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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Baixa autonomia financeira da Agência Nacional de Mineração fragiliza fiscalização do setor

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Por Redação
Atualização:

Fillipe Maciel Euclydes, Doutorando em Administração Pública e Governo (FGV-EAESP)

Alex dos Santos Macedo, Doutor em Administração Pública (UFV), Analista Técnico e Econômico da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

Suélem Viana Macedo, Doutoranda em Administração Pública (UFV), Professora de Direito na UNIFAGOC.

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Josiel Lopes Valadares, Doutor em Administração (UFLA), Professor do Departamento de Administração e Contabilidade da UFV

Pontos-chave:

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  • O setor mineral brasileiro teve crescimento econômico expressivo nas últimas duas décadas. Dados de 2021 estimam faturamento de $60 bilhões de dólares. Em 2001, esse valor era de $7,7 bilhões.
  • A ampliação da mineração, no entanto, não foi acompanhada do fortalecimento do órgão responsável por regular e fiscalizar a atividade. Em média, apenas 54% do orçamento anual aprovado para a Agência Nacional de Mineração (ANM) foi executado entre os anos de 2003 a 2020
  • Lacunas de orçamento, pessoal e infraestrutura do órgão regulador afetam o monitoramento de barragens de rejeitos, a arrecadação de tributos e o combate aos garimpos ilegais

O rompimento de barragens de rejeitos de mineração nas cidades mineiras de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019, e os sucessivos registros de mineração ilegal em áreas da Amazônia nos últimos anos demonstraram a importância da fiscalização da atividade minerária. No entanto, o orçamento executado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), entre 2003 e 2020, não foi suficiente para o gerenciamento dos recursos humanos, físicos e tecnológicos da autarquia, fundamentais para que a agência pudesse desempenhar adequadamente suas funções. Esse é o diagnóstico do estudo intitulado "Capacidades estatais e mineração: uma análise da agência nacional de regulação" publicado na "Revista de Administração Pública" (RAP) em fevereiro de 2022.

A pesquisa foi realizada a partir de análise documental e bibliográfica feitas em publicações do Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União, Ministério de Minas e Energia e da própria ANM, tendo como objetivo avaliar a capacidade (recursos físicos, humanos, tecnológicos e de gestão) da autarquia responsável por regular a política mineral brasileira, considerando o período de 2003-2020.

Uma visualização inicial dos resultados encontrados pode ser observada a partir da Figura 1, na qual destaca-se: i) a variação anual do orçamento total autorizado para ANM; ii) a reserva de contingência feita pelo poder Executivo; e iii) o valor de fato empenhado pela autarquia. Importante ressaltar que o orçamento total autorizado é estabelecido pela aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) e está condicionado ao aumento ou à diminuição dos preços dos minérios no mercado internacional. A ANM também recebe taxas e multas por exploração. A despeito dos recursos autorizados, as receitas disponibilizadas à entidade estão consignadas ao orçamento geral da União, não existindo mecanismos vinculantes que impeçam o Executivo de contingenciar os recursos da autarquia. A decisão, portanto, sobre se e quanto contingenciar é politicamente definida no governo federal. Por fim, os "valores pagos" são os recursos que de fato a entidade empenha anualmente.

Figura 1 - Orçamento geral deflacionado (IGP-DI) da ANM, de 2003 a 2020

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 Foto: Estadão

Fonte: Elaborada com base em relatórios de execução orçamentária da ANM.

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De modo geral, a principal oscilação do orçamento total ao longo dos anos pode ser explicada devido à variação anual na arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) - o royalty do minério. Conforme legislação, 10% do royalty que cabe ao governo federal deveria ser repassado para a agência reguladora do setor, sendo essa sua maior fonte de financiamento. A despeito dessas regras, observa-se, de forma contínua, os expressivos contingenciamentos feitos pelo Executivo. Em média, 46% dos recursos que deveriam financiar anualmente os gastos da ANM foram contingenciados pelo governo federal. Esse fato evidencia a baixa autonomia financeira da autarquia e, empiricamente, nega o argumento segundo o qual o modelo de Agências Regulatórias proporcionaria maior autonomia gerencial às organizações.

Em paralelo à análise de indicadores gerais, o estudo investigou também a variação no orçamento discricionário da ANM, isto é, os recursos aos quais a autarquia tem maior margem na alocação. Dentre as principais atividades sob a rubrica "discricionária" tem-se as ações de fiscalização - como o monitoramento do recolhimento da CFEM, da segurança relativa às barragens de rejeitos, das condições das minas subterrâneas e das demais operações sob jurisdição da entidade. Embora se tenha registrado o incremento do empenho (valores pagos) ao longo do período analisado (2003-2020) (Figura 1), no que se refere aos gastos com ações discricionárias e o número de fiscalizações realizadas ocorreu uma situação distinta, como demonstrado na Figura 02.

