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Guerra na Ucrânia: relatos e percepções de um estudante de Administração Pública em intercâmbio na Polônia

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Por Redação
Atualização:

Estevão Giuseppe Palese, Graduando em Administração Pública (FGV - EAESP), estudante intercambista de Ciências Econômicas na Warsaw School of Economics (SGH)

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Vivenciar esse período de guerra, estando geograficamente próximo dos acontecimentos, proporciona uma visão mais ampla sobre o atual "tabuleiro" mundial e, também, sobre os desdobramentos locais do conflito. De fato, o conflito que estamos acompanhando já estava sendo coberto pela mídia há um bom tempo, e mesmo antes de chegar à Polônia já era esperado certo nível de tensão.

Trazendo um primeiro aspecto sobre os acontecimentos, percebemos que há uma nítida divergência na forma de transmissão de informações entre o continente europeu e o Brasil. Aqui, acompanhando os veículos de comunicação locais, diz-se muito mais sobre a emergência dos motivos da guerra do que sobre a possibilidade de uma "internacionalização armada", diferente da forma como foi traduzida pelas mídias brasileiras.

Na percepção regional, as verdadeiras preocupações para os países da fronteira podem ser divididas em duas mãos: a primeira seria como lidar, acolher e ajudar, da melhor forma possível, os refugiados ucranianos e o país como um todo.

A Polônia está recebendo mais de 50% dos refugiados ucranianos, segundo contagens da fronteira e jornais locais, já passando da casa dos 600 mil refugiados recebidos, e acolher essas pessoas da melhor forma é o principal formato de apoio que pode ser dado atualmente, visto que o posicionamento do Ocidente foi não se envolver diretamente no combate armado.

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Aqui, em Varsóvia, especificamente, o número de refugiados acolhidos já é gigantesco, a cidade mudou bastante desde o início da guerra, e os hostels, igrejas e algumas outras organizações estão se mobilizando para receber todos e prestar qualquer auxílio necessário.

O interessante é que os dormitórios estudantis não estão recebendo apenas refugiados cidadãos ucranianos, mas também outros estudantes que estavam em uma experiência de intercâmbio no país e precisaram se deslocar também por questões de segurança. A quantidade de pessoas que os dormitórios estão recebendo é enorme, alguns estudantes que estão hospedados em Varsóvia também se mobilizaram e se voluntariaram para auxiliar em todos os processos necessários.

A todo momento, os espaços que estão abrigando os refugiados recebem caixas com alimentos, produtos de limpeza, roupas e outros tipos de arrecadação. A Polônia, apesar de ser um país conhecido pelo atual governo de extrema-direita, assumiu uma postura solidária com a situação do país vizinho. Varsóvia já era casa de uma grande quantidade de ucranianos que se mudaram para cá devido à anexação da Crimeia e ao conflito Donbass (região leste do país, disputada entre o governo ucraniano e as comunidades separatistas pró-soviéticas, que também tiveram um papel relevante para o início dessa guerra). O apoio polonês vai, portanto, muito além do senso comum devido aos países que fazem fronteira, e isso é histórico.

Entretanto, o acolhimento parece bem seletivo. Depois de dias de fuga, ao chegar na fronteira, os ucranianos realmente não encontram grandes problemas para a entrada no país, mas algumas problemáticas observadas dizem respeito à relação que a Polônia possui com a diversidade em geral. Alguns vídeos que circularam nas redes sociais mostram a dificuldade de entrada na Polônia de alguns refugiados pretos, afegãos e sírios que estavam abrigados na Ucrânia, tornando a experiência ainda mais difícil para eles. Os refugiados são na maioria mulheres e crianças, pois os homens ucranianos foram proibidos de deixar o país.

Nos grupos e páginas das redes sociais voltados para brasileiros que estão morando nos países da fronteira, como na Polônia, foram organizadas planilhas com casas que estão com sofás e camas disponíveis para receber refugiados. Outros brasileiros com carros também se organizaram para buscar os conterrâneos que estavam parados na fronteira e tudo é postado nas respectivas páginas. A página de Instagram com mais informações compiladas sobre essas ações e que também organizou a maior angariação de fundos para remover os brasileiros ainda presos na Ucrânia é a @frente_brazucra.

