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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Mato Grosso do Sul: a pandemia do novo coronavírus e as desigualdades socioeconômicas do estado[i].

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Por Redação
Atualização:

Profa. Dra. Déborah Monte, Doutora em Relações Internacionais (Puc Minas) e Professora da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

Prof. Me. Marcos Prudencio. Mestre e Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

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Enf. Me. Elaine Regina Prudencio Hipólito da Silva, Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

 

A questão regional brasileira é crucial para análise de políticas públicas, especialmente em questões sanitárias. Desde o início da pandemia do novo coronavírus, já se havia a ideia de que cada região seria afetada de uma forma diferente, tendo em vista que somos um país de dimensões continentais. O Mato Grosso do Sul não foge à essa realidade e apresenta um ritmo crescente de disseminação do vírus com 100% dos seus municípios acometidos. Ainda que, quando comparado aos outros estados ocupa a penúltima posição em número de casos e mortes, os números são preocupantes: até 04/08 eram  27.678 casos confirmados (taxa de incidência 995,97 casos/100.000 habitantes)  e 432 óbitos (letalidade 1,6%)[ii].

O cenário torna-se ainda mais crítico ao analisar a taxa de ocupação global de leitos SUS (casos confirmados e suspeitos para COVID-19, e outros casos) por macrorregião temos em Campo Grande - 91%, Dourados - 57%, Três Lagoas - 24% e Corumbá - 82% de ocupação. Relativamente ao isolamento social a situação é ainda mais alarmante, correspondendo a 36,7%, o sétimo pior índice do país em 03/08[iii].

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A maior parte dos casos se localiza na capital Campo Grande com 11.213 casos e, na mesorregião Sul, tendo Dourados como foco principal com 4.402 casos, como apresentado na Figura 1 que relaciona os dados de densidade demográfica com o número de casos confirmados.

 

Figura 1: Casos confirmados de COVID-19 e densidade demográfica.

 Foto: Estadão

Os locais citados possuem as maiores densidades demográficas do estado e, junto com os dados apresentados pela Figura 2 sobre a taxa de isolamento social, percebe-se a razão de tantos casos confirmados. Mato Grosso do Sul não atingiu em nenhum momento da pandemia a taxa recomendada pela Organização Mundial de Saúde que é de 70% de isolamento social. O ponto mais alto de isolamento foi no dia 22/03, dias após o primeiro caso registrado da doença,  com 57% da população em casa, segundo os dados da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso do Sul[iv] (SES/MS) (2020).

 

Figura 2: Taxa Diária de Isolamento.

 Foto: Estadão

Fonte: SES/MS

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Os dados de isolamentos disponíveis na SES/MS revelam que as maiores taxas de isolamento social nos meses de junho e julho foram em finais de semana, no dia de domingo para ser mais exato, com média de 47% entre estes dois meses, que somaram juntos as maiores altas no número de casos confirmados como exemplificado pela Figura 3.

 

Figura 3: Gráfico de novos casos e novas mortes por dia.

 Foto: Estadão

Fonte: Painel Covid Radar.

 

Não se pode culpabilizar totalmente e somente a população pela falta de isolamento social. O auxílio emergencial de 600 destinado à população mais vulnerável  na pandemia está aquém da realidade do custo de vida do brasileiro e, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo para sustentar uma família de quatro pessoas no país deveria ser de 4.595 reais em junho de 2020[v]. R$ 600 é ilusório. Lembrando que o valor sugerido pelo Governo Federal era de 200 reais, após muitos debates o valor subiu para o atual 600 reais[vi].

Assim como explica Laura Carvalho, em seu livro "Curto-Circuito: O vírus e a volta do Estado", a pandemia trouxe a intervenção estatal de volta dos limiares do último mandato do Governo Dilma (2011-2016) e foi necessária ação governamental para socorrer empresas e população.  Subir o valor do auxílio, aumentar o número de parcelas e impor maiores medidas de restrição de circulação é obrigação do Estado, em suas diversas esferas, mas a fala deve ser uníssona. Esperar que a população fique em casa sem sustento é viver no mundo das ideias de Platão.

