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Viragem jurisprudencial e segurança jurídica: por que é importante a Justiça Eleitoral zelar pela sua jurisprudência?

Por Marcelo Santiago de Padua Andrade
Atualização:
Marcelo Santiago de Padua Andrade. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

O TSE, em sessão plenária de 10.06.2021, concluiu o julgamento do Recurso Ordinário nº 060303063 para afastar o litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos e as demais pessoas que tenham contribuído para a realização dos fatos discutidos em Ações de Investigação Judicial Eleitoral, destinadas a apurar casos de abuso de poder econômico e político e que podem resultar na cassação de mandatos. E esse novo entendimento foi aplicado para caso relativo às eleições de 2018 (com efeitos retroativos, portanto).

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Antes mesmo de ser positivado o dever dos Tribunais de zelar pela estabilidade, coerência e integridade de sua jurisprudência (contido no art. 926 do CPC/2016), já se reconhecia que o art. 16 da Constituição Federal deveria ser projetado para a atividade jurisdicional da Justiça Eleitoral. Com isso, buscava-se impedir viragens jurisprudenciais (isto é, mudanças de entendimentos) com efeitos retroativos e que atingissem os processos judiciais já em curso e pendentes de julgamento.

Essa é a lição do Acórdão STF no RE nº 637.485, que indica que "no âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para regular transcurso dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição". Igual orientação é adotada pelo do C. TSE, como se vê do Acórdão no REspe nº 2.745, Rel. Min. Gilmar Mendes.

Para consagrar o entendimento sobre o litisconsórcio passivo necessário nas AIJEs a partir das eleições de 2016, o C. TSE respeitou o impedimento de se realizar viragem jurisprudencial com efeitos retroativos, como fica claro pela ementa do acórdão no REsp nº 843-56/MG (leading case para a matéria). Naquele acórdão reconheceu-se que "1. Até as Eleições de 2014, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se firmou no sentido de não ser necessária a formação de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o responsável pela prática do abuso do poder político. Esse entendimento, a teor do que já decidido para as representações que versam sobre condutas vedadas, merece ser reformado para os pleitos seguintes". E o respeito à segurança jurídica restou reafirmado quando se destacou que "2. A revisão da jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral deve ser prospectiva, não podendo atingir pleitos passados, por força do princípio da segurança jurídica e da incidência do art. 16 da Constituição Federal".

É certo que, em alguns julgados posteriores (como o REspe nº 501-20), o TSE sinalizou, a título de obter dictum, que "poderia" rever aquela orientação que valeu para as eleições de 2016. Mas o efetivo respeito ao art. 16 da Constituição exigiria que, pelo voto da maioria, fosse concretizada a alteração a fim de que a nova orientação fosse aplicada "pro futuro", após ampla publicidade. Mas isso não ocorreu.

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E por que é importante o profundo respeito à jurisprudência da Justiça Eleitoral?

Porque a Justiça Eleitoral, ao decidir sobre oabuso de poder com viés eleitoreiro, não sela apenas o destino de candidatos e decide sobre a ocorrência ou não de atos abusivos capazes de tisnar a normalidade das eleições. Ela decide também sobre a sorte dos votos dos eleitores brasileiros, sobre mandatos eletivos e sobre a própria representação popular, o que confere um caráter metaindividual e relevantíssimo aos bens jurídicos postos em discussão. E ao mesmo tempo em que decide questões jurídicas daquele quilate, sua atuação reverbera fortemente também sobre emoções e paixões políticas inflamadas. Nunca é demais anotar que o Brasil é um dos países que mais cassam mandatários eleitos do mundo.

É por tudo isso que a Justiça Eleitoral, sob a influência do art. 16 da CF/88, deve sempre indicar um norte e seguir sua própria jurisprudência (que gera para todos os atores do processo eleitoral legítimas expectativas). E somente após detida, profunda e madura reflexão, poderá sinalizar, sempre para o futuro, as mudanças dos rumos da aplicação das leis nos pleitos eleitorais, de modo a impedir suspeitas infundadas de casuísmos e preferências e interditar a possibilidade de que os humores dos julgadores alterem os cenários de processos e de eleições.

*Marcelo Santiago de Padua Andrade, advogado. Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP

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