Foto do(a) blog

Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A quem os Deputados Federais demandam transparência pública? *

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Andressa Butture Kniess, Bacharela em Ciências Sociais, Mestre e Doutoranda em Ciência Política (UFPR). Integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE) e do Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP). Temas de pesquisa: Democracia Digital; Transparência Pública; Internet e Eleições; Jornalismo Político.

PUBLICIDADE

Trabalhos mais recentes têm questionado a normatividade que envolve o conceito de transparência pública (WOOD, ARONCZYK, 2020; SCHUDSON, 2020; BIRCHALL, 2014).  Enquanto Birchall (2014), por exemplo, ressalta que a apresentação de dados está sempre sujeita a narrativas e interpretações, Wood e Aronczyk (2020) afirmam que todo ato de transparência implica em uma redistribuição do poder comunicativo, o que nem sempre ocorre de forma igualitária e democrática. Em outras palavras, a criação e a manutenção de ferramentas de transparência perpassam por interesses políticos e pessoais daqueles que exercem cargos de poder.

A própria institucionalização dessa dimensão democrática está atrelada a tais questões. A transparência confere capital cultural e moral àqueles que a promovem e a implementam (BIRCHALL, 2014), o que faz com que algumas leis se revelem window-dressing laws (MICHENER, 2011), ou seja, normas que pouco contribuem com a abertura governamental, favorecendo, somente, a imagem de representantes políticos. A literatura vem questionando, inclusive, o que leva atores políticos do mundo todo a empreendem reformas que os submetem a revelar informações que antes eram restritas a uma elite (BERLINER, 2012).

A fim de contribuir brevemente com essa discussão, são apresentados aqui resultados sobre 747 proposições legislativas apresentadas por Deputados Federais, entre 2003 e 2018, que revelam a quem esses representantes políticos demandam transparência em suas propostas de lei. Ressalta-se que foram consideradas somente matérias que buscam regular transparência pública.

O Gráfico 1 mostra que, dentre as matérias analisadas, 429, o que corresponde a 57,4% do corpus, deixam claro qual é o poder, órgão e/ou nível da federação responsável pela transparência demandada. As outras 318 proposições legislativas não o fazem. Isso quer dizer que muitos Deputados Federais propõem abertura de dados governamentais, mas não especificam quem deve disponibilizar esses dados, o que acaba comprometendo o nível da transparência proposta.

Publicidade

Gráfico 1 - Menção aos responsáveis pelo cumprimento da transparência

 Foto: Estadão

Fonte: A autora (2021)

Além disso, dentre as 429 matérias que especificam o responsável por concretizar a transparência demandada, 28 responsabilizam a Câmara dos Deputados e somente uma especifica que os gabinetes parlamentares também são responsáveis pela promoção da transparência: o PRC 293/2017, proposto por Heuler Cruvinel (PSD), propõe:

[...] Art. 2º Todas as propostas, ideias e sugestões de proposição legislativa ou de tomada de decisão no âmbito do processo legislativo, bem como estudos, notas técnicas, pareceres e documentos similares relacionados a matéria legislativa que forem recebidos no gabinete parlamentar ou apresentados diretamente ao Deputado por eleitores, agentes de relações governamentais ou outros representantes de setores econômicos e sociais ou de órgãos ou entidades, públicos ou privados, deverão ser divulgados no Sistema de Acompanhamento e Informações do Mandato Parlamentar e nos demais sistemas e bancos de dados a que se refere o art. 17 do Código de Ética e Decoro Parlamentar.

[...]

Publicidade

Art. 3º O gabinete parlamentar disponibilizará, toda segunda-feira, para publicação no Sistema de Acompanhamento e Informações do Mandato Parlamentar e nos demais sistemas e bancos de dados a que se refere o art. 17 do Código de Ética e Decoro Parlamentar, a agenda de compromissos e reuniões do Deputado prevista para a semana [...][1]

PUBLICIDADE

Em contrapartida, há mais de 40 matérias demandando transparência ao Poder Executivo Federal.Os PLs 2820/2003 e 3975/2004, por exemplo, propõem a divulgação de dados sobre arrecadação tributária e licitações da Administração Pública Federal, respectivamente. Essas duas matérias foram propostas por partidos que, à época, exerciam oposição à Presidência da República: a primeira é de autoria de Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB) e a segunda de Carlos Nader (PFL, atual DEM). Propor transparência para vigiar partidos concorrentes pode, portanto, ser uma variável relevante nesse processo.

O Gráfico 2 expõe os Deputados Federais que mais propuseram matérias sobre o tema ao longo dos anos analisados.

