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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Bolsonaro tem pressa*

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Por Redação
Atualização:

José Antonio G. de Pinho, Professor Titular Aposentado - Escola de Administração - UFBA. Pesquisador FGV-- EAESP.

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Não resta a menor dúvida que Jair Bolsonaro não tem apreço nem pela democracia, nem pelas instituições democráticas. Isso já era patente ao longo de sua medíocre vida parlamentar e, igualmente, tem se confirmado no mandato presidencial. Mais do que isso, Bolsonaro não nasceu para a democracia, mas para viver à margem desta, dos ordenamentos jurídicos, nem mesmo respeitando a liturgia do cargo. A Presidência populista de Bolsonaro é um acidente de percurso da democracia brasileira. Na verdade, esse DNA já existia desde a vida militar, quando se posicionava contra a própria instituição que o albergava.

O populismo latino-americano não é fato recente. Avançou com mais intensidade na política a partir dos anos 1940 e 1950. Exemplos históricos como o de Getulio Vargas no Brasil, de Juan Domingo Perón na Argentina e de Lázaro Cárdenas del Río no México mostram que estamos acostumados a lidar com o populismo.

Um populismo guiado, por um lado, pelo forte sentimento nacionalista e salvacionista, baseado na figura de um "líder salvador" -- inconteste e maior que as instituições da nação. Por outro, pelo segregacionismo social alimentado pelo espantalho de um inimigo que precisa ser combatido, um inimigo imaginário, que ninguém sabe bem explicar qual é, mas que se personifica nas figuras dos adversários ao líder-salvador. O enredo não traz novidade, entretanto, é a primeira vez que lidamos diretamente com um populismo tão corrosivo e autoritário, com tanto desprezo e indiferença em relação à dignidade das camadas mais pobres da população, especialmente diante de uma catástrofe que já ceifou a vida de centenas de milhares de Brasileiros.

Uma síntese apertada da trajetória de Jair Messias Bolsonaro serve para indicar que, estabelecidas essas raízes, não há qualquer expectativa de que este cidadão venha a mudar de comportamento. Na verdade, Bolsonaro assume uma posição de provocar a destruição deste valor da vida comunitária. Este tem sido seu posicionamento praticamente desde o início de seu mandato. Em pleno Século XXI, isso pode ser um problema, pois não vivemos mais um contexto que outrora serviu aos caudilhos. A cartilha populista de Bolsonaro tem desagradado aliados e opositores -- e essa pode ser a chave para a sua contínua perda de popularidade.

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Para os liberais que o apoiaram, Bolsonaro está sendo uma decepção por não entregar o que prometeu e se autopromover a partir dos tímidos avanços de seu governo - que, em maioria, decorreram dos esforços de governos anteriores. Programas como o natimorto "Renda Brasil"[1] e o tão necessário Auxílio Emergencial durante a pandemia conseguiram atribuir uma sobrevida à popularidade do governo, mas lançaram uma cortina de insatisfação entre seus antigos correligionários, que até aqui não receberam todas as entregas desejadas, como as reformas que julgavam necessárias para o Brasil (especialmente no que tange o ajuste fiscal e o acerto de contas para conter o déficit público).

A governabilidade para ações futuras foi restringida pela CPI da COVID-19, e o que sobrou foi um apanhado de conquistas marginais cujos louros a Secom tenta desesperadamente converter em capital político. Diante desse cenário, um risco ainda maior se aproxima: a aprovação do Fundão Eleitoral de 5,7 bilhões aprovado pelo Congresso Nacional[2] (que se aproveita de uma figura presidencial fragilizada) lança uma sombra de desconfiança sobre a capacidade do Presidente de entregar a coerência e a honestidade que tanto prometeu ao afirmar que a classe política brasileira deveria ser menos privilegiada[3]. Ex-apoiadores reagiram negativamente à medida, por considerar a fatia do bolo exagerada diante de um país que não consegue entregar um mínimo de bem-estar à população em geral[4].

Bolsonaro tem feito uso de três táticas populistas para tentar garantir sua sobrevivência no cargo. A primeira é a constante inspiração do povo através da mobilização política, slogans e símbolos facilmente assimiláveis. Testemunhamos essas manifestações em motociatas e eventos nos quais Bolsonaro se exibe de forma vulgar, sem máscara, inflamando a população "contra todo o sistema". A segunda é a tentativa de mobilizar setores estratégicos da sociedade, como as igrejas, para propagar seus ideais de forma livre e inconteste. A terceira, e mais presente, é o discurso de revolta contra as instituições, que privilegia a imagem personalista do Presidente ante a legitimidade das instituições democráticas.

