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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A Saúde e a Segurança Ocupacional em Tempos Pandêmicos

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Por Redação
Atualização:

Dalton Tria Cusciano, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP e Mestre em Direito e Desenvolvimento FGV DireitoSP. Corregedor na Fundacentro e professor na ENS/SP

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Ana Maria Malik, médica pela USP com mestrado em Administração de Empresas pela FGV EAESP e doutorado em Medicina (Medicina Preventiva) pela Universidade de São Paulo (1991). É professora titular da FGV EAESP, onde é coordenadora do GVsaude da Fundação Getulio Vargas - SP

Entre meados de novembro de 2019 e janeiro de 2020 alguns jornais noticiavam relatos vindo da Ásia e da Europa sobre o adoecimento de pessoas, decorrente de uma doença epidêmica com causas e tratamento incertos. Acreditava-se que a posição geográfica e o clima tropical dariam imunidade ao cidadão brasileiro.

Dias se passaram e os casos chegaram e começaram a se alastrar no Brasil. Descobrimos a contragosto que nossa posição geográfica de nada adiantava, pois o vírus conseguia viajar facilmente, escondido nos passageiros que passavam pela alfândega sem qualquer controle médico. O calor, nosso aliado, perdeu a guerra antes do início da batalha, dado que o vírus era simpatizante de temperaturas tropicais e assim a covid-19 transformou-se em pauta prioritária, exigindo uma rearticulação das relações entre entes públicos e privados, e um repensar das políticas públicas.

Inúmeros profissionais de saúde foram convocados e/ou se voluntariaram, perecendo ou adoecendo no combate à doença, num contexto de esforço nacional de combate ao vírus, que já retirou do campo de batalha definitivamente 11 profissionais que vieram a óbito e ao menos temporariamente, 532 profissionais de saúde - vítimas confirmadas da covid-19 -  de um total de 3.876 profissionais de saúde afastados  - mas sem confirmação deste diagnóstico - apenas da rede municipal paulistana, o que equivale a quase 5% do total efetivo de servidores da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, conforme dados de 15 de abril de 2020.

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Esses números, emitidos pela Secretaria de Saúde do Município mais rico da federação, desvela a fragilidade do sistema de proteção à saúde e da segurança ocupacional a que todos os trabalhadores deveriam ter direito, conforme garantia prevista na Constituição da República e lança luz para o olvidado tema do acidente de trabalho que custou aos cofres públicos, somente com novas concessões de benefícios acidentários no período de 2012 a 2018, o valor de R$26.235.501.489, conforme dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho e que mantém o Brasil, que contabiliza um acidente de trabalho a cada 49 segundos, entre os campões mundiais em acidentes laborais, de acordo com os registros estatísticos da Organização Internacional do Trabalho.

O acidente do trabalho, conforme artigos 19 e 20 da Lei nº 8.213/1991, é aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Também é considerado acidente de trabalho a doença profissional produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e a doença adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado. A alínea d do parágrafo primeiro do artigo 20 da Lei nº 8.213/1991 traz ainda a previsão da doença endêmica, aquela adquirida por segurado habitante de região em que a doença se desenvolva, asseverando que a mesma não é considerada acidente de trabalho, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho, quando então se enquadraria como acidente laboral.

Provavelmente inspirada pelo texto legal acima citado a Medida Provisória (MP) nº 927 de 22 de março 2020, em seu artigo 29, asseverou que os casos de contaminação pelo Covid-19 não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal, o que transferiu a responsabilidade da prova da contaminação no ambiente laboral ao trabalhador, parte mais vulnerável da relação empregatícia.

A MP nº 927 poderia ter mantido a redação do seu artigo 29, colocando como exceção todos os profissionais da saúde que exercessem a função em instituições de saúde - upas ubs, amas, prontos-socorros, hospitais, hospitais de campanha, dentre outros - dado que claramente esses profissionais da saúde, caso sejam contaminados com covid-19 no exercício da função, pela leitura da Lei 8.213/1991, sofreram acidente de trabalho e deveriam ter direito às garantias legais que esse enquadramento, fornece como a estabilidade provisória no emprego, por exemplo.

Essa mesma MP ainda suspendeu as exigências administrativas relativas à segurança e saúde no trabalho e permitiu prorrogação de jornada de trabalho, fomentando a criação de um ambiente favorável à contaminação dos profissionais. Isso porque os profissionais de saúde se viram atuando em jornadas prorrogadas e sob intensa pressão psicológica, com equipamentos de proteção individual sem adequação e quando adequados são fornecidos em quantidade insuficiente a esses trabalhadores, conforme noticiado diariamente pelos jornais.

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O excesso de horas trabalhadas, a supressão do convívio familiar, a pressão emocional diante de tanto óbitos e adoecimentos graves, a falta de equipamentos básicos, a violação da Norma Regulamentadora nº 32 conforme diversas denúncias recebidas pelos sindicatos, a ausência de qualquer majoração do adicional de insalubridade, o que já deveria ter ocorrido ante o exponencial aumento do risco existente e as deteriorações das condições de trabalho, além da certeza da necessidade de se provar que a contaminação, caso ocorrida, tenha se dado no ambiente laboral descrevem o atual cenário de labor do profissional da saúde nessa pandemia.

A falha na oferta de um ambiente laboral minimamente adequado aos profissionais da saúde permitirá a um só tempo reduzir a capacidade hospitalar de atendimento com o afastamento desses profissionais e transformá-los em agentes transmissores do vírus, exponenciando o contágio, razão pela qual é premente um repensar sobre o sistema de proteção à saúde e da segurança ocupacional revendo a estrutura vigente de prevenção e redução dos acidentes de trabalho.

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