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O governo do estado tomou algumas medidas ante ao aumento exponencial do número de casos e mortes e à pressão de setores econômicos do estado para a flexibilização do distanciamento social, como a abertura do comércio. Destaca-se a implantação do Programa de Saúde e Segurança da Economia PROSSEGUIR (Decreto 15.462), que estabelece bandeiras de baixo, médio, alto e extremo risco para cada macrorregião de saúde do estado e institui a observância de protocolos especiais para o exercício de algumas atividades econômicas, a depender da situação da pandemia em cada macrorregião. O PROSSEGUIR busca subsidiar políticas públicas municipais e decisões sobre a adoção de medidas de restrição ou flexibilização do distanciamento social, com o potencial de articular melhor os governos estadual e municipais na gestão da crise[vii].  Para o período entre 31/07 e 14/08, os municípios de Aquidauana, Campo Grande e Miranda estão classificadas como em risco extremo, com  indicação de manter apenas as atividades essenciais[viii]. A recomendação de lockdown, no entanto, gerou grande insatisfação do setor comercial da capital Campo Grande e o prefeito Marcos Trad (PSD) não tem se mostrado favorável a tal medida restritiva devido a seus custos políticos[ix].

Ademais, entre os onze povos indígenas que habitam o estado, os Terenas são os mais  afetados em números de casos e mortes. O Conselho do Povo Terena[x] confirma a existência de 321 casos, sendo que a maioria está concentrada na Terra Indígena de Taunay-Ipegue, localizada próximo a Aquidauana, com 131 casos em 30/07, números mais elevados do que os divulgados pela SESAI. O povo Terena da Terra Taunay-Ipegue enfrenta vulnerabilidades como a escassez de médicos e estrutura adequada ao tratamento dos casos. A rápida contaminação de tais comunidades indígenas pode se relacionar à visita de membros do governo do estado e da Assembleia Legislativa à aldeia. Em nota, organizações indígenas e da sociedade civil pedem a abertura de investigação na Polícia Federal e no Ministério Público Federal sobre responsabilidade dos agentes públicos na disseminação e contágio em massa do povo Terena[xi]. A atuação do governo do estado na proteção dos povos indígenas durante a pandemia da COVID-19 é caracterizada por uma silenciadora omissão em relação aos povos indígenas, sendo que as ações de contenção ao vírus, como a instalação de barreiras sanitárias[xii], têm sido feita pelos próprios indígenas.

 

 

[i] O artigo faz parte do projeto em parceria com a ABCP coordenado pela professora Luciana Santana (UFAL)  intitulado: Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia de covid19 no Brasil. Essa é uma versão elaborada a partir de texto publicado no site da ABCP em 14/07/2020 no seguinte link: https://cienciapolitica.org.br/analises/especial-abcp-3a-edicao-estados-regiao-centro-oeste/artigo/especial-abcp-acoes-mato-grosso-sul-enfrentamento 

[ii] https://www.vs.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2020/08/Boletim-Epidemiol%C3%B3gico-COVID-19-2020.08.04.pdf

[iii] Idem.

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[iv] http://mais.saude.ms.gov.br/sense/app/51c38346-b65d-4f3e-8a80-5111a7a9da76/sheet/c35c5605-53bc-4cfe-b9d5-843838fa10ff/state/analysis

[v] https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html

[vi] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/12/deputado-rebate-bolsonaro-sobre-auxilio-nao-admitiam-mais-que-r-200.htm

[vii] http://www.ms.gov.br/prosseguir-governo-apresenta-plano-para-evitar-mais-restricoes-e-lockdown/

[viii] https://www.coronavirus.ms.gov.br/?page_id=2675

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[ix] https://correiodoestado.com.br/cidades/governo-do-estado-recomenda-lockdown-marcos-trad-nao-aceita/375410

[x] https://www.instagram.com/cons.terena/

[xi] https://cimi.org.br/2020/07/organizacoes-denunciam-governo-do-mato-grosso-do-sul-por-criar-condicoes-de-contaminacao-por-covid-19-entre-povo terena/?fbclid=IwAR2euu_CBImb9NwWONFOzT01yeiHUS4Lb0UdfBZAhSTFCqB06zHg9ZcU8BA

[xii] https://www.campograndenews.com.br/cidades/interior/com-aldeias-em-colapso-defensoria-recorre-aos-medicos-sem-fronteiras

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