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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Incentivos ao agir transparente no Século XXI

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Por Redação
Atualização:

Marcus Vinicius de Azevedo Braga, Doutor em Políticas Públicas (PPED/IE/UFRJ)

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Rodrigo adiantou a rotina de consultas com seu médico. Afinal, teria lido em uma rede social que o remédio de uso continuado para ele receitado teria um problema e, por pressão da esposa e dos filhos, foi consultar seu profissional de referência. Estava ansioso para saber se corria algum risco e se poderia trocar o remédio. Até a consulta foram algumas noites de sono perdidas. Poderia estar ingerindo um veneno... Poderia até  morrer. Medo, medo, medo.... diria Drummond.

Ao chegar à consulta, o Dr. Epaminondas, professor universitário aposentado e com larga experiência, explica a Rodrigo que a própria empresa fabricante do remédio detectou, por meio dos seus controles internos, que um lote do medicamento teria um problema que poderia causar algum transtorno aos usuários e, por conta de uma política de compliance da empresa, publicou nota esclarecedora nos jornais, informando que o referido lote seria recolhido. Rodrigo respirou aliviado.

Essa singela crônica fictícia de abertura ilustra um problema atual, tema desse texto, que é a busca de incentivos que promovam a transparência em organizações públicas e privadas. Sim, está prevista essa transparência na lei em alguns casos, como a aniversariante Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/2011), cuja entrada em vigor comemora dez anos no dia 16 de maio de 2022. Mas, consta também em diplomas regulatórios de mercados específicos, como o de medicamentos, por exemplo.Para a materialização desses valores, é preciso mais do que normas, e sim, um conjunto de incentivos permeados por uma cultura que reforce essas ações.

A transparência é um valor da modernidade que vivemos. Misto de um ethos democrático e participativo, inserido em um ambiente de tecnologia que propicia novas e mais rápidas formas de comunicação, o agir transparente vai se incorporando ao cotidiano, seja na relação dos governos com os cidadãos, seja na relação de empresas com seus clientes. Como bem sintetizado pela Lei de Acesso à Informação: "observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção".

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A accountability nessas relações precisa estimular esse agir transparente, premiando os que aderem aos cânones da transparência, e que impõe custos de implementação e de transação nesse processo de se tornar mais poroso aos seus públicos. Da mesma forma, é preciso que o arranjo imponha sanções àquele que opta pelo agir na opacidade, de modo que se construa um sistema de incentivos que favoreça efetivamente a implementação dessas iniciativas.

Podemos enumerar, para fins didáticos, três formas de incentivo ao agir transparente, para que os detentores do poder nas instituições públicas e privadas vejam o investimento nessas ações como um bom negócio, que vale a pena, e não apenas a adesão a códigos, que se tentará burlar na esperança de não ser detectado e sancionado.

O primeiro incentivo é que as ações de transparência sejam fonte de confiança na marca da organização, e não o sentido contrário. A crônica de abertura mostra o exemplo de uma organização que adotou uma postura accountable, prestando contas de uma situação concreta e apresentando as devidas medidas corretivas para seu público de interesse.

Entretanto, o ambiente de redes sociais e de profusão de circulação de informações terminou por expor a marca de forma um tanto negativa, o que pode ser um desincentivo para esta e outras similares a atuar dessa forma. A questão interpretativa-simbólica, a confusão no receptor da mensagem, a espetacularização de eventos, tudo isso precisa ser considerado no contexto atual, para que as estratégias de comunicação em relação a um agir aderente a normas e boas práticas não agucem uma desconfiança na linha do "-Se comunicou, deve ter muito mais coisa errada!"

O segundo incentivo é que o sistema garantidor do agir transparente, seja no âmbito dos órgãos governamentais, seja no contexto regulatório dos mercados, não permita um agir oportunista no qual é mais vantajoso ficar silente, em um agir opaco, sem prestar contas, do que adotar uma postura transparente.

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Se o sistema de garantia desse agir transparente, pautado em normativos e boas práticas, não for efetivo, a conta mental de que vale mais a pena não ser transparente, pois não expõe seus atos de gestão, e consequentemente os possíveis erros, será feita pelos agentes, e isso servirá de desincentivo. A opacidade deve ser vista com tanta gravidade quanto uma falha, pois ela pode ser o instrumento de ocultação de irregularidades e de consequentes impactos negativos à sociedade (externalidades negativas).

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Por fim, o terceiro incentivo a um agir transparente é que esse seja colocado para as organizações não só como um valor de um contexto democrático, mas como um instrumento de mediação das relações com as partes interessadas, permitindo uma interação mais efetiva, reduzindo os custos de transação, em especial em relação a reclamações e equívocos derivados da falta de informação adequada.

A transparência é um instrumento de governança, de entidades públicas e privadas, e auxilia na redução da assimetria informacional, base do chamado problema do principal-agente, e que faz com que condutas indesejadas, em especial em organizações complexas e descentralizadas, cheguem logo ao conhecimento das instâncias de governança, favorecendo a eficiência. Transparência é uma forma eficiente de controle da gestão.

Que a transparência seja fortalecida por uma forma de comunicação que aumente a confiança da organização, que haja equidade na cobrança e na sanção dos que não a adotam e, ainda, que ela seja inserida nos processos organizacionais, como instrumento de governança e de melhoria de resultados. Incentivos simples e que podem fazer a letra das normas se converter em ações concretas, em um contínuo processo de implementação.

As memórias do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair (1997-2007), intitulada "A Journey: My Political Life" (2010), revelam que o mesmo se arrependeu da aprovação da lei de acesso à informação (Freedom of Information Act, de 2000) daquele país. "Seu idiota. Seu idiota ingênuo, tolo e irresponsável." Essas são as suas palavras exatas em relação a esse ato. Uma reação que nos enseja uma reflexão sobre o potencial dos mecanismos de incentivo que dispomos para o fomento da transparência.

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Para uma sociedade mais transparente, é necessário um claro e robusto arcabouço jurídico de acesso à informação. Necessita-se também de uma mobilização dos atores sociais para essa agenda, como um valor, que impõe custos, mas que traz ganhos públicos e privados. Entretanto, para que essa estratégia tenha sucesso, é preciso não desconsiderar um sistema de incentivos com objetivos claros, na linha do ganha-ganha, presente nos sistemas regulatórios que usam e precisam da transparência, como chave do sucesso dessa empreitada.

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