Sob o governo de Bolsonaro, não existe diálogo a respeito de ideias e projetos de nação, mas sim uma disputa entre Bolsonaro versus o STF. Ou versus o Parlamento. Ou versus a mídia. Todas as instituições se tornaram vilãs para a seita bolsonarista, e é desse discurso inflamado que ele tira suas forças.

O populismo de Bolsonaro pode ser percebido todos os dias pela manhã em seus diálogos com apoiadores na Portaria do Palácio do Planalto e durante suas lives. Sua "missão divina" e seu deturpado senso de masculinidade, paternidade e autoridade moral se colocam como fonte legítima de todo o poder simbólico que exerce sobre seu público. O missionário se tornou mais importante que a missão, e isso justifica todo totalitarismo e autoritarismo que venha a exercer. Suas imagens divulgadas em leito de convalescência foram associadas à própria figura de Jesus Cristo[5], o que lhe rendeu uma melhora nos níveis de rejeição[6].

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Claro, como todo aspirante a ditador, é importante acusar o outro do que você mesmo é. Fosse ele adepto da esquerda, já teria sido tirado do cargo de forma incontinente pelos vários atos praticados. Só que agora o tempo e as condições, subjetivas e objetivas, atuam contra ele. A contagem regressiva para as próximas eleições já começou e a morfologia política não se mostra nada favorável ao capitão reformado pelo Exército. Com este CV acima exposto, deverá tentar realizar o seu projeto, um autogolpe, o mais breve possível. Isto porque sua posição ficará mais ameaçada à medida que o tempo passa, ficando difícil granjear apoios para seus intentos golpistas.

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Um golpe sem projeto, sem proposta, sem filosofia. Um golpe para realizar seus delírios doentios, para blindar os filhos, para saciar a fome de poder e para dar livre acesso aos recursos públicos desejados pela burocracia militar que o apoia. A tendência de uma volta à normalidade com a aceleração da vacinação será contraposta à política negacionista do motociático. O crescimento econômico não conseguirá em pouco mais de um ano recuperar o prejuízo, muito menos, convencer os 14 milhões de desempregados que terão que acreditar muito no "mito" para votar nele, a não ser que as oposições sejam muito incompetentes.

Cabe lembrar, todavia, que os golpes autocráticos contemporâneos não seguem o modelo clássico de tanques nas ruas, fechamento das instituições, intervenção na mídia, mas percorre caminhos mais insidiosos de controle das instituições. O golpe que o ex-capitão quer dar (se tiver algum planejamento estratégico para tal) tem obtido certo êxito, pois tem focado em ações de controle de instituições, principalmente na área ambiental, com a aberração recém anunciada da descaracterização do INPE, entre outras. A sustentação maior tem sido no controle da PGR e da PF. Ao lado disso, empreendeu um ensaio de venezuelização às avessas ao abrigar uma tropa de militares de alta patente dentro das estruturas do Executivo.

Todos esses passos dados objetivam ter sustentação institucional e militar para o dia D do autogolpe. And last but not least, conta ainda o Presidente com o Centrão. Se nos casos anteriores a intervenção tenha sido pontual, ainda que com estragos irreparáveis, no caso dos militares e do Centrão a ação é mais no volume. No caso dos militares, para irem junto com o Jair na investida golpista; no caso do Centrão para ter os votos necessários para evitar o impeachment que pode estar vindo nas asas da já referida CPI da COVID-19.

Nesses dois casos, estamos trafegando em um terreno pantanoso, não só pelas sinecuras presentes, regurgitando ilícitos, mas também pela dificuldade de contratar e contar com atores que fazem cálculos baseados em suas próprias racionalidades, que o ex-capitão parece julgar que entende e que confia. Mais especificamente, estamos dizendo que os militares certamente avaliarão se vale a pena acompanhar o oficial de patente intermediária nesse impulso golpista. Quanto ao Centrão, esse também age de acordo com um certo esquema de segredo e de permanente avaliação de custo-benefício. Recentemente perguntado sobre encaminhar um pedido de impeachment, o presidente da Câmara (e de "honra" do Centrão), deputado Arthur Lira, disse que não havia materialidade, "por enquanto, não".

