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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A miséria do debate sobre populismo

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Por Redação
Atualização:

Amon Barros, Professor nos Cursos de Graduação e do Mestrado e Doutorado em Administração de Empresas da FGV-EAESP

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O aumento do valor recebido pelas pessoas assistidas pelo (quase extinto) Programa Bolsa Família em ano eleitoral é populista, como vem dizendo boa parte dos analistas. Entretanto, não é o aumento na quantidade de dinheiro transferido que melhor caracteriza a medida como populista. Se fosse só isso, talvez a manobra fosse popular, como vem argumentando o Ministro Paulo Guedes.

Na verdade, dois outros elementos caracterizam a manobra como populista, num sentido mais negativo da palavra. Em primeiro lugar, o Renda Cidadã irá desestruturar o Programa Bolsa Família. Um programa longevo, de sucesso e que já poderia ser tratado como uma política de Estado, mas não conseguiu fugir à sanha destruidora do governo atual. Assim, na sua gana por criar um espaço em branco para deixar suas marcas, Bolsonaro promete erguer uma estrutura frágil, que possivelmente se desmanchará no ar. Um fim triste para um dos maiores sucessos recentes do Estado brasileiro junto à universalização do acesso ao ensino e à estabilização da economia (aliás, esses dois também foram feridos gravemente pelo governo atual, mas isso fica para outro texto).

Em segundo lugar, a mudança vai valer para o ano eleitoral, visando atender à vontade do governante. Não parece ter passado por estudos de impacto econômico ou social e obedece apenas à dinâmica do faro político do governo. Assim, ao projetar o voluntarismo da disputa política de curtíssimo prazo num programa que é belo pela sua elegância simples, que permite sua eficácia, temos aí outro traço do populismo no poder.

O populista não produz ou protege políticas públicas a partir de resultados demonstrados, debates democráticos ou análises técnicas. E, nesse sentido, o Renda Brasil é mesmo populista. Substitui um programa já estabilizado por algo delineado sob o som dos choramingos e lamentos do governante que teme perder espaço. Sai a política pública, entra a política eleitoral de fim imediato, como no tempo dos coronéis. Sai uma iniciativa institucionalizada e já reconhecida como sucesso mesmo por seus detratores iniciais, entra o desejo de se construir o Estado à sua imagem e semelhança, no qual nada lembre os opositores. A demolição do Bolsa Família deveria chamar tanta ou mais atenção de quem se preocupa com a memória, quanto as críticas à permanência de certas estátuas no espaço público.

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Finalmente, nunca é demais lembrar que o tema populismo hoje é bastante discutido na ciência política. Economistas e articulistas poderiam atualizar seu vocabulário se valendo de algumas pesquisas mais recentes sobre o tema. A ladainha economicista já foi superada há muito. Ademais, é feio tocar esse samba do fiscal sem lembrar todas as outras iniciativas do governo que contribuem para que o teto, que alguns tanto estimam, tenha vindo abaixo.  Mesmo pensando apenas sob o frio olhar dos números, havia outros pontos que poderiam ter sido defendidos "do ponto de vista do fiscal", que não olha apenas o resultado trimestral.

As mortes evitáveis da pandemia, que aparentemente atingiram as centenas de milhares, o orçamento secreto que cria desequilíbrios políticos e na alocação de recursos, os mimos para militares encastelados novamente como recebedores de benesses inimagináveis aos civis. Tudo isso gera problemas no orçamento. A falta de internet nas escolas que ficaram fechadas e que vão impactar a produtividade da força do trabalho, a destruição ambiental e humana que gera custos de imagem, de transação e que serão herdados pelas populações futuras.

Era fácil manter o vocabulário "rigoroso" e ver que o governo Bolsonaro não só é populista, como também não é fiscalista. Não precisavam ter esperado o aumento do auxílio aos que vivem na miséria. Nem mesmo, precisavam ter mirado só nisso agora. Bastava ter as próprias prioridades políticas mais claras e ter uma régua um pouco mais elevada para defender seus princípios. Como alguns aprenderam, depois do embate recente entre Eduardo Leite e Miriam Leitão, o autoritarismo do governo produz uma democracia cada vez mais pobre, num país repleto de miseráveis e com ninguém capaz de ocupar o posto de salvador da pátria, com milagres a tiracolo 24 horas por dia.

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