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Violência patrimonial, um dos abusos mais cruéis contra a mulher

Por Andrezza Rodrigues e Bianca Stella Azevedo Barroso
Atualização:
Andrezza Rodrigues e Bianca Stella Azevedo Barroso. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Ao longo das últimas décadas - e especialmente depois de 2015, quando a Lei 13.104/2015 qualificou o homicídio contra a mulher como feminicídio no Código Penal Brasileiro -, a violência contra a mulher tem sido debatida e noticiada pela mídia de forma cada vez mais intensa. O tema, no entanto, é abordado quase sempre de forma unilateral, mostrando apenas uma das diversas facetas do abuso sofrido por elas: a da agressão física. O que se justifica, por ser esta a mais radical, marcante e covarde forma de violência não só contra a mulher, mas a qualquer ser humano.

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Há, contudo, outra maneira de abuso que, apesar de tão praticada quanto o ataque à integridade física, é muito pouco divulgada: a violência patrimonial, que priva a mulher de dispor com autonomia do seu dinheiro e de seus bens. O ataque ao patrimônio a que uma mulher tem direito é uma das cinco formas de agressão previstas na Lei Maria da Penha - e se não configura violência física, sem dúvida causa graves danos psicológicos às vítimas.

Este tipo de violência é entendida na lei "como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades".

Ao lado da violência patrimonial, ainda temos casos de estelionato sentimental, também atingindo os bens e valores das vítimas que foi bem demonstrado no documentário da Netflix chamado "O golpista do Tinder", que narra a história de um golpista - Simon Leviev, que se vale do envolvimento emocional das mulheres para se apropriar do patrimônio delas. O caso virou filme pela sofisticação e ousadia dos esquemas aplicados pelo protagonista e a dificuldade em incriminá-lo.

No dia a dia, a mulher é vítima de abuso patrimonial quando, por exemplo, lhe é imposto restrições indevidas no acesso a valores para praticar atos corriqueiros, como comprar comida ou qualquer outro item indispensável; quando alguém utiliza seu nome indevidamente para realizar despesas sem o consentimento. Ou, ainda, se essa mulher é impedida de trabalhar e dispor de seu salário, de seus documentos pessoais e quando tem sua senha de banco trocada sem que ela saiba.

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Casos assim, muitas vezes, não são reconhecidos como violência. E, por isso, dificilmente são denunciados, impedindo que o agressor venha a ser punido. Segundo o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, foram recebidas trêsmil denúncias de crimes contra a segurança financeira com vítimas do gênero feminino, em 2020. O número é bem baixo se comparado, por exemplo, às denúncias de violência psicológica divulgadas pela pasta, que chegaram a mais de 106 mil.

O abuso contra o patrimônio da mulher acontece em todas as classes sociais, mas a população que mais sofre é a parcela de baixa renda, especialmente as mulheres negras. Para elas, as consequências são mais graves, porque chegam a ficar sem dinheiro para comer. A violência patrimonial acaba por "escravizar" mulheres em relacionamentos abusivos, ou impedindo a vida plena após o término da relação. E, por isso, é fundamental que ela seja discutida e divulgada.

De acordo com uma pesquisa do Datasenado, cerca de 30% das vítimas não denunciam seus agressores por esse tipo de abuso porque dependem deles financeiramente. A ausência de condições financeiras por parte da mulher pode, inclusive, constituir um argumento do agressor para retirada de guarda dos filhos, induzindo que a criança, por exemplo, vive em situação precária.

E este cenário, pelo menos no Brasil, vem perdurando no decorrer dos anos por uma questão política e social, que ainda mantém a mulher dependente de seus cônjuges ou companheiros. Basta dizer que até 2002 o país vivia sob um Código Civil absurdamente arcaico, concebido em 1916 e que equiparava a mulher ao silvícola (como se ambos não fossem seres humanos sociáveis!), considerando-a incapaz de tomar diversas decisões - como adquirir ou vender um bem que era dela por direito - sem a autorização do marido.

Na discussão sobre a gravidade e as consequências nefastas da violência patrimonial na vida da mulher e das famílias, é preciso salientar que a autonomia das mulheres pode e deve funcionar como um grande pilar de poder de decisão tanto no lar quanto no ambiente social. Um dos meios de emancipá-las é permitindo que elas possam gerir um negócio de forma independente. O mundo, ainda hoje, faz a mulher achar que a gestão de finanças é algo impossível de ser feito. E esta é uma das grandes facetas da violência patrimonial que deve ser derrubada!

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*Andrezza Rodrigues é cofundadora e CEO da Startup HerMoney, contadora com especialização em planejamento estratégico e MBA em controladoria; Bianca Stella Azevedo Barroso é promotora de Justiça do MPPE, coordenadora do Núcleo de Apoio à Mulher do MPPE e mestranda em Políticas Públicas pela UFPE

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