Thaís Marçal, Mestre em Direito pela UERJ. Advogada e Árbitra listada no CBMA, CAMES e CAMESC. Coordenadora acadêmica da ESA OAB/RJ. Membro do Fórum de Probidade Administrativa e Transparência Pública da EMERJ. Membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Membro do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro (IDASAN)
O atual presidente da Autoridade Brasileira de Proteção de Dados (ANPD) proferiu declaração[1] afirmando que o foco de atuação da entidade será no fomento a integração de uma cultura de dados. Tal assertiva é um alento na conjuntura atual, bem como ressoa o que há muito a doutrina administrativista apregoa: o direito sancionador é a última ratio. Em outras palavras: a sanção não é um fim em si mesma. Mais que isso: a prevenção é a tônica que deve nortear a atuação administrativa e privada.
Além do mencionado contexto, o mundo globalizado exige uma releitura de institutos e instituições, bem como adaptações estruturantes para novos conceitos que permearão a vida em sociedade.
Clássica a lição de que o meio ambiente deve ser interpretado sob quatro grandes vieses: natural, cultural, artificial e do trabalho. A realidade contemporânea parece caminhar pela necessidade de se integrar um quinto viés: meio ambiente virtual.
Gradativamente, as relações humanas têm sido permeadas por novas interfaces cibernéticas. No âmbito laboral, a presença física vem sendo substituída pelo trabalho remoto, diante da necessidade de home office acentuada pela pandemia da COVID-19. No meio empresarial, cada vez mais comuns o uso de smart contracts para celebração de negócios jurídicos. "Moedas virtuais" desafiam os governos nacionais em seara que lhe era de atuação exclusiva. A pulverização de controle através do blockchain desafia a sociedade em rede em prol de uma conjunção da busca por segurança da informação. A "internet das coisas" promete remodelar as relações pessoas com o patrimônio. Enfim, os dados passam a ser um dos bens mais valorizados do capitalismo.
E, como todo o fluxo de dados, ocorre no ambiente virtual, nada mais natural que este seja um ambiente tutelável pelo direito com as especificidades que lhe são inerentes. A autonomia científica em relação às demais matizes do meio ambiente intui a necessidade de sua inclusão como uma quinta vertente do meio ambiente a ser aliada ao meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho, conforme enumerados anteriormente.
Dotar-lhe de autonomia significa lançar os olhos à necessidade de uma regulação consentânea às necessidades sociais, bem como estruturar a administração pública para desempenhar adequadamente o seu dever de poder de polícia.
Previsões generalizantes de dever de conformidade desacompanhadas do aparato necessário para lhe conferir eficácia é tão grave e desestruturante quanto à omissão do poder público no tema.
O aparato estatal precisa ser mobilizado para consecução das necessidades da vida em sociedade. O passado serve de aprendizado, mas não pode ser obstáculo paralisante para o futuro. Estruturar instituições, qualificar pessoal e promover a cultura de conformidade do meio ambiente virtual parece ser o um dos grandes desafios do século XXI.
Nota:
[1] Disponível em: Foco inicial será criar cultura de dados, diz presidente da ANPD | JOTA Info. Acesso em 26/1/2021.