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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A MP 1.065 e o avanço da infraestrutura no Brasil

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Por Redação
Atualização:

Gabriel Vinícius Carmona Gonçalves, Professor da Pós-Graduação em Direito Administrativo e Administração Pública da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela qual também é Doutorando e Mestre em Direito Político e Econômico. Sócio do PMCG Advogados

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Como é de conhecimento geral, o investimento em infraestrutura no Brasil está muito aquém do ideal. Os dados do Relatório Anual Infra 2038 apontam que o investimento em infraestrutura deve dobrar para que o Brasil alcance um patamar minimamente adequado e seja mais competitivo no cenário internacional.

O grande dilema sobre o tema é a retração cada vez acentuada dos investimentos do setor público, que se veem pressionados pela situação fiscal do país e pela necessidade de contenção dos gastos públicos. O investimento do setor privado passa, então, a ser fundamental, como ficou bem claro na dicotomia criada entre o que seria o "PIB público" e o "PIB privado", popularizada no ano passado.

Nesse contexto, a Medida Provisória 1.065 se mostra um grande avanço para destravar investimentos na malha ferroviária brasileira, até hoje travada pela imensa burocracia decorrente do regime de concessão existente nas grandes ferrovias brasileiras, herança da extinta Rede Ferroviária Federal. Editada pelo presidente da República no último dia 30 de agosto, a MP 1.065 instituiu o Programa de Autorizações Ferroviárias e permitiu a transferência do atual modelo de concessão para o regime de autorização (mais flexível), quando presentes algumas condições para tanto.

De início, a MP 1.065 estabelece uma nova sistemática para o setor, permitindo a construção, administração e exploração de ferrovias direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e municípios (inclusive por convênio ou consórcio) ou mesmo diretamente por seus proprietários, segundo as diretrizes expedidas pelo Ministério da Infraestrutura.

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Essa ampliação do modelo visa aumentar a oferta e integrar a infraestrutura, racionalizando o transporte inter e intramodal, reduzindo, consequentemente, os custos logísticos e de mobilidade, diminuindo a grande dependência do país do modal rodoviário, especialmente para o transporte de cargas (agravada, nos últimos tempos, pelas constantes ameaças de paralisação por parte de caminhoneiros), além de fomentar o desenvolvimento tecnológico do setor, conforme definido no artigo 5º da MP 1.065.

Para tanto, previu-se uma sistemática de autorização por parte do Ministério da Infraestrutura, diretamente com o interessado ou por meio de chamamento público. Seja qual for a modalidade, a formalização da autorização se dá por meio de um contrato de adesão firmado com o particular interessado, cuja celebração deve ser precedida da apresentação de todos os estudos e da análise técnica e jurídica de viabilidade do projeto.

Além disso, a MP 1.065 também autoriza a construção de ferrovias particulares (chamadas na norma de "ferrovias registradas"), quando localizadas exclusivamente em áreas privadas, e permite a atuação dos operadores ferroviários independentes, seja nessas linhas ferroviárias ou em ferrovias de terceiros, exigindo apenas a celebração de contrato entre as partes para tanto.

Um ponto interessante presente na norma é que tanto o ato de autorização para a exploração de ferrovias quanto para o operador ferroviário independente são vinculados, isto é, não podem ser negado fora das hipóteses que lá se encontrem expressamente previstas (que basicamente dizem respeito a questões formais, especialmente a inobservância dos requisitos previstos na própria MP 1.065 ou no regulamento dela decorrente ou à inviabilidade operacional) -- o que reduz consideravelmente a interferência das vontades políticas do momento na concessão das autorizações, atendendo ao princípio da "livre iniciativa de empreender", também garantido na medida provisória.

Prova do caráter inovador da MP 1.065 é que dois dias após a sua edição foram formalizados dez pedidos de autorização de novas ferrovias (em diversos estados da Federação), e há a expectativa de que grandes players do setor que atualmente operam sob o modelo de concessão busquem a ampliação dos investimentos e migração dos seus contratos para o regime de autorização.

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A migração dos contratos pode ocorrer sempre que uma nova ferrovia entre em operação e seja concorrente à concessionária ou integrante do mesmo grupo econômico da atual administradora ferroviária, expandido sua operação ou capacidade em percentual superior a 50%, e permite a flexibilização do regime jurídico atualmente existente, desonerando as atuais concessionárias de cumprirem com uma série de obrigações regulatórias.

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Mesmo para os operadores ferroviários que permanecerem sob o regime de concessão, contudo, a MP 1.065 trouxe impactos relevantes, especialmente com as novas regras sobre a desativação ou devolução de ramais ferroviários subutilizados e antieconômicos (um dos maiores desafios enfrentados pelas empresas do setor), os investimentos de terceiros interessados, os conflitos urbanos (tema bastante debatido durante o processo de renovação da malha ferroviária paulista) e sobre a adoção de medidas de autorregulação.

O saldo da MP 1.065, no geral, é positivo, e deve ampliar o investimento na infraestrutura ferroviária do país, aumentando a capacidade logística e diminuindo o custo do transporte no Brasil. Resta saber, contudo, se a norma sobreviverá ao turbilhão de acontecimentos políticos recentes, e se o regime jurídico nela previsto será efetivamente aplicado.

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