Gráfico 2 - Deputados Federais que mais apresentaram matérias sobre transparência pública

 Foto: Estadão

Fonte: A autora (2021)

Publicidade

Chico Alencar, que foi do PT e, desde 2005, é filiado ao PSOL, foi o deputado que mais se dedicou a legislar sobre transparência pública nos últimos anos. Rômulo Gouveia (PSD) vem em seguida com 13 matérias. Carlos Henrique Gaguim propôs 12 matérias pelos partidos PMB, PTN, PODE e DEM. Luis Carlos Hauly (PSDB) e Luiz Couto (PT) vêm em seguida com 11 proposições cada. Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB/PV) propôs sete matérias enquanto esteve no PSDB e mais três já filiado ao PV. Ivan Valente, que também foi do PT e saiu para se filiar ao PSOL, e Jaime Martins, que foi do PSD e mudou para o PROS, propuseram nove matérias cada. Os demais Deputados Federais em destaque são: Julio Lopes (PP), Reginaldo Lopes (PT) - autor do PL que deu origem à LAI, Aureo (PRTB/SD), Francisco Praciano (PT), Carlos Nader (PFL/PL), Erika Kokay (PT), Indio da Costa (DEM/PSD), Janete Capiberibe (PSB), Sarney Filho (PV), Roberto de Lucena (PV/PODE) e Onyx Lorenzoni (DEM). Esses resultados indicam que os Deputados que propõem transparência pública no Brasil pertencem a partidos de diversos espectros ideológicos.

Os resultados aqui apresentados foram coletados através do mecanismo de busca avançada do Portal da Câmara dos Deputados e fazem parte do trabalho de tese (ainda em andamento) da autora deste texto, que é financiado pela Capes.

* Versão adaptada de texto já publicado no site do Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP) da UFPR.

Referências

BERLINER, D. Institutionalizing Transparency: The Global Spread of Freedom of Information in Law and Practice. 2012. 198 f. (Doutorado em Filosofia). University of Washington, 2012.

Publicidade

BIRCHALL, C. Radical transparency? Cultural Studies, Critical Methodologies, v. 14, n. 1, p. 77- 88, 2014.

MICHENER, G. FOI laws around the world. Journal of Democracy, v. 22, n. 2, p. 145-

159, 2011.

SCHUDSON, M. The Shortcomings of Transparency for Democracy. American Behavioral Scientist, v. 64, n. 11, 2020.

WOOD, T.; ARONCZYK, M. Publicity and Transparency. American Behavioral Scientist, v. 64, n. 11, 2020.

Publicidade

Nota

[1] Ver em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2162926. Acesso em: 08 dez. 2021.

 

Principais publicações da mesma autora:

KNIESS, A. B., MARQUES, F. P. J. A. Como o agente fiscalizador utiliza a comunicação online? A ideia de transparência pública nas redes sociais da Controladoria-Geral da União. Revista Opinião Pública, v. 27, n. 1, 2021. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/op/article/view/8665626.

MARQUES, F. P. J. A.; MIOLA, E., COMEL, N., KNIESS, A. B. Adversarial rhetoric or lapdog journalism? Political interviews during the 2018 Brazilian presidential elections. In: Ofer Feldman. (Org.). Adversarial Political Interviewing: Worldwide Perspectives during Polarized Times. 1ed.Singapore: Springer Nature, 2021.

Publicidade

KNIESS, A. B., SANTOS, D. Religião e democracia em nível local: Os valores democráticos dos evangélicos paulistanos. Teoria & Pesquisa, v. 29, n. 2, p. 101-131, 2020. Disponível em:

http://www.teoriaepesquisa.ufscar.br/index.php/tp/article/view/820.

MARQUES, F. P. J., HERMAN, F., KNIESS, A. B., TEIXEIRA, J. S. What do State Institutions Say? Twitter as a Public Communication Tool During the Impeachment of Dilma Rousseff. Brazilian Political Science Review, v. 13, n. 3, p. 1-32, 2019. Disponível em: https://brazilianpoliticalsciencereview.org/wp-content/uploads/articles_xml/1981-3821-bpsr-13-3-e0006/1981-3821-bpsr-13-3-e0006.x89995.pdf.

KNIESS, A. B., MATOS, M. P., LEITE, P. H. M., MARQUES, F. P. J. A. How do you get information, deputy? Patterns of media use by deputies of the State of Paraná. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação da Câmara dos Deputados, v. 1, n. 29, p. 83-103, 2019. Disponível em: http://e-legis.camara.leg.br/cefor/index.php/e-legis/article/viewFile/467/648.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.