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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A cloroquina da Faria Lima

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Por Redação
Atualização:

Lauro Gonzalez, Professor da EAESP-FGV e Coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV

 

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A pauta da célebre reunião ministerial de abril era discutir o programa Pró-Brasil.  No entanto, o que se viu na gravação liberada na última sexta (22/05) foi uma espécie de feira livre de assuntos discutidos sem nenhuma objetividade. Consistente mesmo, ao longo da reunião, apenas o uso de palavrões. Para piorar, as cenas de ministros conclamando a prisão de membros do STF, governadores e prefeitos isolam ainda mais o governo em um momento de unir esforços para enfrentar a crise.

O vídeo produziu ainda uma oportunidade única de ver o ministro Paulo Guedes e os presidentes da Caixa e do Banco do Brasil falando livremente, por assim dizer. Considerando a importância das instituições que os três representam, o discurso é sempre revelador. A transcrição completa mostra o grande espaço ocupado por Guedes na reunião. Como em outras ocasiões, o ministro não saiu do seu quadrado ideológico e defendeu que "a retomada do crescimento vem pelos investimentos privados, pelo turismo pela abertura da economia, pelas reformas".

Provável ministro da economia mais poderoso desde Delfim Netto, a insistência de Guedes em bater na tecla das reformas não surpreende. Por outro lado, causa espanto o desempenho pífio do ministro mesmo quando cobrado nos seus próprios termos[1]. Apesar das promessas grandiosas, as únicas reformas que saíram do papel foram herdadas do governo anterior e o encaminhamento de propostas ao congresso é lento. Durante a reunião, o ministro alardeia medidas de combate à crise voltadas para o mercado de crédito de micro e pequenas empresas (MPE). Como em outras ocasiões, menciona especificamente o microcrédito, fala do uso da melhor da tecnologia financeira lá de fora etc. Enquanto Guedes faz seu esquete, os dados mostram uma realidade completamente diferentes: o crédito não chega a quem mais precisa, os volumes de microcrédito caem, enfim, as coisas não saem do papel. Diante desse desempenho, é curioso notar a continuidade do apoio da Faria Lima. Guedes parece ter se tornado a cloroquina do mercado. Será que uma hora a ficha cai ou valerá a sabedoria popular dizendo que "a falsa esperança é uma mercadoria que nunca diminui em valor".

O presidente da Caixa, Pedro Guimaraes não hesita em falar que "a gente faz o maior programa da história da humanidade de inclusão de pessoas", repete depois se tratar " maior programa da história do mundo de inclusão social digital". Fosse apenas um arroubo retórico, seria menos preocupante. Entretanto, Guimarães já mostrou em outras ocasiões desconhecer conceitos básicos de inclusão financeira e microcrédito[2]. Mesmo reconhecendo o trabalho da Caixa nas últimas semanas, uma consulta à literatura especializada analisando a experiência de outros países, como a Índia,[3] traria Guimaraes de volta à terra. Perceberia, dentre inúmeras outras coisas, que inclusão financeira não é sinônimo de abertura de conta poupança digital.

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Vale ressaltar ainda que Guimarães assumiu com a promessa de transformar a Caixa em uma instituição voltado para a baixa renda, para as MPE e para o microcrédito. As evidências mostram que isso não ocorreu mesmo antes da crise atual[4]. Soluções digitais poderiam ter sido adotadas em maior velocidade, o que mitigaria o problema das aglomerações nas agências e a verdadeira saga enfrentada pelos mais pobres para receber a renda básica emergencial (RBE). Guimarães afirma sentir-se excessivamente cobrado pela imprensa tanto pelas filas relacionadas à RBE quanto por expor os funcionários da Caixa ao vírus. Ao invés de aferrar-se confortavelmente à lógica da perseguição, o executivo deveria entender que está sendo cobrado pelo que ele próprio disse que faria. No vídeo, Guimarães vangloria-se do que não fez e não apresenta nenhuma linha de ação inovadora para promover o crédito para as MPE.

Rubem Novaes, do Banco do Brasil, teve participação um tanto acanhada se comparada à exuberância de seu par da Caixa. Quando instado a falar, ressalta a solidez do banco, um porto seguro nos momentos de crise. Fala ainda da importância das receitas vindas dos serviços de folhas de pagamento de empresas públicas. Apesar de já ter sido presidente do Sebrae, Novaes, presidente do segundo maior banco do país, não destaca um único projeto do banco visando mitigar os efeitos da crise no mercado de crédito para as MPE. Seu momento inovador se limitou a um comentário sobre a evolução do coronavírus no Brasil. Novaes acreditava que o pico da curva já havia sido atingido naquele momento, quando o número de óbitos diários girava em torno de duzentos. Hoje, os óbitos diários chegam a ultrapassar mil.

Em suma, a participação de Guedes e dos presidentes da Caixa e do Banco do Brasil no vídeo do momento reforça a imagem de um grupo que fala muito e mostra pouco resultado. Isso é especialmente preocupante no momento em que o Brasil precisa coordenar esforços para superar a crise.

 

[1]https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/boas-e-mas-ideias-de-politicas-publicas-em-tempos-de-pandemia/

[2]https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/caixa-nao-vai-perder-dinheiro-fazendo-operacoes-de-socorro-por-coronavirus-diz-pedro-guimaraes.shtml

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[3] http://pimtjr.in/wp-content/uploads/2019/11/12.1-Combined.pdf#page=72

[4] https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/a-caixa-precisa-fazer-mais-doutor-guimaraes/

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