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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Do que vivem as ONGs no Brasil? E como vão sobreviver à crise atual?

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Por Redação
Atualização:

Fernando Nogueira, Professor da FGV-EAESP, pesquisador do CEAPG e presidente do conselho do Instituto Doar

 

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Tempos de crise colocam organizações à prova, em especial em suas fontes de sustento financeiro. O setor público vê a arrecadação de impostos cair, assim como as empresas registram quedas nas vendas. Não há dúvida de que as ONGs também enfrentam desafios similares. Mas como vivem, normalmente, as organizações sem fins lucrativos? E quais são os desafios que esse modelo enfrenta em contextos de crises inéditos, como causada pela pandemia do Covid-19? Neste artigo, busco contextualizar a realidade vivida pelas ONGs e levantar questões a partir de dados do Prêmio Melhores ONGs do Brasil, que traz um retrato das organizações que se destacam anualmente em gestão e transparência (melhores.org.br).

Como se sustentam as ONGs? Há muitas impressões e hipóteses para responder essa pergunta. Há quem pense que elas vivem de recursos públicos, o que até causa estranheza se pensarmos no nome mais popular para essas entidades, o de organização não-governamental. Há também quem acredite que elas vivem de doações das empresas, o que é uma impressão compreensível, dado que, nesse caso, eles podem alcançar montantes vultosos, na casa de centenas de milhares ou até alguns milhões de reais. Finalmente, é comum associar essas organizações ao recebimento de doações de pessoas físicas, sejam provenientes de pequenos valores de muita gente ou mesmo de grande doações de um pequeno número de filantropos.

Há outras fontes. Um estudo feito pelo CEAPG em 2013 analisou de forma mais ampla a questão da sustentabilidade das organizações da sociedade civil, buscando caracterizar uma arquitetura institucional de apoio às ONGs (https://ceapg.fgv.br/sites/ceapg.fgv.br/files/u26/livro_articulacaod3.pdf). Além das fontes citadas acima, destacaram-se os fundos provenientes de cooperação internacional (infelizmente em queda nos últimos anos) e de potenciais novos formatos, como fundos independentes voltados à  justiça social (com potencial de crescimento, mas partindo de uma base muito pequena).

É preciso reconhecer que nosso retrato, ainda hoje, é excessivamente impressionista. Parece um quebra-cabeça com muitas peças faltantes, e as existentes nem sempre se encaixam entre si. Precisamos de mais e melhores dados no setor, atualizados regularmente. Os estudos que mais avançaram em anos recentes são sobre doações de pessoas físicas (que mostram que elas chegam a cerca de R$ 14 bilhões ao ano), de empresas (que variam de R$ 3 a 14 bilhões ao ano, dependendo de qual amostra e estimativa é usada) e do setor público, ainda que limitado basicamente aos dados do governo federal (que varia de R$ 4 a 9 bilhões anuais nas últimas duas décadas). Nos faltam, sobretudo, estudos recentes que mostrem como as organizações brasileiras captam recursos e financiam seus programas e projetos.

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Considerando esse contexto, é interessante analisar o que revelam os dados do Prêmio Melhores ONGs do Brasil, realizado desde 2017 pelo Instituto Doar, e que conta com a participação de pesquisadores do CEAPG. Em 2019, participaram 757 ONGs de todos os estados brasileiros, de onde foram selecionadas e premiadas as 100 melhores ONGs do Brasil no ano.

Só esse grupo de 100 organizações captou em um ano mais de R$ 4,4 bilhões. Em valores absolutos, as principais fontes são: governo (24%), empresas e fundações corporativas (22%), indivíduos (18%), venda de produtos ou serviços (11%), fontes internacionais (9%) e outros (16%). Se olhamos para as fontes mais mobilizadas, indivíduos e empresas se destacam: nove de cada dez ONGs premiadas captam doações de pessoas físicas e de corporações. As 100 melhores recebem apoio regular de quase 850 mil brasileiros e 12 mil empresas. Esse alto número precisa, porém, de um alerta: há poucas ONGs que conseguem engajar dezenas ou centenas de milhares de pessoas. Uma organização típica, mesmo entre as 100 melhores, recebe apoio de, em média, 200 doadores regulares. Ainda é pouco se comparado a referências internacionais; há muito espaço para melhorar.

Alguns aprendizados resultam dessa discussão. É fundamental buscar uma grande diversidade de fontes e estratégias de sustentação, situação alcançada por quase 80% do grupo - índice expressivo para o setor. Entre as 100, apenas 1 em cada 5 das organizações depende excessivamente de uma única fonte (por ex., 60% ou mais captados de empresas ou governo). Isso é fundamental, já que momentos de crise tendem a ser muito mais preocupantes para aquelas que estão em situações de dependência do que para as que têm uma base mais diversas de apoiadores.

Além disso, as 100 melhores ONGs têm, em relação às outras que se inscreveram no prêmio, áreas de captação de recursos mais estruturadas, elaboram mais planos de captação de recursos (e são mais consistentes) e conseguem destinar mais recursos para a missão da organização (gastando menos em custos operacionais). Elas também apresentam maior investimento em desenvolvimento da equipe, inovações em sua atuação social ou de cunho organizacional.

Não é possível saber ainda a força com que a atual pandemia vai afetar a saúde do setor como um todo ou mesmo das 100 melhores. Há evidências preocupantes, mas também notícias inspiradoras de campanhas e mobilizações lideradas por essas organizações. ONGs costumam ser resilientes por natureza, o que é explicado pela curiosa combinação de dois fatores. De um lado, há uma falta crônica de recursos, já que os problemas que essas organizações querem resolver tendem a ser bem maiores do que o que se consegue mobilizar em recursos financeiros e voluntários. Mas, de outro, essa dimensão utópica tende a despertar a criatividade na captação e no uso de tais recursos; quanto maior o desafio, maior tende a ser a paixão voluntária que ele desperta.

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Basta lembrar do empenho redobrado com que voluntários têm organizado campanhas de combate ao Covid-19, ativistas têm fiscalizado ações dos governos e lideranças sociais têm feito a mediação de governos, empresas e mídias com suas comunidades. Esse empenho é aquele que dinheiro nenhum consegue comprar, e sustenta o trabalho das organizações da sociedade civil nos momentos mais difíceis. A boa gestão, ilustrada pelo exemplo das 100 Melhores ONGs do país, é que a consegue criar uma estrutura sólida e diversa de apoio e legitimidade social, motivando e alimentando esse empenho e dando condições para que sua atuação seja ainda mais efetiva.

 

Este texto faz parte de uma série de artigos escritos por pesquisadores do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAPG) da FGV EAESP - https://ceapg.fgv.br

 

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