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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Flertando com o desastre: a vacinação contra a COVID-19 no Brasil

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Por Redação
Atualização:

Antônio Sérgio Araújo Fernandes (Doutor em Ciência Política pela USP, com pós-doutoramento pela Universidade do Texas em Austin, Professor do NPGA/EA-UFBA)

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Robson Zuccolotto (Doutor em Contabilidade e Controladoria pela USP e pós-doutorado em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP. É professor do PPG em Contabilidade da UFES)
Marco Antônio Carvalho Teixeira (Doutor em Ciências Sociais pela PUCSP, professor da Escola de Administração de Empresas da FGV EAESP onde é coordenador do curso de Administração Pública)
Alex Bruno F. M. do Nascimento (Doutor em Administração pela Universidade do Rio Grande do Norte e Professor da UAGESP e do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Campina Grande)

 

No último mês, todos os brasileiros estão assistindo, assustados e surpresos, ao completo desastre de gestão, de respeito ao cidadão e a dignidade humana no que se refere ao processo de vacinação ampla da população contra a COVID-19. Um festival de falta de estratégia, falta de gestão, e negacionismo político intencional acerca da aplicação da vacina contra a COVID19, é expelido a cada dia pelo Ministério da Saúde e pelo Presidente da República. Caso esse assunto não fosse de extrema urgência e importância para o país e não afetasse todos os cidadãos indistintamente, não estaríamos aqui perplexos e estressados com tal situação. A vacina contra a COVID-19, já iniciada em mais de 40 países, entre eles, Chile e Argentina, vizinhos latino-americanos, não tem previsão de ocorrer ainda no Brasil.  Ressalte-se que para a economia do país, é fundamental vacinar todos os brasileiros, pois disso depende a recuperação plena da economia em 2021. Entretanto o Presidente da República aparece sempre sabotando e negando este direito básico do cidadão e dever do estado (o direito à saúde), contido no artigo 196 Constituição de 1988 e que também é um fator chave para a recuperação da economia. Diante da incapacidade gerencial do governo, além de seu negacionismo usual e até mesmo atitudes fascistas, uma série de aspectos desastrosos são explicitados na política nacional de vacinação, que diga-se de passagem, sempre fez do Brasil um exemplo mundial.

O primeiro aspecto desastroso da política nacional de vacinação contra a COVID-19, refere-se à falta de estratégia do Ministério da Saúde. O Brasil, diferente do que fizeram muitos governos de países pelo mundo, não firmou nenhum protocolo de intenções com todos os cinco laboratórios que estavam desenvolvendo vacinas e testando-as em diversos países. O Governo Federal firmou protocolo de intenções apenas com o imunizante que estava sendo desenvolvido pela Universidade de Oxford junto ao laboratório AstraZeneca que aqui no Brasil será produzida pela FIOCRUZ.  Mesmo a vacina que foi testada e desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan virou alvo de uma briga política iniciada pelo Presidente da República com o Governador de São Paulo, onde o Ministério da Saúde vetou,  em novembro, a compra do imunizante do Instituto Butantan, mas voltou atrás e mais recentemente decidiu estabelecer protocolo de intenções de compra de 46 milhões de doses da Sinovac-Butantan.

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O segundo aspecto refere-se ao desastre de gestão logística e de distribuição das vacinas no país. Ainda que as duas únicas vacinas que o Ministério da Saúde firmou protocolo de compra - Oxford-AstraZeneca e Sinovac-Butantan - ainda não tenham pedido de autorização junto à ANVISA, o Ministério da Saúde não se antecipou a isso e, quando procedeu ao edital de compras dos insumos necessários para a aplicação das doses, deparou-se com um resultado do pregão eletrônico, onde se previa a compra de um total de 331 milhões de seringas, mas as empresas que participaram do edital, ofertaram apenas 7,9 milhões. O Ministro da Saúde não é da área da Saúde, e inclusive já declarou nem conhecer o SUS. Trata-se de um general da ativa que o reputam como "especialista" em logística, cabe saber em que escola estudou, pois se trata de um caso de tremenda incompetência na área. Não é a primeira vez que sua "expertise" em logística é demonstrada, uma vez que não se pode esquecer dos mais de 6 milhões de testes para a Covid-19 do tipo RT-PCR com validade para expirar em janeiro de 2021 que estavam estocados em um galpão em Guarulhos, e que custaram R$ 290 milhões à União. Não é à toa, que cogita-se, até bem tarde, demitir o Ministro da Saúde, depois do desastre da compra das seringas. De fato, um Ministro da Saúde de tamanha incompetência, não está no cargo por acaso, ele é fruto de um ditado muito comum no setor público, o qual afirma que "o jabuti foi colocado ali por alguém". Claro que a falta de responsabilidade do General Pazuello em assumir importante cargo sem qualquer qualificação para tanto, conta, mas também conta o fato do Presidente da República nomeá-lo para cumprir sua missão de minar qualquer esforço por parte do Governo Federal em combater a COVID-19. Para o Presidente, nomear um general da ativa, algo inconstitucional, diga-se, que além de medíocre e neófito, é totalmente submisso e obediente aos seus ditames pessoais, era seu objetivo, na sua cruzada moribunda de desresponsabilizar o Poder Executivo Federal no que se refere ao combate a COVID-19. 

