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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A Hora e a Vez da Institucionalização da Transição de Governo Municipal no Brasil

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Por Redação
Atualização:

Fernando de S. Coelho, professor de Gestão Pública da EACH-USP e doutor em Administração Pública pela FGV-SP. Coordenador do Lab.Gov da EACH-USP. 

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Maria do Carmo Meirelles T. Cruz, professora de Gestão Pública da FESPSP e do mestrado em Educação da UNICID e doutora em Administração Pública pela FGV-SP. Secretária Executiva do Instituto JUS.

Silvia Maura T. Seixas, socióloga, pós-graduada pela FESP. Foi técnica do CEPAM em projetos para a administração pública municipal paulista. Consultora em gestão pública local.

Guilherme José Rodrigues Rezende, bacharel em Administração Pública pela FCLAr-UNESP e mestre em Administração Pública pela FGV-SP. Consultor na área de gestão pública. 

Mírian Lucia Pereira, bacharel em Administração Pública pela UNIVASF e mestre em Administração Pública pelo PROFIAP-UNIVASF. Servidora técnico-administrativa da UNIVASF. 

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Luiz Felipe Ambrósio, economista, doutorando em Economia pelo IE-UNICAMP, professor de Gestão Pública da FESPSP. Consultor em finanças e planejamento público. 

 

Encerradas as eleições municipais de 2020 no Brasil, 2.252 prefeitos foram reeleitos, sendo 2.237 no primeiro turno e quinze no segundo turno. Uma vez que o pleito ocorreu nos 5.568 municípios do país, sabe-se que em 3.316 prefeituras teremos a troca do chefe do Poder Executivo em 1º de janeiro de 2021. 

Essa alternância de poder confirmada em 59,5% das cidades brasileiras, independente se total, com a mudança de toda a coligação político-partidária, ou parcial - com a substituição do prefeito, mas sem a modificação da coalização de poder -, mostra per si a importância do processo de transição de governo (TG) na administração pública municipal; principalmente em um ano atípico, com a pandemia da COVID-19, no qual as eleições foram postergadas e temos, desde a primeira eleição pós-redemocratização para todas as prefeituras, realizada em 15 de novembro de 1988, o menor tempo para a TG, ou seja, 45 dias para os eleitos em primeiro turno e um mês para os eleitos no segundo turno. 

Agora, pensemos: se mesmo nos Estados Unidos, considerada uma das principais democracias do mundo, nós assistimos - atualmente - um imbróglio entre o presidente D. Trump e o recém-eleito J. Biden em torno do resultado da eleição norte-americana, trazendo desarmonia e percalços para um processo de transição de governo regulamentado desde 1963 (the Presidential Transition Act of 1963) para a Casa Branca, imaginem os problemas na "passagem de bastão" em pequenos e médios municípios do Brasil diante de urnas que contrapõem famílias na disputa pelo poder local e a dinâmica política do personalismo arraigada nas localidades, sem quaisquer regras e procedimentos para a troca de mandato. 

Em muitas prefeituras é comum a cultura de "terra arrasada" perante a alternância de poder, bem como o desejo, velado ou explícito, do perdedor de provocar o desgaste da imagem do vencedor com estorvos na transição de governo, provocando uma condição de antigovernança pública caracterizada por tensões políticas entre o atual e o futuro prefeito, descontinuidades administrativas na municipalidade e prejuízos sociais para população. 

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A ausência ou insuficiência de TG nos municípios, observada por pesquisadores que estudam o tema desde as eleições de 2008 , gera, frequentemente, contratempos e inconvenientes como: contratos de prestação de serviço vencidos no mês de janeiro, com paralisia de funções/atividades essenciais; desaparecimento de documentos e materiais em repartições públicas; deletamento de sistemas de informação e/ou arquivos eletrônicos em órgãos e entidades da prefeitura; lacuna de informações sobre convênios com os governos estadual e federal; imprecisão de dados sobre as ações governamentais (programas/projetos) em execução, a realidade das finanças do município e o quadro de funcionários públicos no Poder Executivo local; improvisação na agenda dos primeiros 100 dias de governo; aumento do desperdício passivo (ineficiência) no gasto público; e, algumas vezes, interrupção da provisão políticas públicas para os munícipes. 

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 A despeito desse contexto de "copo vazio" na transição de governo municipal no Brasil, retratado por gestores públicos como uma prática ainda incipiente, divulgado pela imprensa do interior do país como um processo pouco republicano e democrático (que pode alcançar às vias judiciais) e compreendido pelos órgãos de controle externo como um período atribulado que requer enorme atenção e ampla fiscalização, é perceptível um panorama mais alentador nos anos correntes.

