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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Mediação na recuperação judicial: evolução histórica do instituto e expectativas após a Lei nº 14.112/20

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Por Redação
Atualização:

Fabiola Fernandes Ferrucci, Advogada e Especialista em Insolvência e Reestruturação de Empresas pelo ASBZ Advogados

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Felipe de Moraes Costa, Advogado e Especialista em Insolvência e Reestruturação de Empresas pelo ASBZ Advogados

Maria Clara Menezes Godinho, Advogadas e Especialista em Insolvência e Reestruturação de Empresas pelo ASBZ Advogados

A Lei de recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência (Lei nº 11.101/05) sofreu diversas modificações e inovações pela Lei nº 14.112/20, que tinha como principal objetivo a modernização e adequação dos processos recuperacionais e falimentares. Dentre as novidades apresentadas, destaca-se aqui a previsão legal da mediação e da conciliação para resolução dos conflitos entre devedores, credores e possíveis interessados.

Apesar de recentes, tais mudanças na legislação apenas positivam uma prática que já vinha ganhando espaço nos Tribunais de todo País: a solução amigável de controvérsias nos processos de recuperação judicial, extrajudicial e falência.

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Desde 2010, os Poderes da República e demais órgãos, como o Conselho Nacional de Justiça, já estimulavam a adoção e fortalecimento da mediação e da conciliação, a fim de desafogar o Judiciário brasileiro.

Com o advento do novo Código de Processo Civil, em 2015, e da Lei nº 13.140, do mesmo ano, que dispõe das práticas de mediação entre particulares, o legislador deixou claro que a autocomposição seria um dos principais pilares para diminuição no número de processos e contra a eternização das demandas judiciais.

Como consequência, logo em 2016 o Conselho da Justiça Federal, por meio da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, aprovou o Enunciado nº 45 que confirmou a compatibilidade da mediação e da conciliação com os processos recuperacionais e falimentares.

E não demorou muito tempo para que a mediação e a conciliação passassem a ser propostas pelas empresas em recuperações judiciais, extrajudiciais e falências.

Talvez, o mais famoso exemplo de mediação no processo recuperacional seja a do Grupo Oi, esta considerada uma das maiores recuperações judiciais da América Latina, que envolve nada menos do que 55 mil credores, um passivo de R$ 64 bilhões e mais de quinhentas mil folhas de processo.

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Tal como em outras recuperações judiciais de relevante proporção, a complexidade do caso é notória, especialmente por conta das negociações com múltiplos focos de interesse de seus diversos personagens, tais como as empresas em recuperação judicial, seus acionistas e milhares de credores pulverizados pelo território nacional e internacional.

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E foi justamente em um cenário repleto de desafios de ordem prática que a recuperação judicial do Grupo Oi se tornou um "divisor de águas" quando o assunto é mediação.

De forma pioneira, em 2017 foi realizado o primeiro programa de mediação na modalidade virtual destinado aos credores detentores de créditos até o limite de R$ 50 mil, espalhados pelo Brasil e por Portugal. Na ausência de previsão legal que autorizasse o procedimento nos casos de insolvência, a questão foi objeto de vasta discussão.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, amparado por premissas como a do Conselho da Justiça Federal, entendeu pela compatibilidade entre a mediação e o processo recuperacional. Na oportunidade, foi reforçada a índole negocial do feito, bem como a ausência de vedação na Lei nº 11.101/05 ao uso do procedimento.

Assim, autorizada sua realização, o "Programa de Acordo com Credores" ficou disponível em plataforma virtual por três meses até a Assembleia Geral de Credores, contou com ampla participação e resultou na celebração de 36 mil acordos, abrangendo aproximadamente R$ 640 milhões em créditos.

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Repetindo a fórmula de sucesso, o Grupo Oi ainda realizou mais dois programas de mediação, em 2018 e 2020, que possibilitaram a realização de quase 30 mil acordos.

Mas, não foi somente a recuperação judicial do Grupo Oi que abriu a possibilidade de mediação entre as partes. Outro exemplo é o caso da recuperação judicial do Grupo Saraiva e Siciliano S.A., no qual o Administrador Judicial promoveu ainda em 2018 sessões de mediação que tinham como propósito ouvir os credores, repassando seus interesses e insatisfações ao Grupo para consolidação de um plano de recuperação judicial viável.

