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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

As controvérsias acerca da classificação fiscal dos drones

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Por Redação
Atualização:

Carolina Argente de Almeida, Especialista em Direito Tributário, Advogada em ASBZ Advogados

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A divergência na interpretação das classificações fiscais de produtos importados não é novidade para os contribuintes que, em um contexto de constante transformação tecnológica e econômica, reiteradamente se deparam com posicionamentos inconstantes da Receita Federal do Brasil acerca da tributação adequada para cada um dos produtos tipificados na legislação.

Dentre as questões controversas, objeto de questionamentos no âmbito administrativo e judicial, a tributação dos veículos aéreos não tripulados - popularmente conhecidos como drones - vem a cada dia ganhando mais destaque em virtude do crescimento exponencial deste mercado e, consequentemente, dos impactos econômicos causados aos contribuintes quando da importação desses produtos.

A problemática neste caso é ilustrada por meio do conjunto de Soluções de Consulta publicadas pela Receita Federal (como as Soluções de Consulta COSIT nºs 98.090/2019, 98.146/2019, 98.238/2019), nas quais os drones foram classificados como "câmeras digitais acopladas a um helicóptero com quatro hélices" (NCM 8525.80.29 - "Aparelhos transmissores (Emissores) para radiofusão ou televisão ou de reprodução de som; câmeras de televisão, câmeras fotográficas digitais e câmeras de vídeo"), por exemplo,  e submetidos a uma carga tributária mais elevada de Imposto de Importação (II) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em comparação àquela reconhecida como adequada pelos contribuintes.

De um lado, a Receita Federal do Brasil fundamenta o seu posicionamento na Instrução Normativa 1.747/2017, que aprovou os pareceres de reclassificação do Comitê do Sistema Harmonizado, atribuindo-lhes força vinculante. Em suma, compreende que estaria autorizada a promover a redação de "notas explicativas, pareceres de classificação e outros", ainda que extrapolando os limites originalmente estabelecidos pela Convenção.

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De outro lado, os contribuintes, pautando-se nas resoluções do Código Brasileiro de Aeronáutica, do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), defendem o enquadramento deste produto na classificação fiscal de aeronaves (NCM 8802 - "Outros veículos aéreos (por exemplo, helicópteros, aviões); veículos espaciais (incluídos satélites) e seus veículos de lançamento, e veículos suborbitais"), considerando a sua característica principal, a qual claramente não poderia se restringir à eventuais tecnologias acessórias acopladas a estes produtos, como é o caso das câmeras digitais.

Note-se que a definição da controvérsia esbarra em questões de ordem técnica, relativas principalmente às especificidades e tecnologias empregadas nos drones, cujo conhecimento e estudo se mostram essenciais à adequada classificação fiscal destes produtos. O mesmo se verifica, por exemplo, nos casos de tributação de softwares que, embora não tratem de problemas relacionados à classificação fiscal de produtos, apresentam muitas especulações e incertezas no mundo jurídico, as quais decorrem de dúvidas técnico-conceituais que ainda permeiam estas discussões.

A principal queixa dos contribuintes decorre justamente de reiterados posicionamentos adotados pela Receita Federal sem qualquer embasamento técnico para lhes dar suporte, muito embora essas informações sejam imprescindíveis à interpretação da Convenção do Sistema Harmonizado (com suas Regras Gerais Interpretativas, Notas de Seção, de Capítulo e de Subposição) e no quanto acordado pelo Mercosul em relação à aplicação da Nomenclatura Comum do Mercosul (Regras Gerais Complementares e Notas Complementares).

Ressalta-se que muito embora a legislação administrativa consigne que "não se considera como aspecto técnico a classificação fiscal de produtos" (§1º do artigo 30, Decreto nº 70.235/1972), o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) já se manifestou em diversos julgados reconhecendo que a "classificação fiscal das mercadorias é uma atividade jurídica de avaliar a subsunção do fato à norma pautada em dados técnicos concernentes à mercadoria" (Acórdãos nº 3402-007.471 e 3401-003.229), enaltecendo a importância deste mecanismo interpretativo.

Especificamente no caso dos drones, a despeito de todas as suas especificidades técnicas que demonstram o equívoco incorrido pela Receita Federal, ainda há de ser considerada questão relativa à validade da Instrução Normativa nº 1.747/2017, a qual tem sido utilizada pela RFB como fundamento para promover arbitrariamente a classificação fiscal dos drones, de forma por vezes desconexa com o próprio Sistema Harmonizado.

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Esse ponto, inclusive, foi abordado em recente decisão proferida pela 12ª Vara Cível Federal da Subseção Judiciária de São Paulo, a qual julgou procedente Ação Declaratória (Processo nº 5017800-03.2019.4.03.6100) para reconhecer como correta a classificação fiscal de "aeronaves" (NCM 8802) atribuída pelo contribuinte nas importações de drones.

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Referida decisão representa um importante precedente sobre a matéria, de fato. No entanto, as constantes inovações tecnológicas sempre resultarão em dificuldades de ordem prática, na medida em que a tendência é continuamente nos depararmos com novos produtos e, consequentemente, novas classificações fiscais, ainda não tipificados de forma expressa na sistemática vigente.

Nesse contexto, ressalta-se a importância dos operadores do direito e das autoridades fiscais, competentes pela interpretação e aplicação das normas, aprofundarem-se sobre estas questões e, com o auxílio de especialistas técnicos nos respectivos assuntos, passarem a assumir um papel mais eficiente na resolução deste tipo de controvérsia.

A solução ao caso dos drones pode estar próxima, principalmente considerando os posicionamentos recentes dos órgãos internacionais acerca do tema. Contudo, este é só mais um caso que serve de alerta para tantas outras questões semelhantes, que atualmente tumultuam o Judiciário e comprometem o fluxo de operações dos contribuintes.

Em tempos de mudanças e reflexões acerca da necessidade de reforma tributária no Brasil, impõe-se, portanto, que o intuito meramente arrecadatório do Fisco seja colocado de lado, para dar lugar a um esforço conjunto para obtenção de melhores resultados às partes envolvidas, garantindo maior eficiência ao sistema, em prol de um interesse comum.

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