Foto do(a) blog

Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Continuidades e desdobramentos da CPI da Pandemia

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

André Luis Carneiro Buna, Mestre em Ciência Política (UFPA), Pesquisador do grupo Instituições Políticas: Processo Legislativo e Controle

PUBLICIDADE

Bruno de Castro Rubiatti, Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA), Coordenador do grupo Instituições Políticas: Processo Legislativo e Controle

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia no Senado vai chegando ao fim. Na última quarta-feira, 20 de outubro, o Senador Omar Aziz (PSD-AM) abriu a penúltima reunião da CPI que, certamente, entrar para história do Congresso Nacional. Nesta reunião, o relator Renan Calheiros (MDB-AL), apresentou e leu o relatório final desta comissão especial, contudo não sem antes promover o "vazamento" do relatório para obtenção do framing e impacto de alguns pontos conflitantes.

Essa CPI se encaminha para ser uma das mais curtas da história do Senado pós redemocratização. Curta, porém impactante para a sociedade, pois sem a pressão imposta pela minoria atuante no ambiente da CPI e a pressão social promovida pelo impacto midiático que só as CPIs possuem, a vacinação em massa no Brasil poderia ter sido um fiasco.

A alta aceitação popular da CPI (66% creem que a CPI é muito importante para o país[i]) é fato importante frente ao processo de encolhimento da confiança nas instituições democráticas nos últimos anos, atribuindo a esta CPI uma importância ainda maior. A CPI, apesar dos pesares, atuou sob olhar atento de uma população esperançosa em bons resultados, mediante a notícias diárias de desalento.

Publicidade

Mas, é neste ambiente, de apoio e confiança nos trabalhos da CPI, que o temor popular vem à tona. Da euforia e elevada confiança, ao retorno da descrença, impunidade e "pizza".

No entanto, o simples fato de a CPI da Pandemia ser instalada no Senado e vir a ser conduzida em atividade intensa pelos seus integrantes, por si só, já é um feito a ser considerado. A grande maioria dos requerimentos de CPIs protocolados no Senado sequer resultam em instalação da Comissão, e, quando iniciadas, lutam para serem encerradas com produção de relatório final. Visto que nesta casa, de 1995 a 2015, somente 42% das CPIs requeridas no foram instaladas[ii].

Certamente, as limitações das CPIs, somada a peça que caracteriza o encerramento deste tipo de comissão, acabam a induzir a jocosa e famosa frase: "CPI sempre acaba em pizza". Contudo, a expressão recorrente nos telejornais, noticiários e rodas de conversas informais não fazem jus ao instrumento. Vide todos os efeitos já produzidos desde seu requerimento.

A má fama popular de que as CPIs sempre acabam em pizza é fruto do anseio punitivista que é muito comum na sociedade brasileira, ou seja, a ausência de punição após uma investigação, parlamentar ou não, rapidamente se transforma em algo invalido ou arranjado.

É importante lembrar que as CPIs correspondem a uma função precípua do Legislativo brasileiro, que para além de legislar, também deve atuar como fiscalizador e controlador do poder Executivo. Estas Comissões Especiais fazem parte de um complexo grupo de ferramentas de controle e, em que pese a CPI ser um dos meios mais eficazes de controle atribuídos ao Legislativo, ela possui limitações próprias vinculadas a este poder.

Publicidade

Não que as CPIs sejam eivadas de vícios que possam prejudicar o bom andamento e apuração do fato determinado, contudo, não se pode jogar a criança fora junto com a água da bacia, pois o próprio argumento punitivista não é sustentado mediante o avanço e o processo de institucionalização das CPIs no sistema político brasileiro. Já que não são raros os relatórios de CPIs que solicitam a casas legislativas a cassação de mandatos.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Em que pese uma CPI não poder cassar diretamente um parlamentar, ela pode subscrever o pedido à Mesa Diretora da Casa que solicita a Corregedoria Parlamentar os devido procedimentos e encaminhamento a Comissão de Ética. Nesta perspectiva, somente a CPI do Orçamento, criada na Câmara dos Deputados para apurar o escândalo apelidado de Os Anões do Orçamento, propôs a Casa a cassação de 18 parlamentares, resultando na cassação de 5 deputados no ano de 1994.

Também, foi uma CPI que levou a primeira cassação de um Senador no pós-1988: Luiz Estevão, à época Senador pelo PMDB-DF, foi cassado após recomendação da CPI do Judiciário. Esta mesma CPI também foi responsável pela investigação que levou a prisão do ex-Juiz Nicolau dos Santos Neto, apelidado de Lalau.

Assim, praticamente toda CPI finalizada[iii] produz relatórios que visam melhorar o sistema de controle. Proposições legislativas, sugestões de melhoria no sistema de controle e fiscalização dos órgãos assessores do Congresso e modificações nos regimentos das Casas Legislativas também são comuns.

