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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

O croquis do golpe bolsonarista

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Por Redação
Atualização:

José Antonio G. de Pinho, Professor Titular Aposentado - Escola de Administração - UFBA. Pesquisador na FGV - EAESP

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É sabido ad nauseum que Jair Bolsonaro não tem nenhum apreço pela democracia, pela ordem constituída, pelos valores e instituições democráticas, até e principalmente pelas provas que ele próprio produz nesse sentido. No 15 de setembro de 2021, dia Internacional da Democracia, a data passou em brancas nuvens no Palácio do Planalto, o que não surpreende ninguém.

Esse comportamento tem uma longa trajetória, desde seus tempos de caserna. Sua saída da corporação militar sem maiores prejuízos para si, aliás, ocorreu debaixo de dúvidas e só se concretizou por falta de evidências claras a respeito de um croquis, um desenho rabiscado de um suposto atentado que poderia atingir companheiros de farda em 1987. A ação teria como objetivo mobilizar os superiores por melhores soldos.

A Justiça Militar tinha em posse dois exames que indicavam o capitão como autor, mas outros dois entendiam que seria impossível determinar a autoria do desenho. No julgamento, foi inocentado e acabou deixando a Arma em idade precoce e a partir daí, usou essa bandeira corporativa para se eleger vereador e depois deputado federal pelo RJ, onde acumulou sete mandatos, até chegar à Presidência.

Como autoridade política máxima da Nação, não tem enganado ninguém a respeito de seu viés autoritário, o que tem se manifestado através de nomeações para cargos chave na estrutura governamental de figuras afinadas com suas ideias. No entanto, é através de ameaças verbais que Bolsonaro mais exerce seu apetite ditatorial.Ficando apenas no período mais crescente, empreendeu a luta pelo voto impresso chegando ao ponto de dizer que não haveria eleição se não fosse do jeito por ele defendido.

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O fato em si não apenas revela um sentimento de onipotência como também de alguém que acredita ter um poder acima das instituições que pode fazer tudo a seu modo. Revela ainda essa postura que o presidente não tem nenhum senso de ridículo nem dimensão das consequências da defesa de tal postura.

Recentemente, acenou para as manifestações do dia 07 de setembro, data máxima da nossa nacionalidade, sugerindo que algo de retumbante iria acontecer, um retrato para o mundo, posicionamento estranho mostrando se preocupar mais com o mundo externo do que com o país. Em uma linguagem nada cifrada, direcionou suas armas para o STF, mirando no presidente da Corte, Luiz Fux, no ministro Alexandre de Moraes, e para o TSE, no ministro Luiz Roberto Barroso. Criou uma expectativa de que atrairia uns dois milhões de apoiadores na Av. Paulista e que este povo na rua, o seu povo, seria uma espécie de atestado de adesão popular o que lhe daria um salvo conduto para seu passo decisivo em direção a um regime de força.

No entanto, as ruas não transpiraram golpe, os militares e policiais (as PMs) não apareceram para lhe dar suporte. Ainda que números expressivos, a massa popular girou em torno de 10% do almejado, ridiculamente distantes dos projetados. A explosão esperada não passou de um traque.

Embora a manifestação possa ser considerada exitosa por parte dos seus organizadores, em menos de 24 horas ocorreu um recuo, cujas razões mais profundas ainda estão guardadas nos porões do governo, talvez em 100 anos sejam revelados. E em um lance patético, Bolsonaro chama nada mais nada menos que Michel Temer, talvez pela sua expertise em impeachment, para escrever uma nota tida como recuo ou apaziguadora.

Interessante notar que o presidente não recorreu aos seus líderes, seja do staff palaciano, seja ministerial, seja civil ou militar, o que pode ser lido como falta de confiança nos seus conselheiros. Certo que a proximidade de Temer com Moraes constitui um fator decisivo, mas não deixa de refletir uma demonstração de isolamento do governante mor.

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O fato também pode ser visto como uma falta absoluta de capacidade dos que cercam Jair Bolsonaro de conseguir exercer influência sobre ele. O resultado foi uma espécie de trégua entre o Planalto e o STF.

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A nosso ver, no entanto, esta trégua revestida de paz é ilusória. Por um lado, esse não é o bioma em que vive e sobrevive Jair Messias bem como não foram retiradas as condições que lhe inquietam. Cabe aqui uma breve digressão: as rachadinhas praticadas por sua prole só vieram ao conhecimento público no período entre após a eleição e sua posse. Isso na cabeça bolsonarista seria apenas uma esperteza, bem típico de uma lógica miliciana, uma brecha que o sistema permitia, não constituindo corrupção.

A dimensão e repercussões que os fatos revelados indicaram que as ações iam além do desvio de salários (pagos com dinheiro público) para se constituir em um business, a família se sentiu ameaçada. Até agora o 01 tem conseguido se blindar através de várias liminares para interrupção das investigações, mas nada garante que isso se manterá. Lembrando que depois de um terremoto pode vir um tsunami.

Por outro lado, existe um outro mundo que continua se movimentando, através da CPI da COVID, já revelando uma indicação de pedido de impeachment tal a quantidade de crimes que o presidente incorreu. E agora a convocação de uma de suas ex- mulheres para depor nesta CPI certamente acende o sinal de alerta nas hostes bolsonaristas.

Certamente, um croquis do golpe volta a fervilhar em sua mente. A confluência dos resultados da CPI, de alta octanagem, a pressão da opinião pública e de grande parte da imprensa, a recusa à intervenção no Marco Civil da Internet para deixar o terreno livre para fake news, a ação segura do Judiciário, o despertar do Senado, tudo isso tornam o caminho de Bolsonaro demasiado dificultoso e árido.

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Projetando para um futuro próximo, não são nada alvissareiras as previsões para a recuperação da economia, a inflação dispara, o desemprego mostra resiliência. O País está pegando fogo com as queimadas e não vai ter água para apagar, por conta da crise hídrica, enquanto isso o presidente tenta salvar a sua pele e dos filhos.

Sua aprovação cai sistematicamente e aumenta a rejeição à sua administração. Mesmo o acionamento do auxílio emergencial deve se mostrar um mero paliativo frente a dimensão da crise econômica e social. Assim, Messias chegaria combalido às eleições, certamente abandonado por boa parte dos atuais fiéis seguidores, sobrando apenas os fanáticos armados, o que o deve fazer acionar, o quanto antes, um croquis de golpe customizado para esta situação.

Para fechar, cabe outra digressão. Dar um golpe requer competência, planejamento, liderança, qualidades que falecem ao presidente. Além do mais, Bolsonaro teria que enfrentar não só a resistência interna, mas o isolamento internacional. Mas, teria que enfrentar outro desafio, teria que trabalhar, injúria máxima. Pelo que se viu ao longo do seu mandato, Bolsonaro pouco se dedicou ao trabalho e a assumir suas responsabilidades, esquivou-se destas ou as transferiu para outros.

Com este cenário, a sociedade brasileira e suas instituições têm que ficar muito atentas para um novo croquis golpista. Jair Bolsonaro já deu mostras suficientes que não tem limites para fazer valer seus objetivos ditatoriais.A "vantagem" desta vez é que não se precisa de exames grafotécnicos para identificar a autoria.

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