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Violência doméstica: risco de banalização da lei

Por Regina Beatriz Tavares da Silva
Atualização:
Regina Beatriz Tavares da Silva. CRÉDITO: DIVULGAÇÃO  

A violência doméstica é considerada como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão física, sofrimento, opressão sexual ou psicológica, dano moral e patrimonial.

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Falsas acusações de abusos sexuais e até mesmo de estupro conjugal, inclusive com montagens cênicas, são lastimavelmente realizadas por algumas mulheres que querem se aproveitar indevidamente dos benefícios da Lei Maria da Penha.

Por vezes, a mulher até aparece lesionada, mas a agressão não partiu do marido ou companheiro, ou então, a mulher, de tanto agredir o marido, recebe dele a chamada legítima defesa.

Essas reprováveis acusações falsas acabarão por banalizar essa tão relevante lei se não for devidamente separado o joio do trigo.

Mulheres que efetivamente precisam da proteção legal poderão ser vistas como se estivessem falseando a verdade para a autoridade policial ou pelo juiz.

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Segundo a Constituição Federal, o Estado deve criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações domésticas. Vê-se, na Lei Maior, proteção constitucional para todos os gêneros: mulheres e homens.

No entanto, de acordo com a Lei Maria da Penha, somente a vítima mulher merece a especial proteção dessa lei. Não se coloca em dúvida que a mulher, via de regra, seja efetivamente a parte mais desprotegida nos lares. A pessoa mais vulnerável é justamente a mulher, na maior parte das relações afetivas, o que é comprovado pelas diversas estatísticas sobre o assunto. A título de exemplo, o Relatório Mundial da OMS (Organização Mundial da Saúde), segundo o qual mais de um terço das mulheres em todo o mundo são afetadas pela violência física ou sexual.

No entanto, não se pode esquecer que há homens que necessitam da proteção especial da lei, inclusive por serem agredidos pelo chamado sexo frágil. Assim como, há também homens efetivamente desprotegidos, como as crianças do sexo masculino, os homossexuais em suas relações afetivas, os homens idosos, ainda mais quando se casam já em idade avançada com mulheres em pleno vigor físico. Essas pessoas, evidentemente, mereceriam a mesma proteção das mulheres, já que são igualmente vulneráveis.

Contudo, o STF (Supremo Tribunal Federal), em razão da maior fragilidade feminina e porque os desiguais não podem ser equiparados em todos os direitos, considerou que a Lei Maria da Penha é constitucional, ou seja, não viola o princípio da igualdade entre homens e mulheres, de modo que ali não podem encontrar proteção para os homens, sejam heterossexuais ou homossexuais.

Essa lei é aplicável somente em casos de agressões contra a mulher, em qualquer idade, inclusive quando é menor e sofre violência praticada por seu genitor. Importante mencionar, também, que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já decidiu que essa Lei é aplicável aos irmãos, aos ex-namorados e aos cunhados.

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A lei prevê diversas medidas protetivas e de urgência em favor da mulher e contra o agressor, assim como medidas assistenciais. Entre elas estão o afastamento do suposto agressor do lar ou local de convivência com a vítima, a fixação de limite mínimo de distância, a restrição do porte de armas, o encaminhamento da mulher e de seus dependentes a programas oficiais ou comunitários de proteção e atendimento, entre outras.

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Ocorrida a violência ou ameaça de tal abuso, a vítima deve procurar o mais rápido possível a Delegacia da Mulher, ou uma delegacia comum, se não houver a especializada nas proximidades. Essa celeridade é fundamental para se evitar a prescrição dos crimes. Além disso, o passar do tempo torna cada vez mais difícil a comprovação das lesões físicas, pelo desaparecimento das marcas. Em qualquer hipótese de violência, caso não seja possível dirigir-se, prontamente, à delegacia, recomenda-se fotografar as lesões, assim como consultar um médico ou ir ao hospital para a prova da lesão corporal. Em caso de estupro é importante não jogar fora as roupas e levá-las quando for relatar o ocorrido.

Feita a denúncia na delegacia, será remetido expediente para o juiz, que, rapidamente, decidirá sobre as medidas protetivas, determinará o encaminhamento da vítima ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso, e comunicará o Ministério Público para que adote as providências cabíveis. Além disso, de acordo com a lei, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor.

De toda forma, o STJ já decidiu que é possível aplicar essas medidas protetivas, inclusive de forma preventiva, em ação promovida diretamente perante a Vara de Família, mesmo sem a existência prévia de inquérito policial, o que amplia, consideravelmente, a proteção.

Já a autoridade policial deverá garantir proteção, quando necessário; fornecer transporte para a vítima e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; acompanhá-la para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar, entre outras medidas. Demoramos muito para alcançar a devida proteção às vítimas da violência doméstica. A própria Maria de Penha Maia Fernandes travou a maior batalha nesse sentido. Agredida pelo marido durante seis anos, por duas vezes ele tentou assassiná-la, na primeira com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e na segunda por eletrocussão e afogamento. Este marido só foi punido depois de 19 anos de julgamento e cumpriu apenas dois anos de prisão em regime fechado, porque a Lei não estava aprovada no Congresso Nacional.

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Após mais de 9 anos de vigência dessa Lei, vemos, com lástima, abusos de mulheres que não se enquadram plenamente na qualificação de vulneráveis e fundamentam nessa lei suas acusações difamatórias e caluniosas aos seus companheiros ou maridos.

Denúncias difamatórias e caluniosas, sim! Com inverdades, essas acusações são feitas por algumas mulheres que querem se aproveitar indevidamente da proteção legal, para incriminar seus maridos e companheiros, seja para tirar vantagens financeiras indevidas, seja para praticar alienação parental em relação aos filhos.

Todo abuso de direito é condenável. O abuso do direito à proteção da Lei Maria da Penha é mais do que isso, é abominável, porque coloca em risco a aplicação dessa relevante lei.

A Lei Maria da Penha é um marco no combate à violência contra a mulher e merece ser bem interpretada e aplicada, evitando-se abusos em sua utilização, que deturpam o espírito da lei e geram insegurança para a sociedade.

*Regina Beatriz Tavares da Silva é presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões), Doutora em Direito pela USP e advogada.

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