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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Mudança do ICMS sobre combustíveis: desestruturação, regressividade e insustentabilidade ambiental

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Por Redação
Atualização:

Ursula Dias Peres, Doutora em Economia (FGV - EESP), Professora da EACH/USP no Curso de Gestão de Políticas Públicas, Pesquisadora do CEM/USP e do King's College London. Foi Secretária Adjunta de Planejamento, Orçamento e Gestão do Município de São Paulo

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Fábio Pereira dos Santos, Doutor em Administração Pública e Governo (FGV - EAESP) e Técnico Legislativo da Câmara Municipal de São Paulo. Foi Assessor Especial do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Secretário Adjunto de Planejamento, Orçamento e Gestão do Município de São Paulo

Estão em discussão no Congresso Nacional duas propostas que trazem mudanças importantes e estruturais para o financiamento de políticas púbicas no Brasil. São mudanças estruturais pois incidem no maior imposto brasileiro, o ICMS, mudando as regras de cobrança deste tributo sobre combustíveis, eletricidade, comunicações e transporte coletivo, buscando reduzi-lo ou mesmo zerá-lo.

Uma dessas propostas é o Projeto de Lei Complementar 18/2022, que tramita no Senado Federal e a outra é uma possível PEC (ainda não apresentada) para compensação aos Estados que zerarem alíquotas de óleo diesel, gás natural e GLP até o final de 2022.

A proposta do PLP 18/22 considera os setores focalizados como "bens e serviços essenciais". Com isto os Estados não podem cobrar alíquotas superiores à "alíquota das operações em geral", de 17 ou 18%. Essa mudança está antecipando, para os setores de energia elétrica e telecomunicações, uma decisão já tomada pelo STF, de que, a partir de 2024, esses setores não poderiam ser taxados com alíquotas superiores às das operações em geral. Ou seja, ao assumirem os governos estaduais, os próximos governadores já deveriam se deparar com o desafio de ajustar essa tributação visto que hoje os Estados cobram alíquotas superiores a 17 ou 18%.

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Antecipar essa mudança e incluir o setor de combustíveis (em média os Estados cobram cerca de 30% de ICMS sobre a gasolina e cerca de 25% sobre o etanol. O ICMS sobre o óleo diesel e sobre o gás natural e GLP é em média menor que 17%), de forma abrupta, no meio do exercício fiscal, implicará uma perda estimada entre R$ 64 e 83 bilhões de reais, conforme dados do Conselho Nacional de Secretários de Fazenda. Além das perdas de arrecadação do próprio governo federal com o corte das alíquotas de PIS/Cofins.

Obviamente, uma perda dessa ordem tem impacto direto nas despesas dos Estados e dos municípios. Para que isso não acontecesse seria necessário compensar a perda de arrecadação estadual. Essa compensação não está prevista. A compensação aventada, que ainda não está clara, pode ser objeto de uma PEC a ser apresentada, mas não possui fonte de recursos conhecida, valeria apenas para o exercício de 2022 e somente cobriria as perdas adicionais que os Estados tivessem caso concordem em reduzir alíquotas de ICMS do óleo diesel e do GLP a zero.

Com as mudanças propostas no PLP 18 pretende-se incidir sobre os preços dos combustíveis, principalmente gasolina, fazendo com que Estados e municípios arquem com a maior parcela do custo da redução de preços. A queda de ICMS atinge diretamente a educação e a saúde, que tem recursos do ICMS vinculados a essas áreas (no mínimo 25% e 12%, respectivamente). Só para o Fundeb se estima uma queda de quase R$ 20 bilhões, valor superior a todo o recurso que a União colocou no fundo em 2021, conforme demonstra análise do Todos pela Educação.

A redução da receita de ICMS atinge também as outras áreas de politicas públicas, em especial a segurança pública, que é financiada basicamente pelos Estados (responsáveis por 80% do financiamento da segurança pública no Brasil, conforme dados do FBSP). Também perdem os municípios visto que 25% do ICMS é vinculado a esses entes como transferência constitucional obrigatória.

A possível aprovação do PLP 18 e da Emenda Constitucional aventada deve produzir um impacto médio estimado de R$ 0,76 por litro de óleo diesel e 1,65 por litro de gasolina, caso toda a redução do imposto seja repassada ao varejo. O IPCA teria um crescimento menor em 2022.

