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'Verbo não é verba. Lorota, lero lero de dizer que está previsto, mas não acontecido', diz Cármen Lúcia ao condenar ações ambientais de Bolsonaro

Ministra do STF levou duas sessões para concluir voto em que disse ser necessário estancar 'destruição' causada pelas políticas públicas 'insuficientes e ineficientes' do governo Bolsonaro

Por Weslley Galzo/BRASÍLIA
Atualização:

Depois de duas sessões de exposição do voto da relatoraCármen Lúcia, o ministro André Mendonça suspendeu o julgamento das ações que tratavam de eventuais atos omissivos e comissivos do governo Jair Bolsonaro (PL) na execução da política ambiental. Na mesma sessão, a ministra-relatora concluiu seu voto em defesa da intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta área a fim de estancar "a destruição" causada pelas políticas públicas "insuficientes e ineficientes" do Palácio do Planalto .

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"A intervenção do poder judiciário pode se mostrar imprescindível para que se estanque a destruição não apenas de direitos, mas dos agentes e seres vivos que habitam o planeta. A garantia, portanto, de um futuro para aqueles que vêm depois de nós", afirmou Cármen Lúcia. "As políticas públicas ambientais agora adotadas (pelo governo) revelam-se insuficientes e ineficientes, portanto, constitucionalmente inválidas (...) para atender o comando constitucional de preservação do meio ambiente'', destacou em outro trecho.

Para a relatora, "o princípio da separação de Poderes não é biombo para o descumprimento da Constituição da República por qualquer deles, sob pena de esvaziar a efetividade dos direitos fundamentais". A ministra defende o direito de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas desenvolvidas pelo governo Bolsonaro, diante de falhas estruturais do Executivo em garantir a promoção de direitos na região da floresta Amazônica. Ela destacou ainda que não bastam previsões orçamentárias nessa área, mas sim a necessidade de executá-las.

Cármen Lúcia fez duras críticas à gestão ambiental do governo Bolsonaro. Foto: André Dusek/Estadão

"Verbo não é verba. Lorota, trololó, lero lero de dizer que vai ter lá previsto, ou está previsto, mas não acontecido. A verba é que garante a execução de políticas públicas. Não adianta ter uma previsão que não é para ser executada", afirmou. "Como verba não é verba, e serviço previsto não é serviço entregue,o desmatamento da floresta não pode ser esfumaçado por explicações sem causa constitucional legítima", completou.

Na sessão que precedeu a desta quarta-feira, 6, a ministra já tinha reconhecido a existência de um estado de coisas inconstitucionais -- tese jurídica que aponta violações sistemáticas, massivas e generalizadas de preceitos fundamentais e constitucionais -- no modo como o governo Bolsonaro gere as questões ambientais. Diante deste cenário, a ministra pediu a adoção das seguintes medidas por parte do Executivo para solucionar a situação:

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1- Até 2023, a redução efetiva dos índices de desmatamento na Amazônia Legal e apresentação dos instrumento a serem adotados para atingir os índices

2 - A redução continua e efetiva dos níveis de desmatamento ilegal em terras indígesas, conforme dados disponibilizado pelo INPE

3 - O desempenho efetivo para fiscalização dos órgãos competentes de investigação (IBAMA, ICMBIO e FUNAI), com os meios necessários para atingir a eficácia dos resultados

4- A União deverá apresentar ao STF no prazo máximo de 60 dias plano específico de fortalecimento do IBAMA, ICMBio e da FUNAI

5 - União e entidades devem apresentar relatórios mensais objetivos, claros e em linguagem de fácil compreensão contendo os resultados das medidas adotadas a serem publicados em formato aberto, com ampla publicidade

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"A ausência de fiscalização eficaz impõe ao Judiciário o dever de prestar jurisdição constitucional ambiental, assegurando-se a efetividade das normas constitucionais de proteção do meio ambiente'', afirmou. "Não se quer que o mundo depois de ter andado tanto, tenha a visualização de erosões democráticas, com derivações para erosões e a destruição também em terras e florestas, porque isso não é um desastre ambiental, mas um desastre humanitário. O desastre da própria humanidade", destacou em outro momento

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Ao apresentar as conclusões que serão submetidas ao crivo dos demais ministros, a magistrada afirmou que as florestas brasileiras convivem com aquilo que se observa nas instituições: "a manutenção de um arcabouço com árvores longas, mas, com isso que é a distribuição e a erosão de um quadro que nem o DETER A (sistema de alertas do INPE) conseguiria detectar".

Durante a leitura do relatório, Cármen Lúcia afirmou que as florestas brasileiras passam por um processo de "cupinização", ou seja, a destruição institucional de dentro pra fora. Já ao adentrar no voto, a ministra disse que a Amazônia pode estar à beira do "ponto de não retorno", quando a devastação chega a um estágio irreversível.

"Com relação ao meio ambiente, especificamente, as instituições são destruídas por dentro, como cupim, sem que se mostre exatamente o que se passa. Promovem-se políticas públicas ineficientes, ineficazes", afirmou.

"A inércia, a atuação insuficiente, ou contrária aos deveres constitucionais, macula de inconstitucionalidade a atuação do estado, impondo a intervenção judicial para restabelecer a eficácia dos direitos constitucionais, a dignidade ambiental, os direitos fundamentais dos indivíduos das presentes e futuras gerações", afirmou a ministra, justificando a necessidade de o Supremo agir em uma área de responsabilidade dos Poderes Executivo e Legislativo.

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O voto da ministra foi dado em duas ações apresentadas por partidos da oposição para que o Supremo haja diante da omissão do presidente e do ministro do Meio Ambiente em coibir o avanço do desmatamento na Amazônia, bem como frente à inação do governo na execução do o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm).

Na ação sobre o plano de redução do desmatamento, as legendas de esquerda e centro-esquerda PSB, Rede Sustentabilidade, PDT, PV, PT, PSOL e PCdoB apontam "graves e irreparáveis" lesões a preceitos fundamentais, decorrentes de atos "comissivos e omissivos da União e dos órgãos públicos federais", como o IBAMA, ICMBio e Funai. Para a ministra, a "ecocriminalidade" tem atuado nos vácuos gerados pela inação do poder público.

"Nós temos um ecossistema garantido na Constituição e uma ecocriminalidade que não pode ser mantida e precisa ser devidamente restringida, impedida, embaraçada e punida depois do devido processo legal, com o cumprimento da lei", afirmou.

A ministra enfatizou ainda que, ao abordar questões ambientais, não é incomum "que o Estado faça de conta que tem um aparato burocrático e administrativo", gerando um verdadeiro "teatro ambiental administrativo". Segundo Cármen Lúcia, esse cenário teatral se explica quando os governos mantêm estruturas de fiscalização que não funcionam.

A magistrada destacou que a precariedade consciente dos órgãos de proteção ambiental ferem "o dever constitucional de agir eficiente, que é obrigação estatal e da sociedade para preservar, proteger e, se for o caso, restaurar as condições do meio ambiente".

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