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O Fim da MP 927/2020 e seus efeitos sobre a saúde e segurança no trabalho

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Por Redação
Atualização:

Dalton Tria Cusciano,Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP e Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV DireitoSP.  Professor da ENS/SP.

Alberto Ogata, Médico, mestre em Medicina e Economia da Saúde e presidente eleito da Associação Internacional de Promoção da Saúde no Ambiente de Trabalho (IAWHP). Doutorando em Medicina Preventiva na FMUSP e professor doMestrado Profissional em Gestão da Competitividade (MPGC) da FGV EAESP

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Ana Maria Malik, Médica, Professora Titular da FGV EAESP, coordenadora do FGVsaude

 

No dia 19 de julho de 2020 a Medida Provisória nº 927/2020 deixou de vigorar, pois não foi convertida em lei no prazo previsto pela Constituição Federal. Esta medida, que durante sua vigência tinha força de lei, dispunha sobre medidas trabalhistas que poderiam ser adotadas por empregadores para enfrentamento do estado de calamidade pública causado pelo Covid-19. A partir dessa data ela não pode continuar sendo utilizada, trazendo desafios tanto para a política de manutenção de empregos adotada pelo atual governo quanto para a definição de quais alterações no âmbito da saúde e segurança ocupacional serão mantidas.

No tocante à saúde e à segurança ocupacional, tema de interesse deste artigo, ocorrem discussões envolvendo a necessidade da realização de exames médicos ocupacionais e dos treinamentos periódicos, ambos suspensos pelos artigos 15 e 16 da então vigente MP nº 927/2020.Os exames médicos ocupacionais estão previstos no artigo 168 da CLT, ocorrendo na admissão, na demissão, no retorno ao trabalho, na mudança de função e periodicamente, sem prejuízo das avaliações extraordinárias que eventualmente surjam em decorrência de possíveis transtornos à saúde relacionados ao trabalho.

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Muitas vezes e por diversas razões como a falta de adequado acesso a serviços de saúde ou por desconhecer a importância da prevenção, os trabalhadores têm, no exame médico ocupacional, seu único contato anual com um médico, o que reforça a importância desse exame tanto para o sistema de proteção laboral quanto para o sistema de saúde. Já os treinamentos periódicos são fundamentais para a redução dos riscos de acidentes laborais, para o desenvolvimento de uma cultura de prevenção e para uma rápida e efetiva resposta em caso de acidente, objetivando a mitigação dos danos.

O problema enfrentado pelos empregadores decorre da indefinição causada pelo fim da vigência da MP em questão e pelas Nota Informativa nº 19627/2020/ME da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e Nota Técnica 13/2020 - PGT/Grupo Covid-19, da Procuradoria Geral do Trabalho do Ministério Público do Trabalho. Isso porque, em 29 de julho de 2020, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia editou a Nota Técnica citada. Ela é um documento oficial contendo informações emitidas a respeito de determinado assunto visando balizar decisões superiores, trazendo minuta de portaria contendo medidas extraordinárias no tocante a exigências administrativas relativas à segurança e saúde no trabalho, entre as quais a manutenção da suspensão, até o final do estado de calamidade, da obrigatoriedade de realização de (i) exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares e (ii) treinamentos periódicos previstos em Normas Regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho.

De forma contrária ao veiculado pela Nota Informativa nº 19627/2020/ME encontra-se a Nota Técnica 13/2020 - PGT/Grupo Covid-19, da Procuradoria Geral do Trabalho do Ministério Público do Trabalho. Esta opina que a manutenção da suspensão dos treinamentos e exames periódicos ocupacionais fere direitos dos empregados e desconsidera todos os demais riscos de acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho.

Os argumentos para a manutenção da suspensão dos exames periódicos decorrem:

  • da dinâmica da realização do exame ocupacional, uma vez que este envolve etapas de anamnese detalhada e exame físico completo, o que impõe contato físico entre o profissional de saúde e trabalhador, aumentando o risco de exposição ao Covid-19(em alguns casos é necessário realizar exames como a espirometria  - que gera aerossóis - e outros que envolvem amostras biológicas no âmbito do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) o que acentua o risco de contágio pelo SARS CoV-2);
  • da necessidade de deslocamento dos trabalhadores para a realização desses exames; e
  • do tempo de espera nos ambulatórios e consultórios para a realização dos exames, aumentando o tempo de exposição dos empregados e o risco de contaminação por Covid-19.

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No que tange à suspensão dos treinamentos, o argumento é que a medida reduz o número de reuniões e a aglomeração de trabalhadores. Afinal, algumas capacitações devem ser efetuadas de maneira presencial, conforme as determinações das Normas Regulamentadoras.

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Diante de posições tão antagônicas coube à Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) analisar o tema. A CTPP, instituída originalmente em 1996 pela Portaria SSST nº 02 e regulada atualmente pelo Decreto nº 9.944/2019, é o local oficial do governo federal responsável por discutir temas referentes à segurança e à saúde no trabalho, Ela decidiu, nas reuniões ocorridas entre os dias 13 e 14 agosto do corrente ano, avaliar nova proposta a ser feita pela Secretaria Especial do Trabalho e Previdência Social enquanto se debate internamente a questão da realização ou não dos exames e treinamentos durante o estado de calamidade, tentando chegar a um consenso que traga estabilidade jurídica. Esse consenso é de fundamental importância considerando a Portaria 2.309, de 28 de agosto de 2020 que incluía a covid-19 como doença ocupacional relacionada ao trabalho, revogada pela Portaria 2.345, de 02 de setembro de 2020, ambas do Ministério da Saúde. Caso a covid-19 seja futuramente enquadrada como doença ocupacional, os exames médicos ocupacionais e os treinamentos terão ainda mais relevância, seja para afastar ou comprovar o nexo causal, seja para reforçar práticas de prevenção e de conscientização,

O esclarecimento das questões legais e regulatórias atinentes ao tema é fundamental para dirimir eventuais conflitos judiciais e melhorar o compliance e a governança das organizações, de modo a permitir que a retomada econômica ocorra da forma mais célere possível, sem qualquer prejuízo a saúde e a segurança dos trabalhadores brasileiros.

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