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 Desinformação e eleições: o que vem por aí?

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Por Redação
Atualização:

Cristiane Sinimbu Sanchez, Doutoranda em Comunicação (UFPR). Mestra em Ciência, Gestão e Tecnologia da Informação (UFPR). Pesquisadora associada ao Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Democracia Digital (COMPADD)*

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Às vésperas de iniciar - oficialmente - a corrida eleitoral em 2022, perguntamo-nos: é possível que a estratégia de desinformação e a massiva circulação de fake news figure novamente como estratégia de campanha nesse próximo pleito?

Primeiro, é preciso definir o que estamos chamando de desinformação, visto que se trata de um processo complexo. Nesse sentido, podemos dizer que a desinformação se dá a partir do consumo de peças deliberadamente produzidas e compartilhadas com o intuito de enganar ou dissimular a verdade a partir de fatos inventados e/ou tirados de seus contextos originais, tendo as fake news como peças mais frequentemente acionadas por quem tem interesse em desinformar. Dito de outra forma, quando uma pessoa consome fake news como se verdade fosse, por exemplo, ela está sendo desinformada sobre um fato que foi inventado ou adulterado, um recorte de realidade produzido por alguém que tem o interesse em enganar.

A partir dessa definição, torna-se evidente que a desinformação da sociedade gera impactos significativos na democracia. Partindo-se do pressuposto de que pessoas tomam decisões com base nas informações que elas recebem cotidianamente, e que essas mesmas pessoas recebem informações falsas, então, muito provavelmente, isso terá impacto direto em suas decisões de voto, por exemplo.

Quando campanhas são mobilizadas em torno de compartilhamento de peças enganosas sobre indivíduos, acontecimentos e fatos inventados, cria-se uma realidade paralela que interfere nas deliberações e conversações públicas, típicas de regimes democráticos.Dessa maneira, o maior desafio em uma democracia é tornar as pessoas competentes no uso de informações para habilitá-las a tomar decisões suficientemente informadas e baseadas na realidade em que convivem.

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem se preocupado com a problemática da desinformação durante as eleições, iniciando, durante a gestão do Ministro Luís Roberto Barroso, um programa de combate à desinformação, que inclui parcerias com plataformas digitais e agências de checagem, a criação de um comitê estratégico de enfrentamento à desinformação, treinamento dos servidores, campanhas nas redes da instituição, dentre outros. O TSE acerta ao focar em capacitação para acesso, processamento e uso de informações, pois tais medidas buscam tornar as pessoas competentes no uso de informações. Isso significa dizer que as pessoas deveriam ser capazes de acessar uma informação, checar a fonte, avaliar e validar os conteúdos expressos, processá-la a partir de suas experiências prévias e, só então, utilizar tais informações, seja para tomar uma decisão ou mesmo para compartilhar com sua rede.

Obviamente, também temos que levar em consideração que as pessoas consomem e compartilham notícias falsas por vontade própria, seja porque aquele conteúdo representa um conjunto de suas crenças prévias, ou porque aquele conteúdo faz parte de uma campanha negativa contra seus opositores, reforçando suas vontades, entre outros motivos. Porém, esse também é um aspecto que poderia ser encarado a partir de medidas e iniciativas para o letramento informacional.

Portanto, ao considerar o tamanho do nosso país, a desigualdade social, o analfabetismo digital, o desinteresse pela política institucional e tantas outras variáveis que impedem a competência informacional, pondero que as iniciativas do TSE deveriam ser adotadas por todo o aparato do Estado, visto que uma única instituição, voltada para um fim específico - as eleições no Brasil - não é capaz de dar conta de enfrentar a problemática da desinformação no país.

O que virá pelo Telegram, pelo "zap" e pelos robôs?

