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A COVID-19 no Rio Grande do Sul: o sistema de bandeiras sob pressão[i]

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Por Redação
Atualização:

Rodrigo Ricardo Mayer, Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor de Sociologia do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

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Até o dia 22 de junho de 2020, o Rio Grande do Sul registrou oficialmente 19.710 casos (173,2 casos por 100 mil habitantes) e 458 óbitos (4 óbitos por 100 mil habitantes, com taxa de letalidade aparente de 2,3%) de COVID-19. O estado foi um dos primeiros a flexibilizar o distanciamento social no começo de maio e a adotar um sistema de bandeiras para classificar os níveis de contágio e capacidade do sistema de saúde no enfrentamento da pandemia.

Todavia, a abertura do Estado não foi acompanhada pela diminuição do número de casos ou de internações conforme os gráficos abaixo:

 

Gráfico 1 - Número de Casos de COVID-19 no Rio Grande do Sul

 Foto: Estadão

Fonte: Elaboração do autor com base nos dados da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul.

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Gráfico 2 - Número de óbitos de COVID-19 no Rio Grande do sul

 Foto: Estadão

Fonte: Elaboração do autor com base nos dados da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul.

 

Da mesma forma que nos demais estados da federação, a velocidade de contágio e óbitos no Rio Grande do Sul apresenta grande crescimento a partir de maio e junho. O grande aumento do número de casos foi acompanhado pelo relaxamento do distanciamento social e pela interiorização da pandemia. Houve forte crescimento principalmente em cidades com empresas do ramo frigorífico, como Lajeado, Passo Fundo, Bento Gonçalves, Caixas do Sul, entre outras.

A flexibilização do distanciamento social ocorreu a partir de um sistema de classificação semanal da capacidade de atendimento e propagação do vírus por meio de bandeiras (amarela, laranja, vermelha e preta). Os municípios gaúchos foram divididos em vinte regiões e sete macrorregiões de acordo com sua capacidade do sistema de saúde, além de cada uma contar com um hospital de referência com leitos de UTI para COVID-19.

Nas avaliações de maio, as regiões gaúchas encontraram-se majoritariamente em baixo risco (amarelo) e risco moderado (laranja), com somente uma região classificada como de alto risco (vermelho), a região dos Vales, principalmente pela expansão dos casos em Lajeado devido à alta quantidade de casos entre funcionários do ramo frigorífico. No entanto mesmo com o grande crescimento de casos e óbitos, os dados apresentados pelo governo apresentam um cenário de relativo controle da gravidade da pandemia no Estado no mês de maio, com o crescimento de regiões com baixo risco e a ausência de classificações de alto risco (vermelho) e altíssimo risco (preto) nos últimos boletins.

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Nas duas primeiras semanas de junho, a tendência se manteve com nenhuma bandeira vermelha e a grande maioria regiões na bandeira laranja. Devido às críticas ao modelo (principalmente a dificuldade das regiões migrarem para classificações mais restritivas), o governo estadual propôs mudanças no sistema, de modo a facilitar a passagem para classificações mais rígidas.

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Como resultado, nas duas últimas semanas houve um aumento de regiões com bandeiras vermelhas (2 na semana de 15 a 22 de junho, e 5 na semana de 23 a 29 de junho), porém, a concentração na bandeira laranja permanece.

O gráfico acima mostrou crescimento contínuo e acelerado dos casos de COVID-19 no Rio Grande do Sul. Como mesmo com o avanço da doença em solo gaúcho a classificação apresentou tendência de médio risco? A resposta do governo para isso vem da estabilidade da ocupação dos leitos de UTI em torno de setenta por cento e do uso de respiradores em aproximadamente trinta e sete por cento. É importante salientar que os indicadores de capacidade do sistema e de sua mudança têm um peso maior no cálculo, o que leva a uma impressão de controle, mesmo com o avanço da pandemia.

Mesmo com essa relativa estabilidade do sistema de saúde do estado, o crescimento do número de casos preocupa e levanta questionamentos sobre a abertura precoce do comércio local, a capacidade hospitalar, a fiscalização e se o governador terá força política para decretar isolamentos mais rígidos.

Por que mesmo com a expansão do número de casos e a não diminuição da ocupação dos leitos a flexibilização foi adotada? Simplificando, as medidas foram tomadas pela inação deliberada do governo federal no auxílio aos entes, o que levou a uma situação de estrangulamento da capacidade dos estados em lidar com a pandemia e a pressões dos prefeitos e de grupos econômicos.

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Em relação ao segundo ponto, inicialmente a pressão por parte dos prefeitos e do empresariado gaúcho se deu pela expansão do número de serviços considerados essenciais e, após por regras de reabertura do comercio e demais atividades.

O sistema de monitoramento traz alguns desafios de cooperação para o governo do estado e municípios gaúchos. O primeiro trata-se da integração dos dados hospitalares (quantidade e ocupação de leitos e UTI) e do avanço da pandemia na cidade e na região. O segundo envolve a aplicação e fiscalização das medidas de reabertura. Neste ponto, é bom lembrar que as prefeituras também têm autonomia - respeitando a legislação estadual - para definir regras de reabertura do comércio.

O problema da fiscalização é anterior ao estado é anterior a flexibilização do isolamento social. No entanto, o avanço da pandemia em maio apontou dificuldades de inspeção e que provavelmente a reabertura foi prematura.

Os casos que mais exemplificam as dificuldades de cumprimento das normas sanitárias se referem à atividade frigorífica. O setor de carnes foi considerado desde o começo da pandemia como essencial, porém, seus funcionários apresentaram altos índices de infecção. Após o relaxamento, o número de funcionários de frigoríficos infectados pela COVID-19 representa 30% dos casos no Estado.

A alta incidência de casos em cidades com frigoríficos - e outras localidades que abrigam os trabalhadores destas empresas - vem de problemas de segurança sanitária destas empresas, que segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), apresentaram aglomerações de funcionários, falta de circulação de ar, poucos testes, grande número de funcionários assintomáticos, entre outros fatores.

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Os problemas no setor de carnes levantam questões sobre o funcionamento do sistema de bandeiras, pois este não foi acompanhado de um sistema de testagem em massa (apesar do aumento do número de testes no estado), além das dificuldades para fiscalização e a aplicação das normas sanitárias.

O sistema de bandeiras para determinar o grau de distanciamento em cada região do estado apresenta vantagens como integrar os sistemas de saúde e de desenhar políticas públicas de acordo com os problemas de cada região. Um problema do sistema vem da capacidade do governo estadual em lidar com as pressões de prefeitos - que podem recorrer das decisões estaduais e não aplicar as recomendações -e empresários caso haja necessidade de maior distanciamento. O sistema adotado pode atenuar os problemas, pois ao classificar em regiões, o avanço em um município é "compensado" pela diminuição ou estabilidade em outra, mantendo a classificação em níveis de baixo ou moderado risco e, portanto, atenuando a necessidade de medidas de controle mais drásticas.

O Rio Grande do Sul foi pioneiro no processo de abertura controlada das atividades comerciais. No entanto, o avanço da pandemia em seu território levanta questionamentos se essa não ocorreu cedo demais e se o governador irá conseguir endurecer as medidas, caso o cenário piore.

 

[i] O artigo faz parte do projeto em parceria com a ABCP coordenado pela professora Luciana Santana (Ufal)  intitulado: Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia de covid19 no Brasil. Essa é uma versão elaborada a partir de texto publicado no site da ABCP em 08/06/2020 no seguinte link: https://cienciapolitica.org.br/noticias/2020/06/especial-abcp-acoes-rio-grande-sul-enfrentamento-pandemia

 

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