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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Antivaxxers e novo fator de risco de compliance para o esporte

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Por Redação
Atualização:

Ligia Maura Costa, Professora titular na FGV-EAESP, Coordenadora geral do FGVethics, Presidente da Comissão de Orçamento, Governança e Integridade da OAB/SP

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Roberto di Cillo, Senior Research Fellow do FGVethics, Advogado

O recente caso envolvendo Novak Djokovic, tenista número 1 do mundo no ranking masculino, não vacinado contra a Covid-19 aparentemente por opção ideológica, merece mais, pois não é - e talvez nunca tenha sido - apenas uma questão sobre a ciência.  Além do aspecto antivax, o caso Djokovic trouxe à tona o debate da moralidade e ética: devemos não punir pessoas que tomam más decisões e que não fazem o que é certo? Depois de idas e vindas, o Tribunal Federal Australiano, em Melbourne, decidiu pelo banimento do tenista do Australian Open e a sua deportação do país.

As notícias que repercutiram e mal a respeito do visto de Djokovic envolvem ainda o caso da tenista russa Natalia Vikhlyantseva, que não teve o aval para viajar, estando vacinada por imunizante não reconhecido como eficaz na Austrália, o Sputink V. Quando Djokovic resolveu jogar de acordo com suas próprias regras, alguma associação, federação ou confederação deveria se manifestar em nome dos tenistas profissionais?

O caso Djokovic passa por temas importantes da atualidade, inclusive uma discussão necessária sobre a isonomia na proteção e tratamento a profissionais de diferentes gêneros, nacionalidades e, claro, etnias, num esporte que era dominado, até poucas décadas atrás, por homens brancos. É verdade que algumas barreiras já começarem a ser rompidas, inclusive com a ascensão das irmãs Williams, não se devendo esquecer das nossas próprias estrelas brasileiras, inclusive a precursora Maria Esther Bueno.

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A prudência sugere evitar a distribuição de culpas e responsabilidades aleatoriamente a associações, federações, confederações ou equivalentes, algumas das quais podem e devem zelar pela reputação de toda uma categoria de atletas - atraindo fortunas em patrocínios - e, eventualmente o fazem, ainda que de forma não ostensiva, na maior parte das vezes. A Associação de Tênis Profissional (ATP) foi criada em 1972, um ano antes da criação de outra associação, a Women's Tennis Association (ou WTA), a primeira para representar e ranquear homens, a segunda, mulheres, muito antes de qualquer discussão maior sobre gênero.

No caso específico de Djokovic que agora passa por um forte teste ético-reputacional, ele e outro tenista resolveram criar uma nova associação de tênis, sob o nome de Professional Tennis Players Association (PTPA), sinalizando um semi-rompimento com a Associação de Tênis Profissional (ATP), o que causou bastante polêmica já que até próprio nome induz a erro, a tradução de PTPA para o português é associação dos tenistas profissionais, como o da ATP. Embora nas palavras dos fundadores no site da PTPA, a ATP foi criada "para proteger os interesses de tenistas profissionais, tornando-se uma organização anticompetitiva" [1], a realidade parece indicar que a PTPA foi criada para defender os interesses de 2 de seus fundadores.

Durante o polêmico caso Djokovic, a única associação profissional a emitir declaração foi a PTPA: "com todo respeito a todas as visões pessoais sobre o tema, defendemos que vacinados e não-vacinados (desde que com isenção médica) tenham a liberdade para competir."

Algumas hipóteses surgem. No caso da tenista russa Natalia Vikhlyantseva, a WTA não teve ou não quis demonstrar a força que a PTPA teve, ou talvez tenha sido simplesmente uma escolha, da WTA e/ou da tenista, de não expor, expor-se ou expor outros à Covid-19 e a uma má reputação por tratamento privilegiado em mais um momento delicado da pandemia.

Fica mais claro, por outro lado, que o sucesso da PTPA foi fugaz e aparentemente minado por um formulário preenchido por um "agente incompetente" com informações incorretas sobre viagens do tenista Djokovic nos 14 dias anteriores ao desembarque na Austrália.

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Por outro lado e sob pena de promover a irresponsabilidade de alguns, tampouco se deve aliviar para os atletas que deveriam assumir a responsabilidade pelos seus atos, por suas próprias imagens, pela promoção da saúde pública e por dar o tom correto, o exemplo mesmo, no meio de uma pandemia que já matou milhões e aleijou e privou tantos mais. Como disse Albert Camus, no clássico A Peste, obra inspirada na epidemia de cólera, a pessoa decente é aquela que não contamina ninguém.

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Em meio ao caso que envolveu a detenção, acusações de maus tratos, liberação e cancelamento de visto do tenista não vacinado na Austrália, notícias públicas de investigações em outros países em razão de viagem e entrevistas enquanto o desportista esteve contaminado pela Covid-19, humildade será sempre bem-vinda e um pedido pessoal de desculpas talvez seja o início do caminho.

Do lado institucional, o silêncio pode ser um grande vilão que resistirá com dificuldade à ira da opinião pública, com possíveis graves repercussões financeiras para atletas inclusive inocentes. E é o mesmo silêncio que foi objeto de crítica de parte interessada na questão, o co-fundador da PTPA, o tenista canadense Vasek Pospisil, por meio de sua conta pessoal no Twitter.[2]

Tendo isto em mente, algumas questões merecem ser feitas. Deveria ter a ATP ficado silente? Em que medida o silêncio da ATP não corroborou a manifestação pública da PTPA e de seu fundador pela liberação do tenista? Onde estavam os departamentos de compliance dessas associações diante das flagrantes situações éticas neste caso? São apenas departamentos de compliance para inglês ver? E não tinham ou criaram um comitê "ad hoc" para cuidar da crise que se instalou?

O forte alinhamento com um programa eficiente de compliance, institucional, intra e interinstituições, nunca pareceu mais importante para mitigar danos éticos-reputacionais causados pela irresponsabilidade de poucos e sofridos por muitos, inclusive jovens atletas e o esporte em geral.

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Notas

[1] Professional Tennis Players Association. Disponível em: https://www.tennis.com/news/articles/ptpa-issues-statement-in-support-of-president-novak-djokovic.

[2] Conferir:

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