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Mas, ainda ficamos com um ponto de reflexão, a Polônia, além de auxílio direto acolhendo a maioria dos refugiados, também dispôs de recursos financeiros e até enviou apoio militar junto à ajuda financeira de países como Alemanha, Finlândia e Dinamarca, que renunciaram à posição de neutralidade devido ao incômodo com a situação devastadora das cidades ucranianas (e que não vão ganhar nada com isso), mostrando uma esperança na ética diplomática internacional. Tratando diretamente sobre o Brasil, o Encarregado de Negócios da Ucrânia no Brasil, Anatoliy Tkach, afirma que o presidente Jair Bolsonaro está "mal informado" sobre a guerra e insiste em um posicionamento neutro sobre a guerra sem a preocupação de minimamente auxiliar a Ucrânia de alguma forma, mesmo com um pedido oficial de ajuda humanitária ao Itamaraty, mostrando-se assim, até então, mais uma vez avesso aos direitos humanos.

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Tratando sobre a percepção local da guerra, conversando com professores e moradores, aqui é consenso, ao menos no meu círculo, que um dos grandes problemas éticos do início dessa guerra foi a irresponsabilidade ocidental, em um primeiro momento, ao apoiar o ingresso da Ucrânia na OTAN, mesmo com um grande conflito interno ainda fortemente presente: apesar da Ucrânia ter se declarado como um país independente após colapso da União Soviética, alguns grupos (situados majoritariamente no leste do país) sempre se posicionaram pró-soviéticos desde a independência do país. Esse contexto deixa evidente que a Ucrânia, portanto, foi marcada por divergências de ordem civil e movimentos separatistas os quais refletem a existência de conflitos de interesses internos.

Em outras palavras, o que ocorreu para essa guerra implodir foi um apoio do Ocidente, em um primeiro momento, para a entrada da Ucrânia na OTAN, inclusive com garantia de apoio militar americano (visto que já havia sido enviado um número relevante de tropas americanas para as fronteiras ao norte da Polônia para caso de conflito direto). Mas, em um segundo momento, ao ser intensificada a ameaça russa na região, a Ucrânia foi deixada sozinha em combate contra um país com poder bélico e econômico muito superior, e isso nos leva a uma segunda preocupação local.

Ela é menos prática e mais teórica, juntamente com as anotações de aula com Guilherme Casarões (FGV - EAESP) e as minhas percepções do movimento de refugiados e crenças sobre a guerra na Polônia, é possível entender que as consequências desse tópico serão sentidas a longo prazo: o conflito Ucrânia-Rússia é um choque entre o expansionismo americano contra o expansionismo russo, transformando a Ucrânia em vítima de ambos. Apesar da Rússia ser o maior país do mundo em território, também é extremamente vulnerável devido à maior parte de sua população estar concentrada na parte fronteiriça com o ocidente. Devido às condições sofridas nas últimas guerras, o governo russo não aceita nenhuma ameaça em suas fronteiras, pois, na perspectiva de Vladimir Putin, não permitir a ocidentalização da Ucrânia é uma medida defensiva contra um cerco americano.

Apesar disso, não podemos deixar de problematizar e questionar as atitudes russas nesta atual guerra, mostrando-se voltada para o conflito e praticando um expansionismo de forma aberta. Não há justificativas plausíveis para o posicionamento e o ataque russo na Ucrânia, e, agora, mais do que nunca, os conflitos aumentam o risco de repercussão e envolvimento global. No entanto, como alguns novos colegas que vieram de países diversos do Oriente Médio me disseram quando estávamos discutindo o assunto, o governo americano e o Ocidente já estão acostumados a causar e financiar guerras de interesse das quais não participam diretamente. Nessas rodas de conversa, o conflito Ucrânia-Rússia tem sua gravidade e ganhou repercussão por estar acontecendo diretamente no continente europeu, mas não é a primeira e nem será a última vez que vivenciamos conflitos internos de países à mercê de nações imperialistas.

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Fontes

SIERADZKA, Monika. Polônia debate como acolher refugiados da Ucrânia. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/pol%C3%B4nia-debate-como-acolher-refugiados-da-ucr%C3%A2nia/a-60844118. Acesso em: 28 fev. 2022.

HIGGINS, Andrew. The New York Times. At the Polish Border, Tens of Thousands of Ukrainian Refugees. Disponível em: https://www.nytimes.com/2022/02/25/world/europe/ukrainian-refugees-poland.html. Acesso em: 28 fev. 2022.

CNN Portual. POLÓNIA recebeu 100 mil refugiados da Ucrânia nas últimas 24 horas. Disponível em: https://cnnportugal.iol.pt/videos/polonia-recebeu-100-mil-refugiados-da-ucrania-nas-ultimas-24-horas/621e1b1a0cf2c7ea0f1c6207#/. Acesso em: 1 mar. 2022.

CHEBIL Mehdi. PUSHED back because we're Black': Africans stranded at Ukraine-Poland border. Disponível em: https://www.france24.com/en/europe/20220228-pushed-back-because-we-re-black-africans-stranded-at-ukraine-poland-border. Acesso em: 1 mar. 2022.

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