Joana Story & Rafael Alcadipani, são professores do departamento de administração da FGV EAESP.
Tem gerado questionamentos no Brasil e fora do país a conduta de líderes ao se depararem com os desafios ocasionados pela crise sem precedentes do coronavírus. Em nosso país, o Presidente tem sido duramente criticado pela forma com que se comporta diante de uma ameaça global que pode levar a morte de milhares de brasileiros. Nos Estados Unidos, o governador de NY Andrew Cuomo tem se comportado de forma exemplar diante da tragédia. Ele está se destacando, desde a declaração de pandemia, como um dos poucos líderes políticos que tem atuado de forma eficaz.
O segredo para isso é a simplicidade com que assumiu as responsabilidades das suas ações, o uso de dados e ciência de forma simples para informar a população, mostrar que entende as consequências das suas decisões e ações. Além disso, ele mostrou que identidade política e informações incorretas não ajudam a população a enfrentar a situação. Tomou a decisão difícil, que pode custar sua carreira política, de reduzir todos os serviços do estado de Nova York para concentrar todos os esforços do serviço público no combate a pandemia. Ao agir assim, ele colocou o interesse público acima do seu interesse político.
Em tempos de crise a insegurança, a ansiedade e o estresse aumentam. Líderes tem a responsabilidade de lidar com essas questões. Em um cenário de catástrofe que se avizinha, cuidar do bem-estar emocional e da saúde mental das pessoas é fundamental. Para isso, é importante que líderes sejam o modelo a ser seguido, conforme já demonstrado por inúmeros estudos do tema. A eficácia da liderança está associada ao que chamamos de "influência idealizada" nos estudos de liderança transformacional1. Isso significa que os líderes precisam ter os comportamentos associados a criar um ambiente de confiança, ser um exemplo a ser seguido, sacrificar seus ganhos pessoais pelos os dos outros e criar um senso de missão comum. Em tempos de crise, esse senso de missão comum deve ser como responder ao fator que gera crise, no caso a pandemia.
Jane Dutton2 e seus colegas publicaram um artigo no Harvard Business Review em 2002 falando sobre como líderes devem agir em tempos de trauma. Eles levaram em consideração o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Algumas das recomendações listadas são importantes e servem como exemplo para lidarmos com atual pandemria: como líderes temos que ir além da empatia e chegar à compaixão. Temos que entender que as pessoas estão com as emoções acerbadas e que apesar de não termos qualificações de psicólogo, devemos dar espaço para as pessoas sentirem suas emoções e compartilha-las. Como líderes, é importante ajudar pessoas a achar uma maneira de tratar dessas emoções.
Uma forma de fazer isso é não ignorar o contexto, mas sim ser um exemplo ao compartilhar seus desafios, suas emoções, sua realidade. A realidade precisa ser baseada em fatos e não em opiniões. Na verdade, é importantíssimo demonstrar: esteja presente, escute e tente ajudar. É preciso entender que nem todas as preocupações são resolvidas com ações práticas.
Às vezes, só estar disponível para escutar os outros ajuda as pessoas a processarem o que está acontecendo. Líderes devem demonstrar em prática os valores da sua organização e entender que em momentos de crise, temos que lidar com ela primeiramente e gerir as expectativas dos outros relativas as consequências das nossas decisões.
Uma outra maneira também eficaz de liderar em momentos como de uma pandemia é através da liderança servidora3, principalmente no que chamamos de emotional healing (suporte emocional). Novamente, isso vai além da empatia, mas sim entender que as emoções afetam o nosso dia a dia no trabalho e agora que estamos com as emoções a flor da pele é bom sentir que alguém está levando a sério e que podemos contar com essa pessoa. Agir de uma maneira que seja transparente, calmo e confiante ajuda as pessoas a terem tempo, a processar e a entender o contexto em que estão vivendo.
Finalmente, os líderes devem cuidar também deles mesmo. É preciso saber gerir as emoções e ansiedades. Uma pandemia vai causar vários outros problemas, mas devemos entender o que é prioridade e o que não é. Líderes devem assumir responsabilidades, mas eles também são humanos. Por isso, é importante também que os liderados atuem com civismo. É preciso pensar antes de publicar algo que não foi validado para não espalhar medo, mentiras ou aceitar que opinião pessoal é fato. Quem puder trabalhar em casa, o faça. Temos que fazer a nossa parte e pensar nos outros. Vamos ser responsáveis com a nossa saúde e a dos outros. Isso é civismo, tão necessário para superar o momento que vivemos e tão em falta entre muitos dos líderes de nosso país.
- Bass, B. M., & Avolio, B. J. (1994). Improving organizational effectiveness through transformational leadership. Thousand Oaks: Sage Publications.
- Dutton, J. E., Frost, P. J., Worline, M. C., Lilius, J. M., & Kanov, J. M. (2002). Leading in times of trauma. Harvard Business Review, January.
- Barbuto, J. E., Jr., & Wheeler, D. W. (2006). Scale Development and Construct Clarification of Servant Leadership. Group & Organization Management, 31(3), 300-326. https://doi.org/10.1177/1059601106287091