Vivenciamos um cenário de pouca previsibilidade sobre como combater práticas não cívicas nas plataformas digitais ao longo dos períodos de campanhas eleitorais. Recentemente, o Telegram fechou um acordo com autoridades do Estados Unidos, o que indica que, ao menos por lá, haverá mais mecanismos para melhorar o processo eleitoral como um todo, tornando-o mais seguro.

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É claro que a solução não passa por banir o Telegram do Brasil, visto que isso seria uma medida autoritária e demasiadamente exagerada de se lidar com o problema, vez que outras plataformas digitais também apresentam práticas não cívicas no seu cotidiano, como a desinformação e o discurso de ódio -- muitas delas, inclusive, com processos de verificação e punição demasiadamente demorados, o que funciona como um facilitador de tais práticas. Nesse sentido, considero que a solução perpassa pela continuidade das conversas em nome da colaboração entre plataformas e instituições, mais notadamente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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Devido às suas características mais ampliadas em relação ao WhatsApp, principalmente no que diz respeito ao envio de mensagens em massa, o Telegram acabou se tornando uma rede vital para a comunicação de grupos políticos, incluindo o bolsonarismo, que, a meu ver, está sabendo se mobilizar melhor em torno dessa plataforma. Se compararmos a mobilização no Telegram ao redor de grupos oficiais de alguns presidenciáveis, veremos, na prática, a força da mobilização bolsonarista: Jair Bolsonaro tem mais de 1 milhão de seguidores em seu canal oficial, ao passo que Lula, segundo mais popular na rede, tem menos de 50 mil. Ciro Gomes está em terceiro com 19 mil inscritos em seu canal.

O Telegram tem papel importante para o enfrentamento às fake news que podem ser veiculadas por qualquer pessoa, independente de corrente político-ideológica a qual ela esteja eventualmente alinhada. Acredito que, agora, a discussão precisa passar cada vez mais pelo viés técnico, já que o Telegram, devido às características de privacidade, enfrenta outras problemáticas para além da desinformação política, como os grupos de tráfico de drogas, armas e notas falsas que encontram, nesta plataforma, um terreno fértil para a continuidade de suas práticas criminosas.

Além disso, temos a problemática da utilização de bots para massificar conteúdo nas redes digitais. Algumas pesquisas já conseguiram rastrear a utilização de bots no compartilhamento e engajamento de conteúdos enganosos e campanhas de desinformação em mídias sociais. Os pesquisadores Bradshaw e Howard (2018), por exemplo, conduziram uma revisão sistemática de artigos sobre a atividade de tropas cibernéticas numa amostra de 48 países. Dentre outros resultados, foram encontradas evidências de campanhas de desinformação operando em aplicativos de bate-papo como WhatsApp, Telegram e WeChat em pelo menos um quinto destes países. Além disso, os autores encontraram evidências de contas falsas em 46 dos 48 países da amostra e, ainda, relatos de campanhas de trolling patrocinadas pelo Estado visando dissidentes políticos, membros da oposição ou jornalistas em 27 países.

Outras pesquisas também já avaliaram o impacto da utilização de bots, principalmente em contextos de campanhas eleitorais, e evidenciaram o uso nocivo destes robôs para propagação de conteúdo enganoso que pode alterar os rumos e decisões políticas (FILER; FREDHEIM, 2017; HOWARD; WOOLLEY; CALO, 2018; SANTANA; HUERTA CÁNEPA, 2019). Em solo brasileiro, um estudo conduzido pela Fundação Getúlio Vargas concluiu que contas automatizadas motivam até 20% de debates em apoio a políticos no Twitter (RUEDIGER, 2017).

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Neste sentido, se considerarmos que a conversação pública é um importante fator para democracia e que esta pode sofrer a interferência de robôs em níveis alarmantes, então é urgente a adoção de medidas para regulação e o aprimoramento das tecnologias para reconhecimento e banimento de robôs, vislumbrando o combate às campanhas de desinformação e propagação de fake news nas mídias sociais.

E o que vem por aí?