O terceiro aspecto é o tremendo desrespeito a um direito básico do cidadão e uma obrigação do estado brasileiro que é a vacinação, a qual o Presidente da República diariamente e diuturnamente, nega veemente. O presidente insiste em negar a essencialidade da vacina afirmando sempre que não vai se vacinar pois já contraiu a covid-19 e possui anticorpos. Ademais, o Presidente insiste em "prescrever" medicamentos com estudos que já comprovaram a ineficácia em tratamento da COVID-19, como a cloroquina, comprovada a ineficácia observada no estudo brasileiro que foi publicado no New England Journal of Medicine. A mais recente prova em contrário de medicamentos com eficácia no combate a covid-19 veio a partir de um estudo patrocinado pelo Ministro da Ciência e Tecnologia, onde foi testada e provada a ineficácia da Nitazoxanida, um vermífugo conhecido no Brasil como Anitta.  Entretanto, isso não basta para o Presidente em sua transloucada e macabra missão de desinformar a população e desorganizar tudo, criando um ambiente desfavorável à vacinação. Ele, Presidente, insiste em afirmar que as vacinas não são seguras, a colocar uma série de barreiras a aprovação de licenças de aplicação das vacinas pelos laboratórios que já estão vacinando em vários países, dizendo que pode pedir até termo de responsabilidade aos cidadãos que tomarem as vacinas.  Entretanto, os quase 194 mil mortos oficiais desde o início da Pandemia não significam nada para o Presidente, que em pleno caos sanitário no país, tira férias no Guarujá em São Paulo, e como sempre é de hábito seu, provoca aglomeração e não faz o uso de máscaras. Importante ressaltar que o país vive uma segunda onda de casos e óbitos, estimulada pelas festas de fim de ano, e que parece mais intensa em casos e óbitos do que na chamada primeira onda que foi de abril a agosto. Isso eleva o nível de ocupação de leitos hospitalares, sobretudo nas capitais, sempre próximo do colapso. Além disso, ao aparelhar o Ministério da Saúde e a ANVISA, com dezenas de militares em postos chave, o Presidente, captura importantes instituições e as usa para conter o combate à COVID-19 e também para controlar a aprovação das vacinas. Ou seja, sua aposta na não vacinação é séria e expressa um enorme apreço pela morte. A evidência disso se dá com um Plano de vacinação que foi extraído do Ministério da Saúde à fórceps, por exigência do STF. E mesmo assim, o plano não detalha nada em termos de datas e menciona imunizantes com laboratórios que o país ainda não tem contratos firmados. Isso tudo cria no Ministério da Saúde um obscurantismo e descredibiliza uma importante agência como a ANVISA, que ficou sem nenhum tipo de confiança por parte da população acerca da aprovação de vacinas. A situação é desalentadora pois, à medida que aguardamos o início da vacinação nacional, percebemos a cada dia que passa que, devido a tudo isso, ela se torna mais distante. Não esqueçamos que a campanha de desinformação do Presidente Bolsonaro, parece estar logrando êxito, pois, segundo pesquisa Datafolha divulgada pela Folha de São Paulo em dezembro, o número relativo de brasileiros que não pretendem se vacinar contra a covid-19 é de 22%, entretanto em agosto este percentual da população que declarava não querer se vacinar era de apenas 9%.

Infelizmente cumpre-nos dizer que o ano de 2021, no que se refere a vacinação no Brasil será extremamente ruim e se não temos vacinação, não teremos recuperação econômica e um retorno mais rápido à normalidade. Com todo esse desastre de uma não política de vacinação, a probabilidade de imunizar toda a população do Brasil durante 2021 é baixa. Ademais, a partir do segundo semestre a maior intensidade de casos e óbitos relativos e absolutos no mundo se encontrará no Brasil, que com a escalada da segunda onda, o inverno no sul do país e sem vacina, superará os Estados Unidos em casos e mortes, lamentavelmente.