Necessário destacar que, nesse meio tempo, e com o crescente número de autocomposições, o CNJ editou duas recomendações (nº 58 e nº 71) exatamente com o propósito de promover ainda mais o uso da mediação e da conciliação nos processos de recuperação empresarial e falências, além da criação de Centros Judiciários de Solução e Conflitos para os feitos de natureza empresarial.

Foi justamente nesta linha que as alterações da Lei nº 11.101/05 surgiram. O texto legal passou a prever expressamente que a mediação deverá ser incentivada em qualquer grau de jurisdição, sendo admitida de forma antecedente ou incidental aos processos de recuperação judicial.

O que se tem, portanto, é que as alterações não apresentaram uma inovação, mas apenas a positivação de um movimento que já vinha ganhando força apesar das lacunas legais.

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Nesse cenário, é possível verificar casos recentes em que os Tribunais já vêm adaptando as práticas de solução de conflitos às novas disposições e orientação legais.

É o caso de recuperações em trâmite no estado de São Paulo, nas quais já se observa que alguns juízes, ao deferirem o processamento da recuperação judicial dos devedores, já determinam a realização de mediação entre as partes, designando, para tanto, um mediador com expertise na área de insolvência, o que se pode observar na recuperação judicial da Benfica Cargas e Logística Ltda.

Além da mediação incidental, o estímulo ao procedimento de mediação antecedente (antes mesmo do ajuizamento da recuperação judicial) também já pode ser verificado na prática. É o que se extrai do requerimento de "mediação antecedente ao processo de recuperação judicial" formulado pela Pombo Indústria Comércio e Exportação Ltda.

O Juízo, ao apreciar o requerimento, entendeu por convocar a mediação visando, por um lado, a elaboração de um "plano viável ao soerguimento" e, por outro, uma "eventual conversão em recuperação extrajudicial".

Inclusive, acompanhando as recentes decisões já embasadas nas alterações legais, o Grupo de Trabalho instituído pelo CNJ para contribuir com a modernização e efetividade da atuação do Poder Judiciário nos processos de recuperação judicial e de falência - que tem como membros expoentes como o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luís Felipe Salomão, os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, Marcelo Fortes Barbosa Filho e Alexandre Alves Lazzarini, e o juiz de direito e doutrinador Daniel Carnio Costa -, alterou o teor da então Recomendação nº 58, passando a vigorar o disposto pela Recomendação 112 de 20/10/2021 e que coloca em prática as novas medidas previstas pela Lei.

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Percebe-se, assim, que os operadores do direito envolvidos na aplicação da Lei nº 11.101/05 já vêm se movimentando para colocar em prática e aperfeiçoar os procedimentos de mediação após sua positivação.

De qualquer forma, note-se que, muito embora a mediação não seja uma novidade no âmbito de processos de insolvência - como visto acima -, é inegável que o cenário proporcionado pela alteração legal ainda é novo, sendo natural que haja um período de adaptação de todas as partes envolvidas.

Credores e devedores precisarão se adaptar a esse novo modelo de negociação; o Judiciário precisará estimular a negociação, sem, no entanto, permitir que isso comprometa o regular andamento do processo e o cumprimento dos prazos legais para votação de um plano e encerramento do processo; administradores judiciais deverão acompanhar de perto as partes e garantir um ambiente de segurança e extrema transparência para que a mediação ocorra; e, de forma igualmente importante, mediadores competentes e com conhecimento profundo de processos de insolvência precisam ser indicados para que a mediação em um ambiente jurídico e negocial tão complexo quanto aquele de processos falimentares e recuperacionais seja de fato exitosa e respeite os ditames legais.

De todo modo, é nítido que a mediação ganhará espaço relevante no âmbito da Lei nº 11.101/05.

O uso da mediação nos processos de insolvência, como visto, pode proporcionar o consenso entre os envolvidos, facilitando a elaboração de um plano de recuperação judicial alinhado aos interesses das partes, possivelmente de forma mais efetiva e satisfatória.

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Em todo caso, é essencial que o instituto seja usado com transparência, boa-fé e sob o manto da legalidade, de modo a atender, por um lado, o interesse dos devedores, no sentido de preservação da empresa e, por outro, os interesses legítimos de credores, que buscam a satisfação de seus créditos, tudo isso dentro dos prazos e parâmetros estabelecidos por lei.

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