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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Bolsonaro em transe

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Por Redação
Atualização:

José Antonio G. de Pinho, Professor Titular Aposentado - Escola de Administração UFBA. Pesquisador na FGV-EAESP

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A votação da emenda do voto impresso pela Câmara Federal pode revelar um novo quadro que se desenha a respeito da perda de poder e espaço para o presidente Bolsonaro. Resultados de votações são poderosos instrumentos para a medição da temperatura política e para identificação de doenças. Parece possível localizar uma bolsonarite aguda. Dos dados dessa eleição se pode tirar elementos para um diagnóstico que tende, no nosso entender, a se cristalizar em uma tendência de difícil recuperação.

Colocando os olhos nos dados, observa-se o seguinte: no núcleo mais hard do Centrão, PP e PL (partidos com o maior número de deputados federais), a votação pendeu mais para a recusa do voto impresso do que para sua aceitação (46 a 27). Nos partidos mais bolsonaristas, embora o presidente não tenha nenhum no momento, PSL, Republicanos, PTB, PSC e PROS a vitória do voto impresso foi de "lavada", 102 a 14, resultado mais do que esperado. No DEM, no entanto, a solidariedade ao pleito do Planalto foi menor, 13 x 8, com número alto de defecções.

O presidente teve ainda algumas surpresas agradáveis. O PSD um partido sempre associado ao Centrão, mas que, digamos, desfruta de certa autonomia e independência em relação aos dois polos (governo e oposição), gerou uma votação favorável aos interesses palacianos (20 x 11). Por outro lado, o conjunto formado por PSDB e MDB, que posa de oposição ao Planalto, produziu um resultado até certo ponto surpreendente (29 a 22), amealhando votos favoráveis à tese palaciana.

De qualquer forma a emenda foi rejeitada. Ainda na análise dos números, observa-se um expressivo agrupamento constituído de 64 ausentes. Descontando-se dois que tiveram problemas tecnológicos para registrar seus votos, ainda restam 62 que se afastaram da votação. Ao se exumar os ausentes, percebe-se que os partidos com maior participação no conjunto dos ausentes foram: PP: 11; MDB: 8 e PL: 7. Novamente, dentre os três, dois são do cordão que apoia Bolsonaro. Tudo isso indica que partidos chave da sustentação do homem do Condomínio estão revendo seus conceitos.

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Então, o que a votação nos proporciona observar? Os maiores adversários do presidente estão no seu próprio campo, como mostram os votos do PP, de Lira e Nogueira, e do PL, os dois carros chefe do Centrão. Mesmo quando se vê os partidos com maior participação de ausentes, estão lá esses dois partidos. Esses não votos representam aqueles envergonhados que estão esperando as coisas ficarem mais claras (ou mais escuras) para se posicionarem. Isso tudo significa claramente uma fissura na base mais dura da sustentação presidencial indicando que o cimento dessa base não é de qualidade confiável.

O Centrão está sinalizando que pode virar um "Centrinho" e, assim sendo, esboroar-se a sustentação de Jair Bolsonaro. Do PSD, do matreiro Gilberto Kassab, o presidente pode esperar pouco. Quando o deputado sentir o cheiro de incenso do velório do atual governo, já estará distante do presidente infectado. Fazendo um balanço geral, o botão amarelo mencionado por Arthur Lira já teria sido acionado, o que pode ser a antessala do impeachment. Os resultados sinalizam que o Centrão, ainda que firme contratos em certos casos vota de acordo com suas convicções, leia-se interesses, rasgando os contratos.

Este cenário, já turvo para as hostes palacianas, só tende a se agravar, no nosso olhar. À medida que as investigações da CPI Covid 19 avançam, vai se revelando uma teia cada vez mais profunda de corrupção, sobrepreços de vacina, negociações suspeitas, envolvendo civis e militares, aboletados no Ministério da Saúde. Paralelo a isso, a retomada de investigações sobejamente conhecidas sobre o 01 podem destravar um novelo de ilicitudes altamente corrosivas para a família como um todo.

Ao se examinar as algibeiras dos filhos com rigor poderão ser localizados patrimônios incompatíveis com ganhos reais. Ademais, a ação agora mais enérgica do STF pode produzir revelações que tendem cada vez mais a mostrar as entranhas do bolsonarismo. A prisão do ideologicamente eclético Roberto Jefferson, agora bolsonarista raiz, parece um indicador seguro que o STF cansou de ameaças e discursos antidemocráticos e de quebra da ordem institucional. A posição firme da imprensa, através dos três maiores jornais do País e da maior rede de TV, também tira o sono presidencial e alimenta uma convergência democrática contra os interesses nefastos do Palácio do Planalto.

Neste cenário que se turva a cada semana que passa, quais são as armas que dispõe o presidente? Sem a bandeira do voto impresso, o candidato Bolsonaro (porque ele é mais candidato do que presidente) terá que criar algum outro cavalo de batalha para manter-se ele próprio vivo e bem aquecido seu séquito de fiéis. Ao longo da pandemia, sua aposta residia na expectativa de um caos derivado da paralisação das atividades econômicas por conta da pandemia.

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Aqui, cabe o registro de uma mobilização intensa da sociedade brasileira no sentido de oferecer apoio aos inúmeros grupos carentes, embora evidentemente insuficiente, coisa que Bolsonaro não esperava, nem sendo um valor que estrutura sua personalidade. No entanto, a aposta ainda é no caos social, com ou sem greve dos caminhoneiros.

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Bem conhecido o homus bolsonarus, com cerca de 70% de seu mandato cumprido (até a eleição de outubro/22), a reação de Bolsonaro deve ser destemperada, violenta e agressiva, o que deve se acentuar mais ainda com a piora das condições econômicas, e mais ainda com a progressiva retirada de apoio dos setores que ainda estão com ele. Teremos por certo um presidente em transe, alguém vaticina algo diferente? Se o Centrão, hoje, já apresenta essa fissura, como estará com a deterioração do status político de Jair Bolsonaro? A repaginação do Bolsa Família pode se mostrar insuficiente para as pretensões eleitoreiras do presidente.

Uma das apostas da ação bolsonarista deve ser a de ataques às pesquisas de opinião pública. A medida que essas forem mostrando um candidato em baixa, o transe de Bolsonaro só aumentará, o que pode se tornar mais exacerbado se nem conseguir se mostrar viável para o 2.o turno. Cabe lembrar que na campanha (se ele chegar até lá) haverá a lembrança dos mais de 600 mil mortos pela Covid 19 e a prevaricação do presidente na compra de vacinas e na sugestão charlatanesca de remédios alternativos.

Parece razoável pensar que a ele só resta a tentativa de golpe. Mas, serão os motoqueiros e os grupos do cercadinho acrescido de segmentos de fanáticos suficientes para o tal golpe para a esperada revolta do "povo"? Como sempre fica no ar a questão das FFAA. Com quem estarão? Com um governante tóxico, incompetente, sem valores humanitários ou com a ordem democrática? As FFAA sustentarão esse indivíduo e seus interesses manifestamente golpistas? Se o Centrão tem, ou tinha os votos, conforme esperamos ter demonstrado, mas não as armas, contará Jair Bolsonaro com as armas oficiais para a aventura de quebra da ordem democrática?

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