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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A Caixa precisa fazer mais, doutor Guimarães.

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Por Redação
Atualização:

 

Lauro Gonzalez, professor da EAESP-FGV e coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV A realidade atropelou governantes que minimizavam a escalada do coronavírus e seus efeitos para a economia mundial. As restrições à circulação e as recomendações de isolamento social travam mecanismos básicos de funcionamento do mercado e exigem a ação do Estado. Além disso, não há solução mágica à vista. Pandemias são episódios de baixa probabilidade de ocorrência mas que produzem efeitos de grandes proporções, embora não necessariamente constituam um evento cisne negro à la Taleb(1). O governo precisa liderar e coordenar o enfrentamento à crise em múltiplas frentes, adotando medidas na saúde, na economia, na proteção e assistência social, etc.

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Assim como o vírus, o choque brutal sobre o fluxo de caixa das empresas se transmite rapidamente aos orçamentos familiares. É certo que as microempresas, incluindo as informais, e a população de baixa renda serão o grupo mais severamente afetado pelo turbilhão que ainda está por vir. Nesse contexto, o crédito é um dos mecanismos relevantes para mitigar os efeitos negativos. Ocorre que, mesmo sob condições normais, as soluções tradicionais de mercado, em geral, excluem justamente quem mais precisa. Quando assumiu pasta da economia, em janeiro de 2019, Paulo Guedes disse: "Não foi por microcrédito que os bancos públicos se perderam. Perderam-se nos grandes programas onde piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro". Empossado como presidente da Caixa, Pedro Guimarães anunciava o microcrédito como um dos principais eixos de atuação da instituição.

Lamentavelmente, mais de um ano depois e já em meio ao furacão da pandemia, não há evidências de que a Caixa tenha avançado no microcrédito. Em primeiro lugar, dados sobre a evolução da carteira(2) mostram que, entre 2014 e 2019, houve uma diminuição na participação das micro e pequenas empresas no volume total do crédito corporativo. Segundo, o relatório da administração de 2019(3) não apresenta nenhuma linha de ação concreta no microcrédito, apesar de salientar que a Caixa pretende ser o "maior banco de microcrédito do país". Por fim, e ainda mais preocupante, é a entrevista recente(4) de Pedro Guimaraes na qual, quando indagado acerca do crédito para pequenos como forma de combater a crise, afirma: "Desde que apresentem recebíveis ou alguma outra garantia firme, vamos fazer".

A frase, amarrada à lógica tradicional, demonstra desconhecimento sobre a trajetória do microcrédito no Brasil e no mundo e as inovações intrínsecas ao seu funcionamento. As microempresas e famílias mais pobres não dispõem de garantias demandadas pelo sistema bancário convencional. Daí porque é preciso pensar, com o perdão do trocadilho, "fora da caixa". Uma forma mundialmente adotada para mitigar a falta de garantia são os empréstimos em grupo, no quais os tomadores se avalizam uns aos outros. Trata-se de uma forma inovadora de mitigar a assimetria de informação. Inúmeras instituições têm obtido relativo sucesso operando dessa forma. O Compartamos, no México, tem atualmente 2,7 milhões de clientes. No Brasil, o programa Crediamigo, do Banco do Nordeste tem 2,3 milhões clientes, sendo cerca de 80% deles integrantes de empréstimos em grupo.

Quando muitos conclamam a necessidade de um novo plano Marshall, o grande desafio é fazer os recursos chegarem a quem mais precisa(5). As tecnologias de microcrédito, desde os seus primórdios na década de 70, surgiram exatamente imbuídas dessa missão: construir canais que viabilizem a transferência de capital "diretamente" aos grupos-alvo, ou seja, a população periférica excluída dos mercados tradicionais. Na era digital, há uma avenida de oportunidades de inovação no microcrédito, sobretudo para uma instituição como a Caixa que, como agente pagador de benefícios e programas sociais, tais como o bolsa-família, apenas para dar um exemplo, detém um banco de dados privilegiado sobre população de baixa renda e suas diversas estratégias de sobrevivência, incluindo, os microempreendimentos. Se antes do Coronavírus o discurso do presidente da Caixa poderia ser visto como frustrante, agora, com a maré da crise subindo exponencialmente, ele se torna alarmante.

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Em suma, sendo instituição fundamental para que inúmeras medidas(6) sugeridas por especialistas saiam do papel, o mínimo esperado é que a Caixa faça mais do que vem fazendo.

 

1. https://medium.com/incerto/corporate-socialism-the-government-is-bailing-out-investors-managers-not-you-3b31a67bff4a 2. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/ajuda-de-banco-publico-contra-virus-pode-nao-chegar-ao-pequeno-negocio.shtml 3. https://www.caixa.gov.br/Downloads/caixa-governanca/Relatorio_da_Administracao_4T19_VF.pdf 4. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/caixa-nao-vai-perder-dinheiro-fazendo-operacoes-de-socorro-por-coronavirus-diz-pedro-guimaraes.shtml 5. https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/medidas-nao-sao-suficientes-doutor-guedes/ 6. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/veja-9-propostas-que-garantem-credito-para-empresas-suportarem-choque-do- coronavirus.shtml

 

 

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