Figura 02 - Orçamento discricionário (em milhões) - outorga, fiscalização, pesquisa e regulação mineral - deflacionado (IGP-DI) da ANM, de 2003 a 2020

 Foto: Estadão

Fonte: Elaborada com base em relatórios de execução orçamentária e de gestão, ANM.

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Sobre as ações de fiscalização, pontuam-se duas distintas tendências. Nos anos iniciais, houve aumento no número de atividades até 2007, ano que registrou 7.837 ações de fiscalização. A partir de então, verifica-se uma tendência de queda contínua nas atividades, o que evidencia a fragilização de uma das principais funções da autarquia: o monitoramento.

A diminuição das atividades de fiscalização pode ser melhor compreendida quando se analisa o orçamento autorizado para essas ações. O ano com maior orçamento previsto foi o de 2003, primeiro da série histórica, em que foram aprovados 49,56 milhões de reais para atividades discricionárias. Por outro lado, o menor valor foi em 2016, com apenas 7 milhões previstos.

Esse cenário de fragilização amplifica-se quando se observa os valores efetivamente executados pela autarquia em relação aos aprovados para ações discricionárias. O maior valor empenhado para a rubrica foi novamente em 2003, com 14 milhões de reais, e o menor foi, em 2015, com apenas 2,9 milhões de reais.

Novamente, verifica-se o baixo índice de execução orçamentária, em que, em média, 46% dos recursos previstos para ações discricionárias foram contingenciados pelo governo federal. Em relatório de gestão de 2020, a própria agência adverte que o irrestrito contingenciamento de despesas para atividades de risco (mineração) pode resultar em desastres ambientais irreparáveis, como os de Mariana e Brumadinho.

A escassez de recursos da ANM é igualmente evidente quando avalia-se seu quadro de servidores disponíveis. Em 2019, cerca de 62% dos cargos aprovados para a agência estavam desocupados, em especial, aqueles das áreas fins (mineração). No período, também mapeamos diminuição de servidores ativos na autarquia, defasagem salarial e parcos incentivos de carreira e condições de trabalho, que são ampliados por problemas relacionados ao acesso à infraestrutura, como veículos e equipamentos.

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Ainda que a entidade tenha buscado repor com contratação temporária em 2021 de novos servidores e abertura de certame em 2022, a dificuldade de reposição de servidores interfere, por exemplo, no tempo de análise dos processos: cerca de 70 mil aguardam análise da agência.

Para contornar a escassez de recursos, a autarquia tem recorrido a outras organizações para minimizar tal fragilidade, inclusive a acordos com empresas e entidades relacionadas com o setor regulado. Contudo, mesmo a execução dos acordos firmados esbarra na baixa autonomia financeira da autarquia e em sua consequente dependência política para empenho dos recursos. Exemplo dessa situação pode ser vista em Termo de Ajustamento de Conduta firmado pela ANM e pelo Ministério Público em outubro de 2019, no qual a União se comprometeu a destinar 42,7 milhões de reais para ações de fiscalização de barragens em 2019, 2020 e 2021. Esse valor, no entanto, ao entrar no orçamento total da autarquia, foi em parte contingenciado pelo Ministério da Economia, contrariando todo o sentido da tratativa.

Diante do exposto, a principal contribuição do estudo foi evidenciar, ao longo de uma análise de 17 anos, como a ANM - anteriormente DNPM - é amplamente deficitária em termos de recursos técnicos e físicos, bem como politicamente marginal no governo federal. O expressivo crescimento do setor mineral nos últimos 20 anos definitivamente não foi acompanhado do fortalecimento do órgão público responsável por regular e fiscalizar a atividade.

Desta forma, chamamos a atenção dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e da sociedade quanto à importância de tornar a ANM mais robusta, com capacidade administrativa e política para angariar legitimidade às suas ações. Para tanto, sua autonomia financeira deve ser restabelecida, conforme prevê a lei que a criou. Caso contrário, continuaremos sob o risco de novos desastres como os de Brumadinho e do Rio Doce, da explosão do garimpo ilegal, da perda de arrecadação e dos custos socioambientais com a exploração mineral predatória.

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Fonte: Os autores, adaptado da Agência Bori.

O estudo completo pode ser acessado em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/85332

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