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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

O culpado é mesmo o pobre?

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Por Redação
Atualização:

Lauro Gonzalez, Professor da FGV EAESP, onde também é coordenador do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira.

 

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No campo de guerra das redes sociais, uma das polêmicas da semana envolveu os resultados da pesquisa Datafolha mostrando um avanço na aprovação de Bolsonaro. O veredito básico dos juízes virtuais foi condenar os pobres que, ludibriados pelo dinheiro do auxílio emergencial (AE), turbinaram o apoio ao presidente. Até aí, é o que se espera do juízo raso das redes. Entretanto, o veredito não ficou restrito ao octógono do vale tudo virtual. Mesmo jornalistas comprometidos com a qualidade da informação enveredaram pelo caminho fácil da generalização.

Vale lembrar que não houve debandada do apoio a Bolsonaro dentre os mais ricos. Os dados mostram que o ótimo/bom é de 35% entre aqueles de renda familiar mensal de até 2 salários mínimos. Em todas as demais faixas de renda, o ótimo/bom é 40%, inclusive dentre aqueles com renda mensal superior a 10 salários mínimos. Portanto, a contraposição entre os pobres, o que quer que isso signifique, e os demais é imprecisa.

Mesmo assim, viralizou o vídeo de um jornalista reconhecidamente competente que, ao comentar os resultados do Datafolha, sugere que a melhor manchete sintetizando os resultados da pesquisa seria: "é o pobre, estúpido!". Os famintos de sempre comeram a vírgula de propósito, mudando o sentido da frase. Entretanto, mesmo com a vírgula, a análise é ruim por diversas razões. Primeiramente, é equivocada a ideia segundo a qual os pobres constituem uma espécie de bloco homogêneo de ideias, valores e preferências. Por que a diversidade existente na população em geral, ou na classe média, não pode existir na baixa renda? Além disso, o apoio a Bolsonaro envolve claramente diversas motivações, tais como segurança pública e pauta de costumes, que vão além do estritamente econômico.

Há muitas pesquisas, utilizando uma variedade de lentes teóricas, sobre os perfis de população de baixa renda. Uma das conclusões desses estudos é que é preciso ir além da variável renda para analisar essa população. Para exemplificar, há uma fração enorme de pessoas descontroladas no consumo de crédito, excessivamente endividadas etc. Ao mesmo tempo, há grupo de pessoas completamente avessas a contrair dívidas[1].

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Outro fator importante, comumente descartado em generalizações apressadas sobre os pobres, relaciona-se às transformações no mundo do trabalho. Salários fixos e relações de trabalho formais foram, em grande medida, reconfigurados pela emergência da "economia do bico". Há contingentes enormes de trabalhadores que, devido à natureza variável de renda, transitam para dentro e para fora da pobreza ao longo do ano. Os dados oficiais[2] mostram que, dentre os cerca de 67 milhões de pessoas que receberam o AE, 29,8 milhões estavam no cadastro único- registro contendo famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza. Os 37,2 milhões restantes são os invisíveis que o sempre loquaz ministro Paulo Guedes afirmou ter descoberto. Esses números mostram ser simplificador afirmar que o  aumento do apoio a Bolsonaro vem do "rebanho de gente que precisa do governo para sobreviver, até para comer[3]".

A transferência do governo foi muito além desse rebanho de gente. Usando os dados da PNAD-COVID, a renda dos que receberam o AE é, em média, 24% maior[4] do que a renda recebida antes da pandemia. Os efeitos do AE se espalham para o restante da economia, tanto é verdade que o Datafolha mostra que a avaliação positiva do governo melhorou em praticamente todos os segmentos socioeconômicos e demográficos. Entre aqueles com renda de até dois salários mínimos, a aprovação de Bolsonaro saltou de 28% para 34% em um mês. Entre aqueles que ganham entre 2 e 5 salários mínimos, foi de 32% para 44%. Portanto, ocorreu um salto ainda maior para o grupo que inclui tecnicamente a classe média.

Supondo que o salto na aprovação a Bolsonaro tenha ocorrido exclusivamente devido aos efeitos do AE, qual o sentido de culpar os pobres? A turma da Faria Lima não faz o mesmo em prol dos seus interesses econômicos?

Quem acompanha os acontecimentos do país sabe que o atual governo sempre priorizou uma agenda distinta da que é atualmente posta pelos efeitos da pandemia. Tanto é que, no início da crise, o ministro Guedes, religiosamente afagando o mercado, propunha combater os efeitos da crise privatizando a Eletrobrás. Os desdobramentos políticos e o futuro do AE, assim como sua capacidade de produzir votos em 2022, permanecem abertos. Por ora, é preciso qualificar o debate e evitar tacar pedra na Geni.

 

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Lauro Gonzalez

Coordenador do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV e Professor da FGV EAESP

[1] https://valor.globo.com/opiniao/artigo/renda-basica-emergencial-e-as-financas-das-classes-cde.ghtml

[2] https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/vis/data3/index.php?g=2

[3] https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,a-derrota-da-realidade,70003400984

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[4] https://eaesp.fgv.br/producao-intelectual/efeitos-auxilio-emergencial-sobre-renda

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