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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A crise democrática no Brasil potencializa a pandemia por Covid-19

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Por Redação
Atualização:

Carolina Presotto Razera, Graduanda em Administração Pública (FGV - EAESP)

Giulia Araujo Castro, Graduanda em Administração Pública (FGV - EAESP)

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Luana Hirs de Oliveira Rinaldi, Graduanda em Administração Pública (FGV - EAESP)

Rafael Scorza Ziccardi, Graduando em Administração Pública (FGV - EAESP)

Com o grande número de pedidos de impeachment contra o presidente da República, Jair Bolsonaro, bem como as movimentações na CPI da Covid, cada vez mais implicando integrantes do governo em casos de corrupção, observou-se, nas últimas semanas, uma forte mobilização de partidos e de grupos organizados da sociedade civil, inclusive divergentes ideologicamente, para ocupar as ruas, buscando a saída e o processamento de Bolsonaro. Na realidade, entre os fundamentos, que embasam tanto os pedidos de impeachment como o de abertura da CPI da Covid, e que, portanto, mobilizam as pessoas a ocuparem as ruas arriscando suas vidas em plena pandemia, Bolsonaro representa uma ameaça à democracia e ao povo brasileiro.

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Sem a pretensão de esgotar a discussão ou revisitar todos os acontecimentos, aqui se busca um enquadramento dessa ameaça, de acordo com a classificação elaborada por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, em "Como as Democracias Morrem". Nesse livro, os autores apresentam quatro elementos que sugerem comportamentos de um político autoritário, sendo eles: (1) rejeição das regras democráticas do jogo (ou compromisso débil com elas); (2) negação da legitimidade dos oponentes políticos; (3) intolerância ou encorajamento à violência; (4) propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia. Segundo os literatos, candidatos que se enquadrem em apenas uma dessas características de comportamento autoritário já deve representar motivo de preocupação para a população.

No primeiro aspecto, se pode avaliar políticos através da disposição de violação da Constituição, como, p. ex., que adotam meios antidemocráticos e extra constituintes para mudar o governo e tentam minar a legitimidade de eleições. Não faltariam elementos, nesse sentido, para pensar Bolsonaro como um típico autoritário. Ele já afirmou "Eu sou a Constituição", como em 20201, e propala, constantemente, "não aceito resultado das eleições diferente da minha eleição"2, aproveitando, sempre que possível, para disseminar dúvida quanto à confiabilidade do mesmo sistema eleitoral que o elegeu. Quanto à negação da legitimidade dos oponentes políticos, a avaliação pode ser realizada caso os políticos descrevam os rivais sem fundamentação como subversivos, opostos à ordem ou como ameaças à segurança nacional, sugerindo alianças ilegais com governos estrangeiros. Novamente, também nesse aspecto, Bolsonaro, já em 2018, em entrevista à RedeTV3, disse que: "Eu nunca falei com ele (Haddad), é um comunista, um homem que adora a política venezuelana e cubana (...) Ganhar eleição é uma coisa, tomar o poder é outra, e é isso que ele quer fazer". Vale lembrar, também, que Bolsonaro foi eleito com base no discurso antissistema e do combate à corrupção, na esteira da Lava Jato e da criminalização do inimigo político.

Em relação à intolerância ou encorajamento à violência, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt aduzem que estimular ataques de multidões contra oponentes é um claro indício de uma prática autoritária. Nesse ponto, algumas passagens de Bolsonaro são emblemáticas. Em 1999, Bolsonaro disse que: "O voto não vai mudar nada no Brasil". "Só vai mudar infelizmente quando partirmos para uma guerra civil, fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil, começando com FHC, não vamos deixar ele pra fora, não"5. Ele, ainda, discursou no plenário da Câmara, em 31 de março de 2010, a favor do golpe ditatorial pronunciando: "quando a corrupção aparecia, a autoridade era cassada pelo saudoso AI-5, que veio para evitar que o terrorismo se expandisse mais em nosso País. O povo, iludido, lamentavelmente trocou tudo isso por voto"11. Em 2018, enquanto realizava uma campanha eleitoral no Acre, enunciou "Vamos fuzilar a petralhada"4, endossamento, ainda que jocosamente, a violência de seus apoiadores. Em todo caso, evidencia-se, há bastante tempo, não só a intolerância, mas, também, o encorajamento à violência. De acordo com o último aspecto elencado pelos autores, os governantes autoritários tendem a restringir liberdades civis de oponentes, além de limitar a exposição da mídia. Por esse ângulo, quando Bolsonaro discursou em ato a favor do AI-5 e contra o Congresso6, tornou pública sua opinião a respeito de medidas que restringem as liberdades civis. Na verdade, não faltam registros de ataques à mídia, escrita e falada. A respeito, o Brasil caiu quatro posições no ranking de liberdade de imprensa7, ficando em zona vermelha desde que Bolsonaro assumiu o poder.

Em suma, como se percebe, não é preciso muito esforço para vislumbrar Bolsonaro na tipologia de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Assim, o receio para democracia brasileira por parte da população não se caracteriza como irracional, muito pelo contrário, pois, como defendido por pelos autores:

"Como autoritários eleitos destroem as instituições democráticas cujo dever é restringi-los? Alguns o fazem com uma só cajadada. Com mais frequência, porém a investida contra a democracia começa lentamente. Para muitos cidadãos, ela pode, de início, ser imperceptível. (...) A erosão da democracia acontece de maneira gradativa, muitas vezes em pequeníssimos passos. Tomando individualmente cada passo parece insignificante - nenhum deles aparenta de fato ameaçar a democracia. Com efeito, as iniciativas governamentais para subverter a democracia costumam ter um verniz de legalidade. (...) Muitas são adotadas sob o pretexto de diligenciar algum objetivo público legítimo - e mesmo elogiável -, como combater a corrupção, "limpar" as eleições, aperfeiçoar a qualidade da democracia ou aumentar a segurança nacional."