Alguns especialistas argumentam que a institucionalização da transição de governo em prefeituras - por leis, decretos e portarias - cresceu nas eleições de 2016 e deste ano. Ademais, boas práticas são constatadas em municípios de diversos portes e de diferentes regiões político-administrativas, bem como é visível uma agenda em prol da TG advogada por organizações do setor público e do terceiro setor que, de várias maneiras (como, por exemplo, a oferta de capacitação e de assistência técnica), induzem a sua formalização e apoiam a sua operacionalização em municípios aqui e acolá e, ocasionalmente, em um pool de prefeituras que integram arranjos regionais ou consórcios intermunicipais. 

No Brasil, a inspiração para a institucionalização de uma transição de governo política e administrativamente estável e equilibrada, diante de uma alternância de poder entre posição e oposição, foi o pleito para o Executivo federal em 2002, com a troca de mandato entre o PSDB, do presidente FHC, e o PT, do presidente Lula. Um processo de TG normatizado por uma série de marcos jurídico-legais - entre decretos, exposição de motivos interministerial, medida provisória e lei - e organizado pela formação de uma comissão de TG com cargos em comissão transitórios para o período entre o final da eleição e a posse do eleito. 

Esse exemplo no governo federal - e lá se vão 18 anos! - tornou-se uma referência nacional para estados e municípios e, inclusive, internacional para a América Latina, visto que foi adaptado no México na transição entre os presidentes F. Calderón e Peña Nieto em 2012. Domesticamente, muitos estados adotaram normas nas eleições de 2006, 2010, 2014 e 2018 para uma troca de mandato estruturada e harmônica . No nível local, por seu turno, foi fundamental o trabalho realizado pela Fundação Prefeito Faria Lima - o CEPAM (Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal), com prefeituras do estado de São Paulo nas eleições de 2008 e 2012; foram realizados cursos, desenvolvido materiais (cartilhas e planilhas) e executados projetos de TG in loco em associações de municípios. O estado de Pernambuco, igualmente, em 2014, criou uma lei - Lei Complementar nº 260, de 6 de janeiro de 2014 - para observar os princípios de responsabilidade e transparência nas TG no âmbito estadual e nos seus 184 municípios. 

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Notam-se, em adição, casos de sucesso de transição de governo em municípios que dispensaram a institucionalização e ocorreram a contento a partir da postura de interesse público do prefeito e do empoderamento político de tal processo nos órgãos e entidades da prefeitura. Além desses "pontapés iniciais" em torno da TG em nível subnacional, sua aplicação - na acepção de prestação de contas - tem sido cobrada pelos Tribunais de Contas e Ministérios Públicos estaduais junto aos prefeitos que estão finalizando suas gestões. 

Todavia, para além desse importante enfoque de controle da legalidade no encerramento do mandato, é vital posicionar a transição de governo como uma política pública de gestão que, de um lado, visa fortalecer a avaliação das ações de governo e registrar os legados do quadriênio 2017-2020 para os municípios e, por outro lado, intenta potencializar o planejamento governamental de curto (cem dias de governo), médio (primeiro ano de gestão) e longo prazo (PPA 2022-2025) para o novo ciclo político-administrativo local, conforme a ilustração, a seguir. 

 Foto: Estadão

 

Um trabalho de fôlego e com escalabilidade nessa direção estratégica da TG, é o curso de Transição de Governo Municipal oferecido pela plataforma Municípios em Rede, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Regional (SDR) do Estado de São Paulo, em parceria com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), que atualizou e ampliou toda a produção técnica elaborada pelo CEPAM em 2012 e está ministrando uma capacitação on-line gratuita, com aulas síncronas e assíncronas, neste mês de dezembro. São 211 participantes entre prefeitos atuais e eleitos, secretários municipais, assessores políticos, membros das comissões de transição e técnicos administrativos, além de diretos regionais da SDR, de 111 municípios de nove unidades da federação (São Paulo, Minas Gerais, Maranhão, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Ceará, Amazonas e Pará). 

Um passo a passo para transição de governo municipal, com orientações e dicas para a gestão de informações e a adaptação de processos de áreas-meio das prefeituras (finanças e gestão de recursos humanos, por exemplo) e setores de políticas públicas locais (educação e saúde, por exemplo), face à COVID-19, bem como vídeos e outros materiais estão disponíveis, publicamente, no site da SDR, na plataforma Municípios em Rede (https://municipios-em-rede.sdr.sp.gov.br/).  

Oxalá essas iniciativas como da SDR e de outras organizações do setor público e da sociedade civil sejam um impulso, em definitivo, para o crescimento exponencial da transição de governo nos municípios brasileiros. Outrossim, urge identificar, reconhecer e disseminar  as boas práticas de troca de mandato nas prefeituras neste ano, tendo em conta os obstáculos da segunda onda da pandemia e o horizonte temporal exíguo. Cita-se, a título de ilustração, o processo ordenado e genuíno em algumas capitais, como Fortaleza, Vitória e Porto Alegre Enfim, aproveitando-se que o tema está em voga na agenda política nacional, talvez, seja a hora e a vez da institucionalização da TG no país!

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