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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Economia Circular - estamos prontos?

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Por Redação
Atualização:

Patricia C. Berardi a, b a Professora do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto - FEUP, Portugal. b Membro do CELOG Centro de Excelência e Logística e Supply Chain da EAESP - FGV, São Paulo, Brasil. pberardi@fe.up.pt

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Luciana Stocco Betiol a, b a Professora na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas - FGV EAESP. b Coordenadora Executiva do GVEthics - Centro de Estudos em Ética, Transparência, Ingridade e Compliance e Membro do CELOG Centro de Excelência e Logística e Supply Chain ambos da EAESP - FGV, São Paulo, Brasil.

Priscila Laczynski de Souza Miguel a, b a Professora na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas - FGV EAESP. b Coordenadora do CELOG Centro de Excelência e Logística e Supply Chain ambos da EAESP - FGV, São Paulo, Brasil.

 

A Economia Circular (EC) está na moda, sobretudo depois que a União Europeia definiu um pacote estratégico com horizonte para 2050, onde o modelo econômico circular é a base. A EC, centrada em restauração e regeneração dos ecossistemas, tem sido apontada como um sistema passível de promover o desenvolvimento dos negócios e de responder às demandas não completa ou suficientemente endereçadas pelas práticas de sustentabilidade e pelo modelo de produção atual.

Este modelo linear baseia-se no processo de extração de recursos, transformação desses em produtos/bens que após consumidos são descartados. Este sistema foi importante e responsável pelo crescimento e desenvolvimento socioeconômico, mas precisa ser repensado. O aumento da população mundial, pautada por um modelo econômico e social voltado para o hiper consumo, demanda um constante aumento no uso de recursos naturais processados, inviabilizando que a conta feche. Há limites impostos pelo meio ambiente! Agrega-se a isso que, para manter esse modelo aquecido, passou-se a privilegiar a rápida substituição de produtos, a chamada obsolescência programada. Ainda que seja possível identificar a integração de atributos de sustentabilidade nesse modelo econômico, ele tem se mostrado diuturnamente insuficiente para responder aos desafios atuais. O relatório do World Economic Fórum permite identificar o tamanho da ineficiência deste modelo: apenas 9% das 92,8 bilhões de toneladas dos recursos extraídos e processados na economia global são reutilizados anualmente.

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O Brasil começa também a surfar nessa onda. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou recentemente pesquisa realizada com empresas no Brasil sobre o tema. A sinalização está clara! A EC está na agenda das grandes corporações nacionais e também na pauta de reuniões setoriais. O foco: como aplicar a EC nos respectivos negócios. No mesmo sentido, caminham as instituições de ensino e pesquisa, que passaram a fomentar a pesquisa e o debate entre professores e líderes de mercado, visando identificar práticas e solidificar este conceito. No entanto, a EC no Brasil ainda não é uma realidade no ambiente regulatório. O que temos é uma legislação de 2010, que trabalha a gestão dos resíduos sólidos numa lógica linear, o que pode reduzir o apetite das organizações em aderir a um modelo circular de produção.

Há necessidade de cautela para que a EC não seja apenas só mais um "modismo". Se, por um lado, há o aspecto positivo em difundir o tema e chamar a atenção para pontos que até o momento não estavam sendo discutidos, por outro há um grande risco de minimização do que precisa ser efetivamente endereçado. E pior, por vezes, há uma certa banalização do termo. Numa tentativa de simplificar conceitos, ou mesmo como forma de parecer ser uma entidade em linha com as tendências mundiais, organizações, consultores e profissionais têm afirmado que quem pratica a reciclagem já adota a economia circular, quando na verdade, esta ação é a menos desejada dentre os fluxos circulares.

O princípio da EC é reduzir a extração de recursos na origem, ao mesmo tempo que minimiza a quantidade de resíduos que não podem ser reaproveitados. A ideia é que, uma vez extraído um recurso, esse deve ser utilizado ao máximo, pelo maior tempo possível. Sempre que permitido, um resíduo deve ser usado como recurso novamente, evitando assim novas extrações e desperdícios.

Mais do que enfatizar fluxos de materiais, a EC promove todo o repensar de uso do bem e dos processos produtivos, não de forma isolada, mas sim em cadeia, tendo como premissa a regeneração de produtos com origem biológica, ou a restauração, para os produtos processados no chamado ciclo técnico. Desta forma, estende-se a vida útil dos materiais e dos produtos para múltiplos usos, possibilitando a geração de receitas daquilo que antes era visto como rejeito, ficando preservados todos os demais recursos empregados nos processos dos produtos (água, energia, tempo, materiais). O produto precisa ser usado em sua plenitude, não de forma parcial. Um automóvel foi projetado e construído para rodar, não para ficar estacionado em uma garagem. No modelo circular, o produto não precisa ser usado somente por um usuário, mas deve ser compartilhado.

Adotar a EC significa olhar para o design, a artéria central de toda a sua estrutura. O design deve considerar o recurso mais indicado para conceber produtos e serviços: otimizando o uso de matérias-primas renováveis, não tóxicas e que incorporem materiais recuperados. Deve pensar itens duráveis, permitindo um maior ciclo de vida e recuperáveis, tanto do ponto de vista de reparação como recuperação para remanufatura. Adicionalmente, o design tem que readaptar processos, rever relacionamentos com fornecedores e distribuidores, pensar em reduzir distâncias e compartilhar infraestruturas, materiais, energias. A chave da EC reside exatamente no design bem planejado do produto ou serviço. O ideal é manter um ciclo fechado, onde recursos utilizados no processo sejam passíveis de circular infinitamente, no mesmo fluxo, sem ser necessário recorrer a novas extrações.

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Em caso de necessidade de manutenção, o próprio consumidor deve poder recuperá-lo, evitando-se assim o custo adicional com uso de novos recursos, como transporte, energia, tempo. Somente quando isto não for possível, ele deve acionar um prestador de serviço para assistência. Quando o produto não for mais de interesse, o consumidor pode retornar o item ao fabricante, mediante logística reversa. Este, então, procederá à sua remanufatura e posterior reintrodução do produto no mercado, possibilitando mais um ciclo de uso do produto.

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Por fim, só depois de atendidas todas as possibilidades dos fluxos anteriores, quando não há mais alternativas para reutilização total ou parcial desse produto, este deve seguir para a reciclagem, baseados em materiais preferencialmente de origem natural (biomateriais). A reciclagem tem um caráter diferente da praticada no modelo linear. A adoção da reciclagem no sistema linear é a tentativa de dar uma solução ao final do processo, ao passo que nos fluxos circulares, a mesma foi programada desde a concepção do projeto, depois de trabalhados e esgotados os fluxos de materiais em níveis anteriores.

A temática da circularidade tem despertado interesse de múltiplos agentes como estudiosos, governantes, gestores em diferentes níveis hierárquicos e sociais. É essencial conscientizar o consumidor sobre a nova proposta para um modelo econômico circular, bem como ter um ambiente regulatório e financeiro propícios para acolher esse novo cenário de desenvolvimento, que demandará investimento em capacitação da mão de obra, resgate e valorização de práticas de reparação que se perderam com a introdução da obsolescência programada. A necessidade e oportunidade para investir num novo modelo de desenvolvimento está dada. Resta saber como será aplicada.

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