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Mas, afinal, quais as possíveis implicações de Bolsonaro, enquanto governante, para a tragédia humanitária que assola o país por causa da pandemia por Covid-19? Evidente que a resposta para essa pergunta cabe às instituições de controle, como ao Congresso, ao Judiciário e ao Ministério Público Federal. Todavia, o que se aventa, tanto a partir dos pedidos de impeachment como da CPI da Covid, é que Bolsonaro, com traços autoritários, e na condução do governo, potencializou a pandemia no Brasil. Também aqui, sem pretensão de esgotar o assunto, parece que uma série de elementos permitem sustentar essa hipótese, ainda mais com os desdobramentos da CPI da Covid.

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Muitos exemplos poderiam ser arrolados, mas cabe frisar: a falta de coordenação do governo federal para políticas públicas que gerassem um efeito positivo na redução do número de mortes e internações; a falta de interesse na realização de um calendário nacional de imunização e na compra e produção interna de vacinas; da promoção de aglomerações; o incentivo à desobediência ao uso de máscaras; o encorajamento ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento do coronavírus; e usando um eufemismo, já que ainda não se sabe se intencional, a incapacidade de controlar o colapso da saúde, por exemplo, em Manaus; deixou de responder 53 e-mails de oferta de vacina da Pfizer8, mas incentivou a realização da Copa América9. Além disso, a CPI da Covid revela possível corrupção no governo, como, por exemplo: na tentativa de mudança da bula da cloroquina e o uso deste para o tratamento da COVID-19 sem comprovação científica; a desvalorização das tentativas da Pfizer em vender as vacinas para o Brasil; a omissão de ações de intervenção federal no Amazonas para a oferta de oxigênios que salvariam vidas; a prisão de ex-diretor do Ministério da Saúde, Roberto Dias, por supostamente mentir na CPI e; a existência de uma espécie de "ministério paralelo" para aconselhar o presidente e o Ministério da Saúde.

Ressalta-se, assim, que as instituições brasileiras têm sido tensionadas pelo governo Bolsonaro o tempo todo, e que isso seria inerente ao perfil do presidente e daquilo que caracteriza o seu governo. Os Poderes são constantemente instados a se manifestar para assegurar o cumprimento da Constituição, como no caso do STF, em relação à autonomia de Estados e municípios no combate à pandemia. Contudo, como o abalo se faz frequente das instituições, não há obstáculos claros para impedir que a crise vá desvanecendo cada vez mais os alicerces da democracia brasileira, como alertam Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, em seu livro. E não há como negar que o atual projeto político em curso no governo federal flerta com o autoritarismo e que uma das principais consequências desse tipo de governo, a se considerar atualmente, é a tragédia humanitária pela qual o país atravessa, com dezenas de milhões de doentes e mais de meio milhão de mortes oficiais, causadas pela pandemia por Covid-19 sob o governo Bolsonaro.

Referências

  1. ISTOÉ. O arroubo autoritário "Eu sou a Constituição", 2020. Disponível em: . Acesso em: 07 maio 2021.
  2. G1. Bolsonaro diz: 'Não aceito resultado das eleições diferente da minha eleição', 2018. Disponivel em: . Acesso em: 07 maio 2021.
  3. REDE TV. Bolsonaro sobre Haddad: "É um comunista. Pior que um poste. Um pau mandado do Lula". Youtube, 28 set 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XOUeYd9YdjA>. Acesso em: 12 jun 2021.
  4. EXAME. "Vamos fuzilar a petralhada", diz Bolsonaro em campanha no Acre, 2018. Disponível em: . Acesso em: 07 maio 2021.
  5. ESTADO DE MINAS. Bolsonaro defende guerra civil no Brasil e sonegação de impostos em vídeo de 1999, 2018. Disponivel em: . Acesso em: 07 maio 2021.
  6. IG. Bolsonaro discursa em ato a favor do AI-5 e contra o Congresso, 2020. Disponível em:. Acesso em: 07 maio 2021.
  7. G1. Brasil cai quatro posições em ranking de liberdade de imprensa e fica em zona vermelha, 2021. Disponivel em: . Acesso em: 07 maio 2021.
  8. ESTADO DE MINAS. Bolsonaro recusou vacina da Pfizer em 2020 por metade do preço. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/06/07/interna_politica,1274072/bolsonaro-recusou-vacina-da-pfizer-em-2020-por-metade-do-preco.shtml>. Acesso em 12 jun 2021
  9. UOL. Jair Bolsonaro ratifica apoio à Copa América em reunião da Conmebol recusada por capitães de seleções. Disponível em: https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/lancepress/2021/06/06/jair-bolsonaro-ratifica-apoio-a-copa-america-em-reuniao-da-conmebol-recusada-por-capitaes-de-selecoes.htm>. Acesso em: 12 jun 2021
  10. LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias Morrem. Nova York: Zahar, 2018. 270 p.
  11. CAMPOS, João. Doze vezes em que Bolsonaro e seus filhos exaltaram e acenaram à ditadura. Disponível em:> . Acesso em: 8 jul 2021.

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