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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Ceará: alta de casos e politização radical da pandemia*

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Por Redação
Atualização:

Emanuel Freitas, Doutor em Sociologia e Professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

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Monalisa Torres, Doutora em Sociologia e Professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

A alguns dias de completar um ano do primeiro caso de Covid-19 confirmado, a ser registrado no próximo dia 15 de março, o Ceará (re)vive momentos de preocupação com a alta do número de casos e de falta de leitos de UTI. A preocupação, desta vez, atinge não somente Fortaleza, mas tem levado outras cidades a adotar medidas de restrição de circulação e limites às atividades econômicas não-essenciais.

O resultado das aglomerações registradas durante as campanhas eleitorais (novembro), assim como das comemorações de final de ano (estabelecendo limite de 15 pessoas) e das inúmeras festas clandestinas, cobraria seu preço. O alerta veio do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, que insistira na adoção de um novo período de lockdown, necessário para poupar vidas e não sobrecarregar o sistema de saúde. No entanto, a resistência de Camilo Santana (PT) devia-se, em certa medida, à promessa de que não adotaria medidas restritivas, tentando frear uma expectativa que havia sido mobilizada pela oposição durante os meses da campanha eleitoral.

A realidade se imporia.

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Dos 184 municípios cearenses, 179 encontram-se em nível "alto" e "altíssimo" de contágio; ou seja, quase a totalidade do Estado. Isso fez com que a Secretaria de Saúde do Ceará (SESA) orientasse os prefeitos a adotar uma série de medidas restritivas quanto à circulação de pessoas, rastreamento de infectados confirmados, instalação de barreiras sanitárias, dentre outras, destacando a necessária fiscalização do cumprimento dos decretos publicados. Mesmo assim, apenas três cidades cearenses adotaram lockdown: Santa Quitéria, Meruoca e Mombaça. Nenhuma delas está entre as cinco maiores do Estado (Fortaleza, Maracanaú, Caucaia, Sobral e Juazeiro do Norte), que acumulam, juntas, quase 60% dos casos confirmados, o que tem causado um colapso no sistema de saúde tanto local quando estadual, uma vez que, sendo grandes cidades, acabam por receber pacientes da circunvizinhança.

Figura 1 - Mapa de contágio (Ceará)

 Foto: Estadão

Fonte: SESA/IntegraSUS

Pela primeira vez, desde o início da pandemia, o governador Camilo Santana (PT) viu-se obrigado a decretar toque de recolher, que começou no dia 17 de fevereiro (a partir das 22hs) e seria renovado, com ainda mais rigor (a partir das 20hs), no dia 25, estendendo-se até o próximo dia 07, com grandes chances de renovação, dado o quadro que assola a rede de saúde. Além disso, fechamento de espaços públicos, redução do horário de funcionamento de serviços não-essenciais (incluindo academias e templos) e a suspensão de aulas presenciais nos setores em que estas já estavam autorizadas.

Tudo isso porque, entre 01 de janeiro e 15 de fevereiro, o número de casos saltou de 336 mil para 396 mil, enquanto o de óbitos aumentou em quase mil no mesmo período. O Ceará acumula 428.314 casos e 11.333 mortes por Covid. A taxa de letalidade é de 2,64% (dados de 02 de março).

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Comparado ao pico da pandemia, o atendimento médio nas UPAs bateu recorde, aumentando em 2 mil pacientes diariamente. Hoje, uma média de 8 mil pessoas procuram UPAs com sintomas de Covid19. Mesmo com abertura de novos leitos, que ultrapassam os 3 mil em funcionamento (destes, 824 são de UTIs), a ocupação de UTIs e enfermarias é de 90,52% e 73,51%, respectivamente (dados de 02 de março).

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Junte-se a isso o fato de que, em janeiro, o número de casos confirmados de crianças chegou a 77, somente em Fortaleza, com uma taxa de ocupação de leitos de UTI pediátrica na ordem de 82%. O que indicaria a circulação da nova cepa no Ceará. A confirmação de 17 casos da nova cepa e a investigação de outros 190 levou a SESA ao entendimento de que o Estado já sofre com a transmissão comunitária da nova cepa do vírus.

Em janeiro, o governador havia cancelado as festividades de Carnaval, retirando a possibilidade de ponto facultativo para que a festa passasse sem comemoração e fosse registrada como um dia normal. Prefeitos de cidades que contam com a realização da festa, como Aracati, seguiram o governador. Barreiras policiais foram instaladas no período da festa, mas, mesmo assim, registraram-se várias aglomerações durante o período.

Em fevereiro, a Assembleia Legislativa aprovou a renovação do decreto de calamidade pública no Estado, permitindo ao governo maior celeridade com gastos que dizem respeito ao combate à pandemia. Parlamentares da oposição, contudo, registraram e compartilharam o voto em contrário, por julgar que dificultaria a fiscalização do erário. Estranhamente, cidades governadas pela oposição, como Maracanaú, fizeram o mesmo pedido à Casa.