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Não haverá materialidade enquanto deputados federais tiverem recursos para espalharem outdoors em seus currais eleitorais para divulgar a aquisição de novos tratores ou de recursos públicos obtidos junto ao governo federal para dar continuidade a obras abandonadas. Se a materialidade se concretizar, o que será definido pela planilha de avaliação do futuro do governo Bolsonaro, Lira não hesitará em fazer cumprir a liturgia e acolher o pedido de impeachment, o que será mais de meio caminho andado para este acontecer.

A planilha de avaliação que o Centrão empunha não está constituída apenas de feelings das velhas raposas que tem assento no agrupamento, mas também nas informações vindas dos institutos de pesquisa. Se estes indicarem que o atual Presidente está trôpego e com dificuldades de emplacar seu nome no 2º turno, aposta bem segura de ser feita, o Centrão rompe unilateralmente o contrato com a parte contratante. Evidentemente, este processo todo pode ter outros catalisadores, como, afinal a participação dos figli em "tenebrosas transações", a revelação de forte corrupção na Saúde e de prevaricação do Presidente, que leve o Centrão a acelerar a decisão.

Não que este seja um repositório de seres imaculados, longe disso, mas fazem seus cálculos políticos com frieza, sine ira et studio, afinal de contas em 2022 tem eleições e a maioria desses políticos serão candidatos, ou seus filhos/as. Certamente neste quadro pintado de espessas nuvens, o próprio Presidente dará sua contribuição perdendo as estribeiras, ainda que não venha da Cavalaria, o que não é difícil de acontecer.

No Supremo Tribunal Federal, o clima está delicado. Após atacar sucessivas vezes o Ministro Luís Roberto Barroso, inclusive com ofensas e insultos[7], Bolsonaro recebeu uma mensagem clara do Ministro Luiz Fux de que este não deve se voltar contra os Poderes da República e que todos devem estar alinhados para a manutenção da harmonia[8]. É evidente que os membros da Suprema Corte estão incomodados pela mácula à reputação dos ministros que, de "guardiães da Constituição", têm sido retratados cada vez mais como "vilões que desejam sabotar a nação em prol de seus interesses próprios". A incitação à repulsa pelas instituições pode custar caro a Bolsonaro, que capenga diante de uma CPI no Congresso e de falta de um apoio popular substantivo.

Assim, voltando ao início, Bolsonaro tem pressa. Apesar de sua estultice, ele sabe que tem pouco tempo para perpetrar suas intenções golpistas. A fonte de seu populismo se esvai conforme seu nome é manchado por escândalos na compra das vacinas e pela generalizada sensação da sociedade de que nada melhorou no país. Seu núcleo rígido de aprovação tende a diminuir gradativamente para algo em torno de 20% - número que coloca em risco a sua chance de ir ao segundo turno nas eleições em 2022.

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O tempo e a piora das condições objetivas e subjetivas conspiram contra. Deste modo, é hora de pensar que a democracia também deve ter pressa, e o mal tem que ser erradicado o quanto antes, para salvar o País. Sim, e o general Mourão? Nosso palpite é que, sendo uma pessoa nada grata no Palácio do Planalto, tem assumido uma posição low profile, mas na hora H dirá que aceita as responsabilidades, que não fugirá delas.

* Agradecimentos especiais ao Dr. Felipe Fróes Couto, pelas contribuições e discussões sobre Populismo que resultaram neste exercício reflexivo tão necessário ao momento que vive a democracia brasileira, enriquecendo este texto.

[1] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/09/16/em-24-horas-bolsonaro-abandona-renda-brasil-e-da-sinal-verde-para-congresso-ressuscita-lo.ghtml

[2] https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/07/16/congresso-eleva-para-57-bi-o-valor-do-fundo-eleitoral-para-2022-veja-quanto-cada-partido-pode-ganhar.ghtml

[3] https://www.infomoney.com.br/politica/ao-lado-da-constituicao-bolsonaro-promete-fazer-governo-democratico-e-cortar-privilegios/

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[4] https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves/2021/07/16/bancada-bolsonarista-sofre-avalanche-de-criticas-por-aprovacao-do-fundao.htm

[5] https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/semelhancas-entre-foto-de-bolsonaro-no-hospital-e-um-celebre-quadro-que-retratava-cristo.html

[6] https://exame.com/brasil/saude-de-bolsonaro-faz-com-que-avaliacao-negativa-do-governo-diminua/

[7] https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/07/09/interna_politica,1285082/bolsonaro-insulta-ministro-luis-roberto-barroso-um-imbecil.shtml

[8] https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/07/12/apos-receber-bolsonaro-fux-diz-que-acertara-reuniao-com-os-presidentes-dos-tres-poderes.ghtml

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