Vamos lá: até a votação definitiva do impeachment, no Senado, a instabilidade política do País tende a aumentar. Ninguém deve esperar que os senadores hoje indecisos, ou silenciosos, definam seu voto com muita antecedência. São vinte e três senadores, representando dez partidos. 60% do PMDB, PSB e PP. Poucas vezes, em nossa democracia, tanto poder se concentrou nas mãos de tão poucos. E eles farão uso desse poder. Oxalá o custo, para o País, não seja alto demais. Ninguém deve esperar, da mesma forma, que o PT e seus aliados abram mão de se comportar como minoria barulhenta (e cada vez mais) até o final do processo. O PT sabe que a narrativa do golpe não colou, na sociedade. Mas serve para atiçar a militância. A pesquisa CNT/DMA mostrou que apenas 33,3% do eleitorado, exatos um terço, acredita na "ilegitimidade" do processo. 61,5% acham o contrário. O ponto é que toda grande democracia é vulnerável à minoria barulhenta. Ela funciona como blefe. Ocupa espaços, consegue marcar um ponto, aqui e ali. A questão é saber se o governo e sua base vão cair no blefe.
O Governo Temer não foi mal, nestes primeiros trinta dias. Os fatos todos conhecem: afastou sem drama dois ministros pegos nos grampos; montou uma equipe econômica de primeira linha; trouxe o PSDB para o núcleo do governo; aprovou a meta fiscal e a DRU com ampla maioria, no Congresso. Virou bordão, na imprensa, dizer que o governo acertou na economia e errou na política. Não estou de acordo. Há acertos na política. E por certo há erros. Há o tema das mulheres, no ministério, e há o constrangimento da permanência de um ministro investigado na Lava-Jato. Talvez esteja faltando um pouco de grandeza, aí. A sociedade anda exigente, é preciso prestar atenção.
Que o governo não andou mal ficou claro nos resultados da pesquisa da CNT. Boa parte da imprensa acentuou a baixa aprovação. Os 11,3% de "bom e ótimo". Mas vamos lá: quem iria cravar "bom e ótimo" para um governo com três semanas, em meio a esta crise? O ponto é ver o lado de baixo da pesquisa: Dilma tinha 61% de "ruim e péssimo", em sua última avaliação. Temer tem apenas 18%.
Este é um dado objetivo que o Governo precisa utilizar. Em primeiro lugar, para dar um choque de confiança em sua base política. Por óbvio, quase dois terços das pessoas preferem não emitir opinião, ou dizem que o governo é "regular". Perfeito. Isto apenas mostra que a sociedade está em compasso de espera, mas com um viés de alta nas expectativas. Foi de 16% para 27% o percentual de entrevistados que vê com mais otimismo a geração de empregos. Ninguém imagina que as pessoas tenham dados econômicos para dizer isto. É apenas uma intuição. Cabe ao governo mostrar, todos os dias, que elas estavam certas.
Minha visão: o governo precisa tomar a iniciativa. Aproveitar o espaço político que conquistou, no Congresso. Saber se comunicar com os amplos setores de classe média e da sociedade civil que deram suporte ao impeachment e que, ao menos por ora, continuam firmes nesta posição. Isto é diferente de receber apoio do meio empresarial. O PT sempre entendeu este ponto melhor do que seus adversários.
Para quem espera uma "agenda de reformas", nos próximos meses, é preciso oferecer um calmante: não há espaço para medidas com alto potencial de confronto, ao menos até a votação no Senado. Me refiro a temas como idade mínima para a previdência ou uma reedição da CPMF (algo que não acho razoável em nenhuma circunstância). Mas há uma agenda de reformas de menor potencial de confronto e capazes de gerar expectativas positivas. Autonomia do Banco Central? Extinção de cargos comissionados? Nova regra do pré-sal? Regime de governança das Estatais? A PEC limitando a expansão do gasto público?
Seja qual for a agenda, há pontos indiscutíveis: seu foco deve ser o "interesse difuso", da sociedade. O País cansou da lógica dos interesses especiais, e isto precisa ficar mais claro no discurso do governo. O País também cansou da irresponsabilidade fiscal, mesmo que cada setor, isoladamente, não esteja disposto a dar a sua quota de sacrifício. É o velho dilema da ação coletiva, e é exatamente por isso que a proposta de emenda constitucional limitando o crescimento da despesa pública é uma ideia inteligente. Ela pode ser a base de um novo contrato entre governo e sociedade, e pode funcionar, desde que fique claro que o custo do ajuste será distribuído entre todos.
No mais, é preciso agir rápido. Um bom governo se faz de boas notícias, todos os dias. Apenas desconfio que os cidadãos andem melhor equipados para distinguir o que é, de fato, uma boa notícia, e o que é simplesmente um factoide, simplesmente. Um factoide seria algo do tipo: reduzir o número de cargos, no executivo federal, mas não votar a sua extinção, no Congresso. Ou: apresentar a proposta de limitação da expansão do gasto público como "balão de ensaio", sem jogar demasiado peso político na su aprovação. Não acho que o governo irá por aí. Penso apenas que vivemos uma corrida contra o tempo.
Por último, uma intuição: o governo que saiu errou tanto, mas tanto, que acertar, afinal de contas, pode não ser assim tão difícil. Michel Temer já terá algum lugar na história se conseguir conduzir o País à frente, neste ano difícil. Algo que nos permita, quando o verão chegar, encontrar um País olhando para frente, com novas pautas, e não remoendo feridas. Navegar é preciso.
Fernando L. Schüler é cientista político e Professor do Insper