamento e accountability - os dois pilares da boa governança. Além disso, o cenário é marcado por novas e ainda mais complicadas questões sociais, econômicas, ambientais e internacionais em relação a duas décadas passadas. Se por um lado, é acertada a opção por quadros com reconhecido conhecimento de gestão e capacidade política para compor a equipe de transição, por outro, a magnitude desses desafios também requer um certo grau de inovação e experimentalismo no desenho do próximo Centro de Governo. Portanto, novas estratégias de coordenação e uma certa dose de arte governativa são fundamentais no sentido de construção de capacidades estatais para otimizar o desempenho das políticas públicas, nesse momento crítico da nossa história.

Notas

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[1]Cavalcante, Pedro, & Gomide, Alexandre (Orgs) (2018) O Presidente e seu Núcleo de Governo: a coordenação do Poder Executivo. Brasília: IPEA.

[2] Ver: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/desmantelando-o-estado-social-brasileiro-causas-estrategias-e-consequencias/.

[3]De Toni, J. (2018) Agenda estratégica, planejamento e programas eleitorais: cálculo político e pragmatismo. In: Cavalcante, P., & Gomide, A. (Orgs). O Presidente e seu Núcleo de Governo: a coordenação do Poder Executivo. Brasília: IPEA, pp. 353-380.

[4]Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas (Org.) (2022). A LAI é 10: o Brasil após uma década da lei de acesso à informação. 1. ed., São Paulo: Abraji.

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