Ainda não temos pesquisas suficientes para dissertar sobre mudanças perceptíveis no sentido de barrar comportamentos nocivos em torno do compartilhamento de peças enganosas. O panorama das pesquisas brasileiras que acompanharam as eleições municipais, inclusive, ainda é desanimador, como é o caso da pesquisa conduzida pela Fundação Getúlio Vargas que, ao analisar corpus de 1.426.687 posts publicados no Facebook, YouTube e Twitter, conseguiram captar campanhas de desinformação no sentido de aumento da desconfiança no sistema eleitoral, sendo que o debate público nessas mídias girou em torno de uma possível fraude nas urnas e pela demanda do voto impresso (RUEDIGER; GRASSI, 2020).

As instituições de controle social, entre as quais destaco a imprensa, as organizações e movimentos sociais, além do próprio TSE, terão papel importante no enfrentamento à desinformação nessas eleições. Será necessário um trabalho intenso e conjunto para que o coletivo possa ser bem-informado e que, na disputa pela verdade que tomará as eleições daqui para frente, as(os) eleitoras(es) possam avaliar todos os aspectos relevantes para tomarem suas decisões.

Nesse sentido, considero que ainda temos um grande desafio a ser enfrentado, mas que ações e medidas têm sido tomadas e a academia brasileira está empenhada em analisar o objeto desinformação e buscar soluções para o problema. O maior desafio, portanto, será tornar as pessoas competentes no uso de informações para habilitá-las a tomar decisões suficientemente informadas e baseadas na realidade em que convivem.

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Referências

BRADSHAW, Samantha; HOWARD, Philip N. Challenging Truth and Trust: A Global Inventory of Organized Social Media Manipulation. Computational Propaganda Research Project, Oxford, n. 3, p. 26pp., 2018. Disponível em: http://comprop.oii.ox.ac.uk/wp-content/uploads/sites/93/2018/07/ct2018.pdf.

FILER, Tanya; FREDHEIM, Rolf. Popular with the Robots: Accusation and Automation in the Argentine Presidential Elections, 2015. International Journal of Politics, Culture and Society, Switzerland, v. 30, n. 3, p. 259-274, 2017. DOI: 10.1007/s10767-016-9233-7.

HOWARD, Philip N.; WOOLLEY, Samuel; CALO, Ryan. Algorithms, bots, and political communication in the US 2016 election: The challenge of automated political communication for election law and administration. Journal of Information Technology and Politics, London, v. 15, n. 2, p. 81-93, 2018. DOI: 10.1080/19331681.2018.1448735. Disponível em: https://doi.org/10.1080/19331681.2018.1448735.

RUEDIGER, Marco Aurélio (Coord.). Robôs, redes sociais e política no Brasil: estudo sobre interferências ilegítimas no debate público na web, riscos à democracia e processo eleitoral de 2018. Rio de Janeiro, RJ: FGV, DAPP, 2017.

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RUEDIGER, Marco Aurelio; GRASSI, Amaro (Coord.). O ecossistema digital nas eleições municipais de 2020 no Brasil: O buzz da desconfiança no sistema eleitoral no Facebook, YouTube e Twitter. Rio de Janeiro, RJ: FGV DAPP, 2020. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/30061.

SANTANA, Luis E.; HUERTA CÁNEPA, Gonzalo. ¿Son bots? Automatización en redes sociales durante las elecciones presidenciales de Chile. Cuadernos.info, Santiago, Chile, n. 44, p. 61-77, 2019. DOI: 10.7764/CDI.44.1629.

* Mais sobre a autora: Bibliotecária da UFPR (em licença para estudos). Presidenta do Conselho Regional de Biblioteconomia - 9ª Região. Tem interesse em pesquisas sobre Democracia Digital; Deliberação Online; Participação Política; Desinformação; Misinformation e Fake News; Dados abertos; Governo Aberto e Ativismo.

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