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Venceremos. Mas não por nocaute

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Por Roberto Livianu
Atualização:
Roberto Livianu. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Está na moda usar a alcunha "lavajatista" para depreciar ou ofender alguém. Mas o "antilavajatismo" destes dias até parece uma reação "cívica", sem perseguições, sem seletividade, sem abusos.

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No meu caso, antes de falar da Lava Jato e do combate à corrupção, meus temas de sempre, vou me antecipar aos atiradores de pedras e, em nome da transparência, mostrar que não falo apenas sobre combate à corrupção. Trabalho e trabalho muito com este assunto. Tenho de injetar esse antídoto para evitar botes de eventuais ofídios peçonhentos. A que ponto chegamos...

Ingressei no MP aos 23 anos, depois de cursar a Faculdade de Direito da USP de forma intensa, dedicando-me ao estudo com intensidade durante o curso. Para ser aprovado no concurso, eram 10 horas de estudo por dia, de segunda a domingo. Aos 26 anos, quando já trabalhava na região metropolitana de São Paulo, comecei a lecionar e isto me mostrou que eu precisava me aprofundar em conhecimento e o tema que escolhi em 1996 para meu projeto de doutorado na USP foi controle penal da corrupção.

E havia motivo especial para isso: carência de produção acadêmica sobre o tema e perspectiva de ter utilidade prática para a sociedade, tendo em vista sua natureza. Os temas da moda na época eram crimes contra o consumidor, crimes econômicos, crimes tributários.

Sob orientação de Miguel Reale Júnior, obtive o título de doutor em 2004. O período de estudo foi muito rico e de muito aprendizado. Tive oportunidade de me envolver no debate público e lancei meu livro baseado em minha tese em 2006. Em Portugal em 2007.

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No Ministério Público, tanto em Juquiá, como em Paraguaçu Paulista, como em Itapecerica da Serra, atuei em casos pontuais envolvendo a proteção do patrimônio público que sempre me trouxeram aprendizado e realização especial - quer ações civis públicas, quer ações populares. Lembro-me de um caso no qual atuei em Itapecerica que fiquei trabalhando durante um feriado do aniversário da cidade para preparar as peças processuais numa ação popular bem complicada.

Na capital, tive a oportunidade de trabalhar na Promotoria do Patrimônio Público por breve período e nas Promotorias Criminais, onde de vez em quando surgiam processos relacionados a crimes de corrupção.

Na Assessoria da Procuradoria-Geral de Justiça na gestão de Luiz Marrey, atuei no Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Cidadania, por mais de um ano, que me trouxe uma visão ampla sobre a atuação do MP no combate à corrupção. Este organismo é estratégico e auxilia os Promotores no seu dia-dia mediante solicitação e colabora com o Procurador-Geral de Justiça na construção da política de autuação na área de proteção ao patrimônio público.

Vivenciei outras experiências no gabinete na gestão de Marrey, na área jurídica de combate à corrupção de autoridades de atribuição do Procurador-Geral de Justiça, por quase dois anos, coordenei a assessoria de comunicação e relações institucionais nas gestões de Rodrigo Pinho e Filomeno, onde tive oportunidade de idealizar diversas campanhas de comunicação como "Onde tem Ministério Público, Não tem Mistério" sobre o poder de investigação do MP, 20 anos da Ação Civil Pública e outras.

Em segunda instância, atuei por seis anos na Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos, atuando em 95% dos casos de combate à corrupção. Oferecendo pareceres em centenas de casos e recorrendo em alguns deles ao STJ e STF. Desde 2019, promovido a Procurador de Justiça Criminal, atuo nesta, manifestando-me em processos desta natureza. Vez ou outra aparecem casos de corrupção.

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O aprendizado científico, somado ao estudo, experiência institucional e vivência no Instituto Não Aceito Corrupção, que presido e foi fundado para combater a corrupção com inteligência, construindo projetos, articulando soluções estratégicas e desruptivas me propiciaram um conjunto importante de experiências para poder me dedicar a esta causa, com a consciência de que se deve aprender todos os dias e nunca desistir de lutar por um país mais justo e íntegro.

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Honra-me muito termos tido a oportunidade da realização de dois prêmios de combate à corrupção - um em 2016 e o segundo em 2020, que premiou 9 pessoas - 3 na categoria academia, 3 na categoria comunicação e 3 na categoria tecnologia. Assim como termos publicado 2 livros que são referências doutrinárias científicas a nível de mestrado e doutorado, inclusive de universidades internacionais - 48 Visões sobre a Corrupção (2016) e Corrupção na História do Brasil (2019). Estamos começando o projeto do terceiro livro. E diversos projetos voltados para a educação, como o "Gente da Cidadania" e o "Seu Voto. Nosso Futuro".