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Estelionato eleitoral, improvisação e injustiça tributária

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A reforma do sistema tributário brasileiro é um tema fundamental e, em especial, a mudança de impostos indiretos e regressivos como o ICMS é um objetivo importante. No entanto, um olhar cuidadoso sobre a matéria demonstra ao menos três erros gritantes da proposta.

1) Tentativa de estelionato eleitoral do governo Bolsonaro às custas de Estados e municípios

A menos de quatro meses do primeiro turno das eleições pretende-se adotar uma medida, de altíssimo custo (valor maior do que o auxílio Brasil), para tentar reduzir o preço dos combustíveis nos postos às vésperas da eleição, pouco importando o que ocorrerá com esses preços e com a receita de Estados e municípios a partir de 2023. O governo federal teve três anos e meio para propor mudanças na política de preços para combustíveis e nada fez. Agora quer aprovar às pressas uma medida eleitoreira às custas de Estados e municípios.

2) Proposta de mudança estrutural do ICMS para resolver problema conjuntural de preço internacional do petróleo e de alta da inflação: mais regressividade tributária e agravamento do aquecimento global

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O preço do petróleo no mercado internacional dobrou entre o final de 2019 (antes da pandemia de covid-19) e o início de junho de 2022. Para tentar forçar uma queda no preço da gasolina, do óleo diesel e do gás, principalmente, o governo federal quer mudar de forma permanente as alíquotas de ICMS.

Se e quando os preços do petróleo caírem, Estados e municípios enfrentarão grave crise fiscal. As necessárias mudanças na tributação indireta no Brasil, na qual o ICMS é o principal imposto, não deveria ser feita "aos pedaços", sob pena de agravar ainda mais as injustiças tributárias, a regressividade e excessiva complexidade dessa tributação. As PECs 45 e 110, com discussão amadurecida e em tramitação no Congresso Nacional, deveriam ser o caminho para uma reforma da tributação indireta no Brasil.

A possível PEC para permitir à União compensar os Estados que aceitarem reduzir a zero o ICMS do óleo diesel, do gás natural e do GLP piora ainda mais o quadro. Essa compensação, além de incerta, valeria apenas para 2022, deixando o ônus de uma retomada de cobrança do imposto para os Estados em 2023.

Redução permanente de imposto sobre combustíveis fósseis vai na contramão dos esforços necessários para enfrentar a crise climática, além de beneficiar mais os detentores de renda mais alta, que consomem mais combustíveis do que a parcela mais pobre da população.

3) A atual proposta não considera alternativas já sugeridas, que são mais eficientes e justas para reduzir os preços dos combustíveis e seu impacto na inflação.

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A alta volatidade dos preços dos combustíveis é decorrente da política de preços adotada pela Petrobras (preço de paridade de importação) desde 2016. Em momentos como o atual, com grande aumento do preço internacional do petróleo, os combustíveis no Brasil seguem esse preço, também influenciado pela taxa de câmbio. As empresas produtoras de petróleo em todo o mundo estrão alcançando lucros extraordinários. A Petrobras foi a mais lucrativa entre elas no primeiro trimestre de 2022.

O Reino Unido adotou uma taxa adicional de 25% sobre o lucro das empresas de petróleo, chagando a uma alíquota de 65%. Essa alíquota adicional deve ser eliminada quando o preço do petróleo voltar a níveis "normais". No Brasil, já foram sugeridas as propostas de tributação adicional dos lucros das petroleiras e destinação desses recursos para redução do preço dos combustíveis ou para subsídios focalizados a esses preços para setores específicos (transporte coletivo, motoristas de aplicativos, transporte de carga etc.) e a criação de um imposto sobre a exportação de petróleo, com impacto regulador de preços no mercado brasileiro, estímulo ao refino interno e geração de receitas que poderiam ser usadas para a mesma finalidade ou em políticas de combate à crise climática.

A mudança de regras tributárias no Brasil é urgente, certamente um dos maiores desafios dos governos a serem eleitos em 2022. Essa discussão deveria ser feita especialmente com foco na reforma da tributação indireta, como o ICMS, e no aumento da tributação direta sobre renda e patrimônio, se quisermos um país mais eficiente e mais justo. Fazer uma mudança isolada no ICMS, com fins eleitorais, sem discussão adequada, sem cálculo de impactos futuros no financiamento das políticas públicas, poderá nos deixar numa situação ainda pior em termos de desigualdade. Como quase sempre, os mais afetados serão os mais pobres.

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