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A dinâmica política da Reforma Tributária

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Por Redação
Atualização:

Marcela Machado, Doutora em Cie?ncia Poli?tica (UnB). Professora do Departamento de Gestão de Políticas Públicas (GPP/UnB). Membro do Observato?rio do Congresso (OC/UnB)

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Paula Cunha, Graduanda no Departamento de Gestão de Políticas Públicas (GPP/UnB). Membro do Observato?rio do Congresso (OC/UnB)

O sistema político brasileiro e seu arcabouço institucional estão distantes de serem arranjos perfeitos. Elencam-se, a depender das circunstâncias e do cenário político, prioridades para as agendas governamentais e legislativas, fotografias das demandas de um determinado momento. A necessidade da constante adequação dos parâmetros institucionais à realidade social faz com que, recorrentemente, tentativas de reforma emerjam ou ressurjam no debate político nacional.

Quando a pauta é tributação e orçamento, os interesses se acirram, fazendo com que o consenso seja a tônica primordial para que a qualidade democrática não se perca no processo das reformas. A realidade, no entanto, nos mostra que a dinâmica, por vezes, não é simplificável por construtos teóricos. A reforma tributária nos prova isso: para entendermos o contexto do debate atual, precisamos, para além do contexto e da busca por consenso, olhar para os interesses dos atores envolvidos.

Apesar das tentativas recorrentes de reforma tributária na nossa história recente, precisamos voltar nossos olhares para 2019, quando a PEC 45, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB/SP), com texto do economista Bernard Appy; e a PEC 110, de autoria do senador Davi Alcolumbre (DEM/AP) - com texto do ex-deputado Luiz Hauly - reintroduziram o debate no Legislativo. À época, havia a promessa, por parte do Poder Executivo, do envio da reforma tributária. Contudo, o projeto não foi enviado e, dada a relevância do tema, os presidentes das Casas passaram a disputar a pauta.

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Com a intenção de resolver a questão, já que as PECs 45 e 110, em essência, são muito similares, foi criada, em março de 2020, a Comissão Mista da Reforma Tributária, que tinha como presidente o Senador Roberto Rocha (PSDB/MA) - que era o relator na Comissão de Constituição e Justiça do Senado da PEC 110 - e como relator o Deputado Aguinaldo Ribeiro (PP/PB). O objetivo central era, ao menos em tese, construir um texto consensual, que contemplasse ambas as propostas. Nesse meio tempo, foi apresentado pelo Poder Executivo o PL 3.887/2020, propondo a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS).

As duas PECs apresentadas em 2019 propuseram alterações de grande vulto nas tributações de consumo, extinguindo impostos nos três níveis (Federal, Estadual e Municipal), inclusive o ICMS, que é visto como o mais problemático do sistema tributário atual. O projeto de lei apresentado pelo governo, por outro lado, apresentou uma proposta mais simplificada, visando a unificação do PIS/Cofins (que, na prática, já são recolhidos juntos).

A estratégia adotada pelo Executivo, diante desse dilema, foi o envio de uma reforma tributária fatiada. Apesar disso, até então, apenas duas dessas fatias foram enviadas ao Congresso, sendo uma delas em junho de 2021: o projeto de lei do Imposto de Renda. Os dois projetos propostos pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, foram recebidos com amplas críticas por diferentes setores.

Em 2021, o contexto começou a se desenhar de uma maneira interessante: o deputado Arthur Lira (PP/AL) foi eleito presidente da Câmara dos Deputados, sendo seus principais opositores o deputado Baleia Rossi (MDB/SP), autor da PEC 45 e, de forma indireta, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP/PB). Em maio de 2021, a Comissão Especial da PEC 45 foi extinta. O substitutivo proposto pela Comissão Mista, com significativas alterações ao texto original, também caiu no limbo legislativo. É interessante ressaltar que a pauta econômica, com destaque para a tributária, parece ser de grande interesse e relevância na agenda de Arthur Lira, que já havia articulado, no início de seu mandato, para a aprovação da autonomia do Banco Central.

Uma das fatias enviadas pelo Executivo, como já mencionado, foi o PL 2.337/2021, que trata da tributação sobre renda e proventos de qualquer natureza - a reforma do Imposto de Renda. O texto original foi duramente criticado pela iniciativa privada, mercado financeiro e acadêmicos. Há de se ressaltar, ainda, a aprovação para a apreciação do projeto em regime de urgência, ficando dispensada a deliberação nas comissões, levando o debate diretamente ao Plenário.

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A relatoria ficou a cargo de Celso Sabino (PSDB/PA), deputado federal de primeiro mandato, que apresentou um parecer em diversas versões, com profundas modificações ao texto original. Tais versões eram, inclusive, liberadas nos bastidores, em uma tentativa de aferir a reação dos setores para tentar construir um texto consensual. Se o intuito era ganhar tempo na expectativa do consenso, por quais motivos acelerou-se a tramitação do projeto com a urgência, dispensando a apreciação no âmbito das comissões, arenas especializadas para aprimorar o debate técnico das proposições?

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Durante três semanas, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), experienciou tentativas frustradas de pautar o projeto, que era sempre retirado de pauta. Em uma dessas tentativas, foi emitido um manifesto, assinado por diversas entidades, pedindo por uma reforma tributária ampla. No mesmo dia do manifesto, o presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), após reunião com o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), resolveu resgatar a PEC 110 e o Senado passou a realizar sessões temáticas para discutir uma proposta sobre consumo. Em uma das sessões destinadas a discutir a PEC 110, o clima esquentou com a participação do secretário da Receita, José Tostes, que defendeu os projetos do Executivo, seguida da participação de Paulo Guedes, que defendeu que seria melhor não ter reforma tributária do que piorá-la, em alusão ao projeto de lei do Imposto de Renda, endereçando um recado transversal para Lira.

O sucesso da aprovação da reforma do Imposto de Renda, aos moldes do que pretendia Lira, deixou o protagonismo do Executivo, embora autor da proposta, em plano secundário -Executivo que, diga-se de passagem, se mostrou extremamente omisso nas discussões do projeto que ele mesmo enviou. Do outro lado, no Senado - que se apresenta como um contraponto ao governo - há uma tentativa de se aprovar um texto que vem sendo discutido há dois anos e que tem um mínimo de consenso. Lira e Pacheco ascenderam à presidência com o apoio do chefe do Executivo, mas caminham em direções opostas. A recepção nada calorosa da reforma do Imposto de Renda no Senado é uma sinalização do estremecimento destas relações, principalmente do Senado em relação ao Executivo.

A construção das agendas perpassa, inicialmente, por interesses políticos. O mérito da aprovação de uma proposta mascara interesses precipuamente individualistas dos parlamentares envolvidos. Essa disputa, no entanto, parece não ser favorável nem para um projeto, nem para o outro, acabando por deixar os setores envolvidos confusos e desfocados.  Sem contar que a reforma tributária se configura enquanto uma pauta com diversos pontos de veto. Ter atores importantes protagonizando esse cabo de guerra tende a enfraquecer o cerne do debate, resultando em uma proposta ultra simplificada ou, no pior dos cenários, pode fazer com que a reforma tributária, mais uma vez, morra na praia.

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