Os Governadores e Prefeitos das maiores capitais, ainda que afirmem que vacinarão seus cidadãos se o Governo Federal não o fizer, ao mesmo tempo que cobram urgência do Plano de Vacinação, esbarram basicamente em dois aspectos impostos pelo Governo Federal. O primeiro aspecto diz respeito a falta de um calendário preciso e à desordem do Governo Federal em negociar qualquer aprovação e contrato de vacinação com algum laboratório. O segundo aspecto diz respeito à confusão na negociação com os oligopólios farmacêuticos internacionais, uma vez que neste momento, preferem negociar primeiro a aprovação de seus imunizantes e a compra de lotes massivos pelo Governo Federal para depois começarem a negociar com os Governos estaduais e municipais do país. Em suma, a estratégia do Governo Federal é o salve-se quem puder! Enquanto isso prevalecer, continuaremos com a desobediência e o cinismo cívicos, representados em mega festas de centenas de pessoas aglomeradas e Prefeitos descumprindo determinações de isolamento, e com a tensão social crescente evidenciados na violência gratuita em crimes de ódio. Viver em um país onde o Estado não assegura um direito básico do cidadão como a vacina é caminhar de mãos dadas com barbárie. 

 

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Notas

https://epoca.globo.com/mundo/mais-de-40-paises-ja-iniciaram-vacinacao-contra-covid-19-24813961https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2020/12/29/argentina-comeca-vacinacao-contra-a-covid-19.ghtmlhttps://exame.com/economia/recuperacao-economica-depende-mais-da-ciencia-do-que-de-bancos-centrais/https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,investimento-em-vacina-e-mais-barato-que-prorrogar-auxilio-diz-presidente-do-bc,70003552495https://oglobo.globo.com/sociedade/acoes-de-bolsonaro-ameacam-imunidade-coletiva-contra-covid-19-dizem-especialistas-24800423https://noticias.r7.com/jr-na-tv/videos/guedes-diz-que-recuperacao-da-economia-em-2021-depende-de-vacinacao-em-massa-da-populacao-18122020https://www.dw.com/pt-br/como-est%C3%A1-o-brasil-na-corrida-por-uma-vacina-contra-a-covid-19/a-558202https://brasil.elpais.com/brasil/2020-11-20/ministerio-exclui-vacina-coronavac-de-possivel-acordo-de-compra-e-diz-nao-ter-dados-para-admitir-segunda-onda.htmlhttps://g1.globo.com/bemestar/noticia/2020/12/30/ministerio-consegue-oferta-de-24percent-das-seringas-necessarias-para-vacinacao-contra-covid.ghtmlhttps://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/10/07/nem-sabia-o-que-era-sus-diz-ministro-da-saude-em-lancamento-de-campanha.htmhttps://saude.estadao.com.br/noticias/geral,prazo-de-validade-pode-levar-governo-federal-a-jogar-fora-6-8-milhoes-de-testes,70003523522https://noticias.uol.com.br/colunas/thais-oyama/2020/12/30/o-vexame-das-seringas-e-a-saida-do-general-que-errou-nao-so-por-obedecer.htmhttps://noticias.uol.com.br/videos/2020/12/17/bolsonaro-diz-que-nao-vai-tomar-vacina-ja-tenho-anticorpos-pra-que-tomar-a-vacina-de-novo.htmhttps://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/12/10/interna_politica,1219233/covid-19-bolsonaro-nao-fala-em-vacinacao-mas-insiste-no-uso-da-cloroquina.shtmlhttps://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/nejmoa2019014__1_https://erj.ersjournals.com/content/erj/early/2020/12/17/13993003.03725-2020.fullhttps://www.dw.com/pt-br/bolsonaro-quer-exigir-termo-de-responsabilidade-de-quem-tomar-vacina/a-55952603; https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/12/17/bolsonaro-discursa-contra-imunizacao-e-repete-que-nao-ira-se-vacinar.ghtmlhttps://www.google.com/searchq=mortos+pela+covid+no+brasil&oq=mortos+pela+covid+no+brasil&aqs=chrome..69i57j0i324j0i22i30l6.10142j0j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/12/31/segunda-onda-de-covid-19-mata-mais-que-a-primeira-no-sul-do-brasil.htmhttps://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/12/16/covid-19-capitais-novamente-a-beira-do-colapso-de-utishttps://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/06/05/interna_politica,861378/chega-a-25-o-numero-de-militares-nomeados-no-ministerio-da-saude.shtmlhttps://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/bolsonaro-coloca-militares-na-anvisa-para-controlar-vacinas,b88cd5b772f83a2060431c1fc4ac9123wx8tagsq.htmlhttps://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2020/12/07/especial-bolsonaro-coloca-militares-na-anvisa-para-controlar-politica-de-vacinas-contra-coronavirus.htmhttps://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/12/12/agu-entrega-plano-nacional-de-vacinacao-contra-a-covid-19-ao-stf.htmhttps://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/12/12/datafolha-chegam-a-22-os-brasileiros-que-nao-querem-se-vacinar-contra-covid-19.htmhttps://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-12/anvisa-muda-regras-para-uso-emergencial-de-vacina-contra-covid-19

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