Temos orgulho também de termos organizado cinco grandes seminários científicos ao longo de nossos 6 anos de existência, além de termos recebido em 2018 o prêmio Transparência e Fiscalização Pública da Câmara dos Deputados, além de termos protagonizado a construção do Dezembro Transparente, coalizão que visa consagrar o mês de dezembro à integridade, transparência e prevenção da corrupção. De contribuirmos na produção legislativa do Congresso Nacional sendo ouvidos em diversas audiências públicas e de outras maneiras. São apenas alguns exemplos do que junto com os diretores Gabriela Guimarães e Rodrigo Bertoccelli, temos procurado contribuir.

Ou seja, minha história é meu envolvimento com o combate à corrupção nunca foi um modismo ou conversão religiosa a seitas de plantão. É uma visão de vida, e não, a adesão de um convertido.

E é nesse sentido que me sinto preocupado com o momento crítico que vivemos em relação ao combate à corrupção e penso que a recente decisão da OCDE sobre a criação de grupo de monitoramento para ação anticorrupção no Brasil, em boa medida sinaliza a gravidade de nossa situação.

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Cada vez mais concordo com o pensamento de Carlos Ayres Britto, externado num dos seminários do Instituto, quando proferiu conferência. Comparou a luta contra a corrupção no Brasil a uma luta de boxe. Venceremos, mas não será por nocaute. Desde que consigamos bater mais que apanhamos.

Os poderosos atingidos pela luta anticorrupção, que sempre se proclamaram intocáveis, a partir do momento em que perceberam os primeiros resultados da Lava Jato, começaram logo a reagir, construindo toda espécie de memes e caricaturas, além de cunhar a expressão lavajatismo, designando de forma jocosa os adeptos do combate à corrupção "custe o custar", sem limites legais, com o nítido objetivo de desqualificar e deslegitimar genericamente o trabalho de luta contra a corrupção.

Isto é compreensível quando se observa o fato que 278 sentenças foram proferidas e 4,3 bilhões foram recuperados, mantendo-se na prisão, por exemplo, o executivo Marcelo Odebrecht, o todo poderoso presidente da maior empreiteira do país que mantinha um departamento exclusivo com direito a nome pomposo nas planilhas, para gerenciar a propina, tamanha era a certeza da impunidade.

Dissemina-se o termo lavajatismo 24 horas por dia, para deliberadamente criar verdadeira aversão, ridicularização e demonização indistamente a todos aqueles que combatem a corrupção. Isto não convém a uma engrenagem endemicamente corrupta. As mensagens obtidas criminosamente, cujo conteúdo jamais foi periciado nem confirmado e que pode ter sido adulterado, são alimento para criar e reproduzir maus sentimentos em relação a todos aqueles que lutam contra a corrupção.

Os antilavajatistas pretendem estabelecer em níveis cada vez mais seguros a impunidade, se possível, no texto da lei. Defende-se o nepotismo, blindagem de parlamentares ao nível de não poderem ser tocados pelo Judiciário no que diz respeito ao afastamento de seus mandatos mesmo que matem centenas de pessoas e sejam pegos em flagrante. Reforma eleitoral a portas fechadas, com "distritão", fim das cláusulas de barreira e outras; esmagamento da lei de improbidade e da lei de lavagem de dinheiro e por aí vai.

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Em poucas horas, ontem, todo o gigantesco arsenal de provas incriminadoras contra o ex-presidente Lula que evidenciam a prática de graves atos de corrupção, chanceladas por quatro instâncias parece miragem, o magistrado que o condenou parece ter-se transformado num passe de mágica num monstro e o ex-presidente parece que virou santo. E o magistrado, condenado por ser considerado suspeito, não teve direito à defesa.

Vale lembrar que ontem se julgou um habeas corpus de um dos quatro casos apenas. E o STF não afirmou que Lula é inocente. Entendeu, por 3x2 que o juiz que o condenou não foi imparcial ao colher as provas. Elas, em tese podem ser novamente reunidas. E há outras três acusações a serem resolvidas assim como o fato de ser uma deliberação da turma, e não, do pleno.

Isto significa que se perdeu uma luta, mas não a guerra contra a corrupção. Que é necessário erguer a cabeça e ter resiliência para prosseguir nesta caminhada, que não é fácil. Exige compromisso. Eu nunca desisti e não desistirei. Não deixarei de externar meus pontos de vista por temer quem quer que seja, muito menos movimentos subterrâneos ardilosos de qualquer natureza.

*Roberto Livianu, procurador de Justiça em São Paulo, doutor em Direito Penal pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

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