REDAÇÃO
12 de julho de 2021 | 21h14
Luciana Stocco Betiol, Professora da FGV – EAESP, Coordenadora Executiva do FGVEthics e Pesquisadora no tema de compras púbicas sustentáveis
Marcos Weiss Bliacheris, Mestrando em Ambiente e Sustentabilidade (UERGS) e Advogado da União
Thiago Kanashiro Uehara, Pesquisador da Chatham House e FGV-Ethics, Gestor Ambiental pela ESALQ-USP e PhD em Economia Política e Desenvolvimento pelo Imperial College London
Um mercado maior que 900 bilhões anuais conta com um novo marco legal: a nova lei de licitações e contratos, que traz consigo a oportunidade para o Brasil e cada agência governamental ajustar seus processos licitatórios e entregar resultados mais equitativos e sustentáveis. Com isso nos despedimos, pouco a pouco, da famigerada Lei 8666, lembramos do seu legado, e propomos cinco fundamentos para o desenvolvimento nacional, cinco pilares de sustentabilidade, e cinco desafios a serem ultrapassados.
A Lei 8.666/93 se aposenta aos 30. Ela trouxe mecanismos para evitar corrupção em licitações e passou por inúmeras alterações. Chama a atenção aquela que inseriu a busca pelo desenvolvimento nacional sustentável dentre os seus objetivos em 2010, o que facilitou os primeiros passos para as compras sustentáveis na administração pública. Essa agenda acabou por transbordar para a Lei do Regime Diferenciado de Compras (2011) e a Lei das Estatais (2016), e não poderia ser diferente com a nova lei geral de 2021. Esse legado não pode ser desprezado.
A nova Lei Geral já nasce com o DNA da sustentabilidade. O desenvolvimento nacional sustentável – que não se desconecta de processos regionais e globais de desenvolvimento, é claro – é um objetivo e princípio orientador da nova lei. Não resta qualquer dúvida quanto à viabilidade jurídica de fazer compras com atributos de sustentabilidade, discussão comum no início dos anos 2000. Hoje, estamos em outro patamar. A compra pública que não contribui para o desenvolvimento sustentável é ilegal. Como, então, implementar e dar escala às licitações sustentáveis?
Esse deslocamento da discussão é essencial quando se entende as contratações públicas como instrumento de política pública, e reflexo dos valores que a nossa sociedade busca proteger.
Dentre esses valores está a questão da equidade, que entendemos aqui como um atributo do direito na busca da justiça ideal, seguindo a lição de Vicente Ráo.
Para dar concretude a esse atributo do direito, muitos autores, nacionais e estrangeiros, têm discutido como trabalhar equidade em compras e contratações públicas, com os mais diferentes recortes para o tema. Todos passam pela redução das desigualdades sociais e pelo desenvolvimento de capacidades independentemente de quem e onde estejam as pessoas que estão produzindo os bens, serviços e ideias que a Administração Pública necessita.
A fim de identificarmos como as várias facetas da equidade poderiam ser aplicadas na realidade brasileira, 3 organizações (FGV Ethics, Chatham House e P22), em evento coordenado pelos autores deste artigo, se uniram para ouvir 35 especialistas no tema de compras públicas sustentáveis (servidores públicos, docentes, pesquisadores, integrantes do terceiro setor, organização internacional multilateral, jornalistas, advogados). O objetivo: identificar qual a maturidade e aderência do tema na realidade nacional, mapeando desafios e oportunidades para a sua efetivação. As discussões envolveram tanto aspectos mais amplos das compras públicas voltadas para a equidade, quanto um olhar mais específico para a compra de produtos florestais madeireiros e não madeireiros.
Como ponto de partida, apresentamos cinco princípios de equidade para o desenvolvimento sustentável, ou “pilares da sustentabilidade”. São eles: equidade intrageracional, intergeracional, interespécies, procedimental e geográfica. Por sua vez, esses pilares podem ser aplicados em cinco “blocos de desenvolvimento”, que tem a ver com a provisão de facilidades econômicas, oportunidades sociais, segurança e proteção, liberdades políticas e garantias de transparência. Esses elementos foram capturados de um novo framework de compra pública para o desenvolvimento sustentável, formulado por um dos autores desse artigo, e que se encontra em: “Public Procurement for Sustainable Development: A framework for the public sector”. Cobre-se, assim, um amplo espectro de questões ambientais, sociais e de governança, que vão além do tripé de sustentabilidade criado para o setor empresarial, de forma a dar ao Estado um quadro apropriado à sua missão.
Dentre os pontos trazidos pelo grupo de especialistas, quanto às possibilidades de se trabalhar com o princípio da equidade, está o atual momento de emergência da nova lei geral de licitações e contratos. Diante da necessidade de construção de diversos instrumentos de regulamentação e detalhamento da norma, em nível federal, estadual e municipal, a oportunidade de construir esses documentos com a lente da equidade não deve ser perdida.
Para se ter uma ideia, só em nível federal são realizadas, semanalmente, consultas públicas sobre pontos específicos da norma. Esses espaços de escuta da sociedade são oportunidades para agregar as mais diversas facetas da equidade nas novas normas que regerão as compras e contratações públicas daqui para a frente.
No encontro, foram levantadas diversas questões cujas respostas podem trazer um mapa para a condução dessa tarefa. Como construir bases de dados confiáveis e que agreguem informação relevante para as decisões administrativas? Como dialogar com o mercado? Como permitir o ingresso de novos entrantes nos mercados públicos? Como estimular o ingresso de Micro e Pequenas Empresas? De fornecedores da agricultura familiar? De fornecedores locais? Como acessar produtos florestais madeireiros e não madeireiros, gerando uma conexão com a floresta e garantindo um grande e constante comprador?
Para aproveitar essa oportunidade, o grupo apontou desafios a serem ultrapassados:
A hora é oportuna para o Estado, partidos políticos, e cada gestor público repensar sua posição na sociedade. Equidade, desenvolvimento e sustentabilidade são conceitos dinâmicos, multidimensionais e urgentes. A lei, sozinha, não é suficiente. Mas esse novo arcabouço regulatório, que está em desenvolvimento, e a observação das respostas desiguais à pandemia do coronavírus e à crise planetária nos convidam a inovar, diversificar e incluir. É inconcebível que se mude apenas para que tudo continue igual. Articular governos, universidades, ONGs, cidadãos e empresas para erradicar padrões insustentáveis – e ilegais – de consumo é tarefa vital. Não podemos perder o timing.
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