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Violência seletiva que afeta a mobilidade urbana

Por Daniel Allan Burg e Gustavo Gomes
Atualização:
Daniel Allan Burg. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Com o adensamento populacional cada vez maior nas grandes cidades, a mobilidade urbana passou a entrar no cardápio de temas prioritários tanto por especialistas em urbanismo quanto nos debates eleitorais. Contudo, hoje não se discute apenas questões "tradicionais" no quesito mobilidade, como rede de metrô, corredores de ônibus etc. Nesta era digital, os aplicativos de transporte de passageiros entraram de vez no rol das discussões.

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O transporte privado de passageiros, sobretudo após o surgimento dos aplicativos que promovem esse tipo de serviço, passou a desempenhar uma importante função nas grandes cidades brasileiras. Estudos realizados em novembro do ano passado, a pedido da empresa PayPal, dão conta de que 57% da população brasileira já utiliza os aplicativos de mobilidade urbana.

Somente na cidade de São Paulo, existem, atualmente, de acordo com a Secretaria Municipal de Transporte, ao menos 38 mil taxistas, afora os aproximadamente 50 mil motoristas particulares que fazem o serviço de deslocamento de passageiros por meio dos aplicativos de transporte autorizados a funcionar.

Grande parte desses motoristas, como se sabe, dirige, diuturnamente, nas mais variadas localidades, algumas delas consideradas perigosas, o que, por óbvio, potencializa a possibilidade da prática, em face destes, dos mais variados crimes, como roubo e latrocínio.

Nesse sentido, interessante notar, conforme demonstra o recente levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz, que, no último semestre de 2017, a ocorrência dos aludidos delitos diminuiu significativamente no Estado de São Paulo. Contudo, no que concerne à prática desses crimes especificamente em face dos motoristas de táxi e de aplicativos, a situação é diametralmente oposta.

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Isso porque, durante os 10 primeiros meses de 2016, foram registrados, somente no Estado de São Paulo, 271 roubos praticados contra motoristas de aplicativo, o que dá uma média de três ocorrências por dia.

O problema não se restringe às principais metrópoles. Em Salvador, por exemplo, aproximadamente 15 motoristas são assaltados diariamente, conforme estimativa do Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter).

A cidade de Nova York enfrentou, recentemente, problemas muito parecidos em virtude do significativo aumento da prática desses delitos em face dos taxistas e motoristas de aplicativo, razão pela qual a Lei intitulada "Taxi Driver Protection Act", criada em 2013, sofreu importantes alterações.

A principal mudança foi o aumento das penas - que podem superar os 25 anos - impostas aos agentes que cometem crimes violentos contra motoristas no exercício de suas atividades profissionais.

Dentre as justificativas trazidas pelo Congresso americano para adoção da rigorosa medida, encontra-se o resultado de estudo feito pela Administração de Segurança e Saúde Ocupacional de Nova York, o qual concluiu que as chances de um taxista ser assassinado durante sua jornada de trabalho é 30% maior do que a de outros trabalhadores.

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Da mesma forma, o ministro dos Transportes Australiano Stephen Mullighann criou, em 2016, uma lei que majorou para acima dos 25 anos a reprimenda prevista aos agentes que cometerem crimes violentos em face dos motoristas de todos os tipos de transporte do estado da Austrália do Sul.

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Como se vê, países avançados como Estados Unidos e Austrália - diante da evidente constatação no sentido de que taxistas e motoristas de aplicativos estavam sendo alvos dos mais variados tipos de violência em decorrência da natural vulnerabilidade a que estão sujeitos - adotaram medidas severas com a finalidade de reduzir essas práticas criminosas.

No Brasil, embora a situação seja muito parecida, as poucas iniciativas tomadas pelo Legislativo para tentar evitar a continuidade desses crimes, com certeza não foram, até momento, suficientes para tranquilizar os motoristas que deslocam milhares de passageiros diariamente pelo Brasil inteiro - muitas vezes durante a madrugada e em locais de alta periculosidade.

Dentre essas medidas, vale mencionar o PL 5667/2016, de autoria do deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), o qual prevê que os táxis deverão ser equipados com cabine de segurança devidamente blindada.

Não se está aqui a sustentar que o Legislativo, para solucionar o alto índice de crimes praticados, deve, necessariamente, criar uma lei aumentando a pena para o agente que, se aproveitando da vulnerabilidade a que estão sujeitos os motoristas, venha a praticar crime com violência ou grave ameaça em face destes. Isso, no entanto - sobretudo quando verificado o número cada vez mais significativo de crimes violentos contra taxistas e motoristas de aplicativos e analisadas as duras medidas legislativas impostas por diversos outros países -, não significa que não há nada a ser feito para proteger esses trabalhadores.

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Pelo contrário. Diante da comprovada importância que esses motoristas desempenham para o bom andamento da mobilidade urbana, e sendo certo que, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 82/2014, a segurança viária passou a ser protegida, inclusive, pela Carta Magna, é dever do Poder Público buscar soluções efetivas para proteger não só integridade física e a vida dos motoristas, mas também a qualidade de vida daqueles que, direta ou indiretamente, se beneficiam dos serviços prestados por esses profissionais.

*Daniel Allan Burg é sócio do Burg Advogados Associados, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal Econômico pela Escola de Direito do Brasil

*Gustavo Gomes é advogado criminalista no Burg Advogados Associados

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