São benefícios transversais ao eixo da apuração do fato determinado. Benefícios indiretos que fazem parte de um mundo visível à população em geral, contudo ajustam o sistema político e seu funcionamento.

Publicidade

Claro que nem sempre os anseios da população por uma punição mais severa dos investigados são levados a cabo. Este receio também vem sendo compartilhado por parte dos membros da CPI da Pandemia. O vice-presidente da CPI Randolfe Rodrigues (REDE-AP) manifestou preocupação quanto à possibilidade de arquivamento das denúncias. Este receio é uma constante, visto que o a função do controle investido nas CPIs é político, e pelo político pode ser descaracterizado.

Não obstante, caso as CPIs não atendam os desejos punitivistas, devemos salientar que no desenrolar destas Comissões surgem inovações legislativas. Ao longo de 20 anos (1995 a 2015), as CPIs no Senado geraram 60 Projetos de Leis (PLS), 5 Projetos de Resolução (PRS) e 1 Emenda Constitucional (EC).

A produção legislativa é resultado das oitivas, debates, audiências públicas e deliberações que sugerem o aperfeiçoamento das instituições. Neste sentido, a CPI da Pandemia não foge à regra.

Ao todo são 15 PLS e 1 Projeto de Lei complementar. Dentre estes estão proposições que visam o combate a fake News, reformas no sistema de gestão da saúde e legislação penal, e modificações no sistema de segurança social a fim de reduzir os riscos sociais de familiares e dependentes de vítimas da COVID-19, além das proposições legislativas constituídas por esta CPI, que também recomendam, de modo geral, melhorias à administração pública.

A CPI da pandemia questionou as técnicas de imunidade de rebanho e o tratamento precoce, comprovadamente ineficaz. Desarticulou aquilo que se convencionou chamar de gabinete paralelo de assessoria à Presidência da República. Pressionou no sentido de agilizar a compra dos imunizantes, questionando o atraso na aquisição das vacinas.

Publicidade

Trouxe ao conhecimento da população o mercado secundário de compra de vacina, o caso Covaxin. Além de expor o caso dos experimentos em hospitais da rede Prevent Senior, com mudanças de prontuários médicos, adulteração de dados de óbitos, assim como participação em experimentos sem anuência previa do paciente ou familiares.

Assim, terça-feira, 26 de outubro, a CPI da pandemia voltará a se reunir para votar pela aprovação ou não do relatório final. No seu tempo de atividade, a CPI funcionou como instrumento de pressão e controle. Obrigou o Poder Executivo a apresentar propostas concretas ao combate da pandemia. Apesar da insistente fala negacionista e antivacina do chefe deste Poder, o Ministério da Saúde foi compelido a agir.

Por tudo que já produziu até aqui, a CPI da pandemia já não tem mais como acabar em pizza. O controle político investido na CPI tem por sua característica muito própria, a produção de resultados desde a sua instalação ou no seu curso.

Os resultados mais robustos e de caráter punitivo, desejado pela população, podem não sair. A pressão por impeachment do chefe do Executivo pode ser estéril. O indiciamento das 66 pessoas pode ser lento, o que tente a reforçar a ideia de que nada acontece mesmo.

Cabe lembrar que, votado o relatório da CPI, ele será encaminhado para outros órgãos, como o Ministério Público, que terá a responsabilidade de dar prosseguimento as investigações ou denunciar os suspeitos. Nos casos que envolvem o presidente da República, a Procuradoria-Geral da República ficará a cargo das denúncias, sendo necessária a aprovação da Câmara dos Deputados para a abertura de processo contra o chefe do Executivo.

Publicidade

Outras indicações da CPI serão enviadas aos órgãos competentes: Ministério da Saúde, Tribunal de Contas da União, Conselho Federal de Medicina entre outros. Dessa forma, finalizada a CPI, os trabalhos de investigação, apuração e possíveis punições passam para outros órgãos, que passarão a ser responsáveis pela continuidade dos trabalhos e que, possivelmente, receberão a atenção e cobrança da opinião pública.    

De certo que a CPI da pandemia continuará a produzir ruído e terá a sua eficácia testada. Os noticiários continuarão a falar dos seus desdobramentos por um bom tempo, até que os efeitos do fato determinado investigado por esta comissão especial tenham sua solução. A pressão por resultados práticos e de conhecimento amplo, para além das pressões e controle político, continuarão a reverberar nos poderes Legislativo e Judiciário.

Notas

[i] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/07/19/datasenado-73-dos-brasileiros-conhecem-a-cpi-da-pandemia

[ii] Buna, A. AS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO E O CONTROLE POLÍTICO NO SENADO (1995-2015). Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPA. Orientação Dr. Bruno de Castro Rubiatti. http://ppgcp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/dissertacoes/2018/DISSERTA%C3%87%C3%83O%20-%20BUNA%20impressao%20final.pdf

Publicidade

[iii] Na visão de Figueiredo as CPIs são consideradas finalizadas quando produzem relatório final votado.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.