Figura 2 - Deputado estadual André Fernandes (Republicanos) participa da manifestação #aculpanãoénossa[i]

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 Foto: Estadão

Fonte: perfil de André Fernandes (Republicanos) no Instagram

Por todos os lados a situação está complicada. No plano da saúde pública, hospitais, UPA´s, postos de saúde superlotados; no plano da economia, resistência de setores que se veem prejudicados pelas diversas medidas de isolamento social e de restrição de atividades, com destaque para bares, restaurantes, entretenimento, escolas privadas, comércio de rua (nesta seara, viu-se em Fortaleza realização de manifestações contrárias às medidas governamentais, capitaneadas por parlamentares de oposição que, com o resultado apertado da disputa em Fortaleza, viram-se com oportunidade de centrar críticas ao governador); no plano social, da opinião pública "vulgar", por assim dizer, a sensação é de cansaço com as medidas, com a realidade da pandemia e com a possibilidade do contágio.

Figura 3 - Postagem do deputado federal Capitão Wagner (PROS) contra a restrição das atividades econômicas

 Foto: Estadão

Fonte: perfil de Capitão Wagner (PROS) no Instagram

Em resposta, Camilo Santana lançou um pacote de auxílio ao setor de eventos e deverá anunciar, em março, medidas de socorro ao setor de serviços.

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No momento em que o Ceará chega a triste marca de mais de 11 mil mortes por Covid19 e que o aumento de casos pressiona o sistema de saúde, a passagem do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pelo Estado, comemorada por políticos com ele identificados, soou como um acinte ao momento enfrentado pelo país, em geral, e pelo Ceará, em particular. Classificada como "um grande equívoco" por Santana, a visita deu mostras da politização da negação da gravidade do quadro pandêmico.

Figura 4 - Postagem de Camilo Santana (PT) em relação à visita de Bolsonaro ao Ceará

 Foto: Estadão

Fonte: perfil oficial de Camilo Santana (PT) no Instagram.

Passeando em carro aberto, sem utilizar máscaras (o que também se viu em sua comitiva), o presidente desrespeitou todas as medidas de distanciamento social e insuflou a população contra o governador. Em discurso a dezenas de apoiadores em Tianguá, afirmou  que "o povo não quer mais ficar dentro de casa, o povo quer trabalhar, esses que fecham tudo e destroem empregos, estão na contramão daquilo que seu povo quer". Ao lado do presidente, os deputados federais Capitão Wagner (PROS), candidato derrotado nas eleições municipais de Fortaleza, e Dr. Jaziel (PL), além de Domingos Neto (PSD) e AJ Albuquerque (PP) compuseram a comitiva. O deputado estadual André Fernandes (Republicanos) também esteve presente. Todos estes, cumpre destacar, têm sido críticos das diversas medidas adotadas pelo governador desde o início da pandemia, alinhando-se estreitamente às orientações presidenciais, juntando-se às mobilizações de setores contrários às medidas, como os bares e restaurantes e as escolas privadas.

Figura 5 - Comitiva de deputados cearenses que acompanharam Bolsonaro na visita ao Ceará

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 Foto: Estadão

Fonte: perfil oficial do deputado federal Dr. Jaziel (PL) no Instagram.

No mesmo dia, e quase no mesmo horário, Camilo Santana inaugurava 20 novos leitos de UTI no Hospital Leonardo Da Vinci, exclusivo para o tratamento de pacientes com Covid. Sem a presença de público, o governador retrucou:  "continuamos ampliando nossa rede de assistência, devendo superar os 3 mil leitos de atendimento a Covid. (...) O momento é muito grave e exige de todos nós esforços e responsabilidade para superarmos essa crise".

As cenas de desrespeito ao distanciamento social provocadas pela passagem de Bolsonaro pelo Ceará fez com que o senador Tasso Jerissati (PSDB) cobrasse instalação da "CPI da Covid",  com o objetivo de apurar possíveis descasos do governo federal no combate à pandemia.

Figura 6 - Visita de Bolsonaro à Caucaia (Ceará)

 Foto: Estadão

Fonte: perfil oficial de André Fernandes (Republicanos) no Instagram

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Enquanto isso, a vacinação caminha a passos lentos. Até o momento, 286.854 pessoas receberam a primeira dose da vacina e 94.077, a segunda dose. Diante da demora na compra e envio de vacinas por parte do governo federal (Plano Nacional de Imunização), Camilo Santana mobiliza-se para, diretamente, adquirir novos lotes de vacinação, sobretudo  a compra do imunizante russo, Sputinik V, e faz coro à nota de governadores que questiona informações de envio de verbas federais aos Estados.

Figura 7 - Relatório de distribuição de imunizantes no Ceará

 Foto: Estadão

Fonte: SESA

* SANTANA, Luciana (org). V Série especial ABCP: Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil. Site Associação Brasileira de Ciência Política: 08 a 12 de fevereiro de 2021.

[i] Manifestação #aculpanãoénossa foi coordenada pelos representantes de segmentos econômicos contra as restrições às atividades não-essenciais e contou com apoio de políticos de oposição ao governo do Estado.

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