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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: IARA MORSELLI/ESTADÃO Foto: Estadão

O Brasil possui mais gado do que gente. Nosso plantel bovino suplanta em muito a população humana. Para a maioria, isso é um sinal positivo. Alimenta, sem trocadilho, o ufanismo reinante. É motivo de orgulho propalar que não só conseguimos satisfazer a nossa fome de carne, como também servimos ao mundo. Isso quando o mundo não impõe restrições à nossa carne, seja em virtude de suspeita de alguma doença, seja por provir de pastos que até havia pouco serviam como reservas naturais e atuavam como inibidores de emissão dos gases do efeito estufa.

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Por falar em gases, o metano que o gado vacum emite por flatulência ou ruminação, é muito mais prejudicial do que o gás carbônico dos automóveis. A ciência já alertou a respeito, sem qualquer consequência ou mudança de hábitos. Continuamos a acreditar que é melhor ter gado pastando do que floresta servindo gratuitamente para garantir oxigênio imprescindível a qualquer espécie de vida neste sofrido planeta.

Toda tentativa de se reduzir o consumo de carne é quase vã. O brasileiro se orgulha do seu churrasco e faz questão de ingerir toda a espécie de cadáver animal que lhe pareça apetitoso e nutritivo.

Pouquíssimos os que se preocupam com a exaustão dos recursos naturais, notadamente aqueles integrantes da flora. Movimentos como uma "segunda-feira sem carne", implementados no sistema público de educação, destinam-se ao fracasso. As crianças aprendem com os pais a consumirem aquilo que sempre fez parte das refeições neste país. Onde a carne não pode faltar.

Menor ainda o contingente dos vegetarianos e veganos que não se servem do cardápio tradicional. Ainda são considerados exóticos para a maior parte dos brasileiros.

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Mas chegará o dia em que o assunto entrará em pauta. Talvez mais cedo do que o mercado possa pensar. A situação do desmatamento do maior bioma brasileiro, a Amazônia, chegou ao restante do mundo e repercutiu na parte dele que é a mais civilizada, aquela que percebeu que o aquecimento global não é falácia nem invenção de "ecochatos".

Por isso, é bom pensar na implementação de novos regimes alimentares. Introduzir mais verdura, mais legume, mais raízes mais produtos naturais e menos cadáveres.

A opção pelo vegetal nem sempre decorre exatamente da ética ecológica. Pesquisa bem fundamentada e pouco divulgada vincula o consumo de carne com o desenvolvimento de células cancerígenas. Descontado o ceticismo e o negacionismo obscurantista, algum público se convence de que é necessária certa precaução. Mulheres e jovens são os que mais aderem ao novo cardápio. Uma pesquisa do Ibope no ano passado, coordenada pelo GFI - The Good Food Institute, mostrou que 50% dos entrevistados disseram ter reduzido o consumo de carne de origem animal nos anteriores 12 meses. Em 2018 eram 29% e entre as mulheres o índice alcança 54% com 52% para os mais jovens.

O melhor ocorre quando a preocupação com a saúde pessoal também inclua certa apreensão com a saúde do planeta. O mercado percebeu que, além de veganos e vegetarianos, existem os flexitarianos, que reduzem o consumo de produtos de origem animal, porém não completamente.

Estes se converteram no alvo das 'foodtechs", as startups de alimentação, que se especializaram em soluções alimentares "plant based", ou seja, produtos à base de plantas.

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Assim, o hambúrguer da Fazenda Futuro, que surgiu em 2019, já tem concorrentes com as marcas NotCo, Impossible Foods e Veggies, sem falar na grande empresa Seara.

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A The New Butchers, com pouco mais de um ano, viu seu faturamento crescer 300% no primeiro trimestre de 2021, comparado com o mesmo período de 2020. Seu diferencial é a proteína de ervilha e está ultimando a construção de sua nova fábrica na Lapa, zona Oeste da capital.

Ela foi pioneira no Brasil a lançar uma imitação de frango e agora trouxe mais duas novidades: bacalhoada e bolinho de bacalhau, ambos feitos com carne de jaca, numa interessante recriação das fibras do peixe. Mas também oferece carnes vegetais com sabor bovino ou de peixe que lembra salmão.

Atribui-se o sucesso a uma conscientização maior por parte da população, que enxergou o vínculo íntimo entre o consumo e a destruição da natureza, evidente concausa do surgimento de pandemias, as quais deverão se repetir com certa frequência de agora em diante.

O Brasil já é o 16º maior mercado do mundo na categoria de substitutos de carne, a movimentar 82,8 milhões de dólares em 2020. Existe hoje farta variedade de produtos vegetais destinados a substituir a carne animal: nuggets, quibes, linguiças, frango desfiado e carne moída, oferecidos por mais de 30 marcas. Existem até açougues veganos, por incrível que possa parecer.

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Enquanto isso, os tradicionais fornecedores de carne bovina procuram demonstrar que sua criação respeita a natureza, que os animais são felizes e que a substituição de sua ração é suscetível de reduzir a emissão de gás metano.

Temos tudo à nossa escolha e é só chegar a uma conclusão, para a importante decisão: continuaremos carnívoros ou nos tornaremos integral ou parcialmente vegetarianos? Será que conseguiremos mudar costumes que já constam de nosso DNA? A conferir.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras, gestão - 2021- 2022

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