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'Vinga ainda no País a liberdade de expressão', diz Marco Aurélio ao criticar operação que mira empresários bolsonaristas

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal afirma em entrevista ao 'Estadão' que 'não compreendeu' buscas em endereços de apoiadores de Bolsonaro, bloqueio de contas e quebra de sigilo de suas comunicações por ordem do ministro Alexandre de Moraes

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Foto do author Rayssa Motta
Atualização:

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro aposentado Marco Aurélio Mello, disse ao Estadão que não vê base jurídica para a operação deflagrada na última terça-feira, 23, contra empresários bolsonaristas que conversaram abertamente sobre um golpe de Estado se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sair vitorioso das urnas em outubro.

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A operação envolveu buscas em endereços profissionais e residenciais, bloqueio de contas, quebra de sigilo bancário e de mensagem e suspensão de perfis nas redes sociais. As medidas foram solicitadas pela Polícia Federal (PF) e autorizadas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

"Eu não compreendi os atos de constrição. Vinga ainda no País, ainda bem, a liberdade de expressão, liberdade de manifestação. Você pode não concordar, mas você brigar na veiculação de ideias é muito ruim", critica Marco Aurélio.

Na avaliação do ministro aposentado, as mensagens trocadas pelos empresários no grupo de WhatsApp "Empresários & Política" não são criminosas.

"Eles disseram uma opinião: 'Olha, ao invés do ex-presidente é preferível o golpe'. Mas em Direito Penal não se pune a cogitação", afirma. "Eu tinha o WhatsApp como algo inalcançável. A insegurança passa a imperar."

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O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal. Foto: Dida Sampaio / Estadão

Marco Aurélio, que já havia criticado o discurso de Moraes na posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), voltou a fazer repreender o ex-colega por ter autorizado a operação a 40 dias do primeiro turno das eleições.

"Ele tem que conduzir as eleições com punho de aço, mas luvas de pelica", opina.

A operação reacendeu a animosidade entre Moraes e o procurador-geral da República Augusto Aras, que veio a público dizer que não foi informado com antecedência. O ministro do STF, por sua vez, alega que encaminhou cópia de sua decisão e que seguiu o procedimento rotineiro de intimação. Para Marco Aurélio, o PGR deveria ter sido consultado e não apenas informado das medidas tomadas contra os empresários.

"Antes de acolher o pedido da Polícia, ele [Moraes] tinha que ouvir o Ministério Público. É o que eu faria se estivesse na bancada e fosse o relator", afirma.

Frequentemente criticado por um suposto alinhamento do Planalto, Aras é bem visto pelo ex-ministro, que o tem como uma pessoa "equilibrada".

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"A meu ver ele está fazendo um bom trabalho, porque não está incendiando o País. Não interessa à nacionalidade o acirramento de ânimos", diz Marco Aurélio.

Leia a entrevista completa:

ESTADÃO: Como o Sr. avalia a operação?

Marco Aurélio Mello: Tempos estranhos. Vou repetir: precisamos de temperança, compreensão. Precisamos pisar no freio, porque isso não interessa, principalmente aos menos afortunados. Em termos de governança, de preservação de certos valores, o que interessa é a estabilidade. A paixão, em casos de Estado, merece a excomunhão maior. Estão todos apaixonados.

ESTADÃO: O Sr. vê base jurídica para as medidas decretadas?

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Marco Aurélio: Eu não compreendi os atos de constrição. Vinga ainda no País, ainda bem, a liberdade de expressão, liberdade de manifestação. Você pode não concordar, mas você brigar na veiculação de ideias é muito ruim.

ESTADÃO: E as conversas sobre o golpe, não são suficientes?

Marco Aurélio: Eles disseram uma opinião: 'Olha, ao invés do ex-presidente é preferível o golpe'. Mas em Direito Penal não se pune a cogitação. Não há crime de veicular uma ideia.

ESTADÃO: O uso de mensagens privadas poderia ensejar uma operação como essa?

Marco Aurélio: Eu tinha o WhatsApp como algo inalcançável. A insegurança passa a imperar. E outra coisa: nós ainda temos, não com essa nomenclatura, partido comunista. Partido comunista é contra a democracia. É a favor de um regime quase ditatorial de esquerda. E aí? Vamos mandar prender? Uma inverdade que se veicule você combate com a verdade. Eu achei muito perigoso e não atende aos interesses nacionais.

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Marco Aurélio Mello. Foto: Beto Barata / AE

ESTADÃO: O Sr. foi uma das poucas pessoas que criticou o discurso do ministro Alexandre de Moraes na posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Como o Sr. vê o fato do presidente do TSE ter autorizado uma operação dessa ordem a 40 dias da eleição?

Marco Aurélio: Ele tem que conduzir as eleições com punho de aço, mas luvas de pelica. Quando eu tomei posse no TSE, em 2006, o ex-presidente Lula disse que gostaria de ir à minha posse. Eu não fui ao Planalto convidá-lo. Eu mandei um recado para ele não ir, porque eu veicularia ideias sobre o mensalão e não gostaria de fazê-lo na presença dele. Agora você anfitrião, convida e depois versa o que o Alexandre versou, me perdoe, mas fica ruim. E sem o presidente ter o microfone para responder. Isso não é republicano.

ESTADÃO: A operação abriu um impasse com a Procuradoria-Geral da República, que disse não ter sido avisada. O gabinete do ministro Alexandre de Moraes divulgou uma nota rebatendo a versão e alegando que encaminhou cópia da decisão sobre as diligências e seguiu o procedimento rotineiro de intimação. Houve escanteamento da PGR?

Marco Aurélio: Interessa essa lavação de roupa suja? Não interessa. Não interessa incendiar o País. O País precisa de calma, de estabilidade, de esperança, de compreensão. Os homens passam pelos cargos, mas as instituições são perenes e nós temos que preservá-las. Antes de acolher o pedido da Polícia, ele [Moraes] tinha que ouvir o Ministério Público. É o que eu faria se estivesse na bancada e fosse o relator.

ESTADÃO: O procurador-geral Augusto Aras está fazendo um bom trabalho? 

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Marco Aurélio: Eu sou favorável à sentar-se à mesa e não na mesa. Eu sou favorável a se fumar o cachimbo do paz. A meu ver ele está fazendo um bom trabalho, porque não está incendiando o País. Não interessa à nacionalidade o acirramento de ânimos. Ainda bem que o PGR é uma pessoa equilibrada.

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