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Valeixo diz à PF que Bolsonaro o demitiu por telefone

Em depoimento de seis horas nesta segunda-feira, 11, ex-diretor-geral da Polícia Federal relata 'desgastes ' que vinha sofrendo desde o ano passado

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Foto do author Fausto Macedo
Por Fausto Macedo , Paulo Roberto Netto , Pepita Ortega/SÃO PAULO e Patrik Camporez/BRASÍLIA
Atualização:

O ex-diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, afirmou que o presidente Jair Bolsonaro o teria demitido pelo telefone em ligação na noite de 23 de abril. Segundo o ex-chefe da corporação, ele percebeu durante o dia diversas mensagens não atendidas e ligações do diretor da Abin, Alexandre Ramagem, solicitando a Valeixo retornar as ligações de Bolsonaro.

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As informações constam em depoimento de Valeixo obtido pelo Estadão.

Ao fazer isso, o presidente teria comunicado a Valeixo que ele seria exonerado no dia seguinte e perguntou se poderia ser a 'a pedido'. Nenhuma alternativa para sua permanência foi oferecida e seu pedido de exoneração não foi oficializado. À PF, Valeixo disse que também 'não tinha intenção de continuar na função'.

Segundo Valeixo, antes da ligação de Bolsonaro, na tarde do mesmo dia, Moro teria lhe perguntado se estaria tudo bem ser exonerado 'a pedido', desde que conseguisse o compromisso do presidente da República de nomear o delegado Disney Rossetti, então número dois da PF, em seu lugar.

"Nesse caso, o depoente concordou que, se necessário, faria uma solicitação formal ao ex-ministro de exoneração 'a pedido'", registra o termo de depoimento. Em seguida, Valeixo ressaltou que 'se tratava de um cenário envolvendo sua exoneração (com a troca por Rossetti) que se arrastava há cerca de 9 meses'.

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Valeixo indicou ainda que no dia seguinte, sexta-feira, após a publicação de sua exoneração, reportou a Moro as 'circunstâncias' em que se deu a conversa telefônica com o presidente Jair Bolsonaro, 'na qual foi indagado se concordava que sua exoneração fosse publicada como 'a pedido'.

A conversa ocorreu antes do pronunciamento em que Moro anunciou sua demissão, tendo o ex-ministro a mencionado durante seu discurso.

"A exoneração fiquei sabendo pelo DOU. Não assinei esse decreto. Em nenhum momento isso foi trazido ou o diretor geral apresentou um pedido formal de exoneração. Depois (Valeixo) me comunicou que ontem à noite recebeu uma ligação dizendo que ia sair a exoneração a pedido, e se ele concordava. Ele disse ' como é que vou concordar com alguma coisa, vou fazer o que'. O fato é que não existe nenhum pedido que foi feito de maneira formal. Sinceramente fui surpreendido, achei que foi ofensivo a via que depois a Secom informou que houve essa exoneração a pedido mas isso de fato não é verdadeiro", afirmou Moro na ocasião.

O ex-diretor-geral da Polícia Federal, Mauricio Leite Valeixo. Foto: Denis Ferreira Netto/Estadão

Aproximação. Valeixo afirmou à Polícia Federal que, quando assumiu a chefia da Polícia Federal, não havia uma relação direta entre ele e Bolsonaro.

Em um momento do depoimento, o ex-diretor afirmou que 'em duas oportunidades, uma presencialmente , outra por telefone, o Presidente da República teria dito ao depoente que que gostaria de nomear ao cargo de Diretor-Geral alguém que tivesse maior afinidade, não apresentando nenhum tipo de problema com o depoente'.

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Valeixo relatou ter ficado mais próximo do presidente após o atrito entre o Planalto e Moro em agosto do ano passado. A partir de novembro, o diretor-geral passou a acompanhar Moro nos despachos semanais com o presidente em que eram discutidos assuntos genéricos do Ministério da Justiça e ameaças à Bolsonaro. Investigações não eram discutidas nos encontros.

Segundo o ex-diretor, a única situação em que informações sobre investigações em andamento foram apresentadas à Bolsonaro ocorreu no ano passado no inquérito que apura supostos mandantes do atentado que o presidente sofreu em 2018. O conteúdo do inquérito foi repassado a Bolsonaro devido à sua condição de vítima e por se tratar de assunto de segurança nacional.

Jair Bolsonaro, entre Sérgio Moro e Mauricio Valeixo, no fim do ano passado, em Brasília. Foto: MARCOS CORRÊA/PR

Valeixo relembrou, também, a solicitação feita por Moro à Procuradoria-Geral da República por investigações sobre o depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, que citou o nome de Bolsonaro durante depoimento à Polícia Civil do Rio no caso Marielle Franco. Um inquérito foi aberto na Polícia Federal fluminense.

O ex-diretor disse que não sabe se a investigação já foi concluída, mas que os depoimentos iniciais esclareceram que o porteiro 'havia se confundido'. Valeixo diz que não foi solicitado pelo presidente a reportar informações sobre esta investigação.

Rio. Em depoimento à Polícia Federal, Valeixo alegou que durante seu período na direção da PF, o ministro Sérgio Moro não indicou o nomes para as superintendências, mas relatou, em duas ocasiões, sobre troca de comando da PF no Rio e, uma vez, sobre a mudança do comando no Pernambuco.

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A troca de superintendente no Pernambuco, segundo o ex-diretor, teria sido motivada pelo fato do superintendente ter ocupado cargo na Secretaria de Segurança Pública estadual.

"Em nenhum dos casos foi apresentado nenhuma razão que justificasse a substituição, uma vez que não havia nenhuma reclamação sobre a condução dessas superintendências", disse Valeixo.

 

Em junho do ano passado, Valeixo disse que foi procurado por Moro 'sobre a possibilidade de troca do superintendente do Rio de Janeiro, dr. (Ricardo) Saadi, pelo dr. (Alexandre) Saraiva, então superintendente do Amazonas'. A troca de comando, segundo o ex-diretor, teria sido ventilada pelo presidente, segundo o informou Moro.

Valeixo disse que 'não sabe dizer por quais razões o presidente da República teria sugerido aquele nome', se referindo a Alexandre Saraiva. Segundo o ex-chefe da PF, somente em agosto de 2019, quando Bolsonaro manifestou à imprensa o desejo de trocar o comando da PF Rio, que o assunto veio a público. Valeixo afirma que Saraiva não teve participação nesse processo de escolha e, inclusive, 'se desculpou pelo inconveniente gerado'.

O ex-diretor também desmentiu a alegação de Bolsonaro, que afirmou à época que a mudança no comando da PF Rio se devia por 'questões de produtividade'. Em depoimento, Valeixo afirmou que a corporação fluminense se destacou nos índices de produtividade operacional.

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Cansaço. De acordo com Valeixo, as outras situações em que Moro comentou sobre mudanças de comando da PF no Rio, o assunto 'não foi a público'. Uma dessas ocorrências foi em janeiro deste ano, durante viagem aos Estados Unidos.

O ex-diretor disse que não viu a mensagem de Bolsonaro ao então ministro, afirmando que queria 'apenas a superintendência do Rio', mas Moro 'lhe transmitiu o desejo do presidente da República em mudar o comando da superintendência no Rio de Janeiro novamente'.

Valeixo teria relatado a Moro que 'se sentia desgastado no cargo desde o segundo semestre de 2019 e que entendia 'que havia encerrados seu ciclo no comando da Polícia Federal'. O ex-diretor afirma que, 'na ocasião, renovou mais uma vez o pedido de substituição para evitar maiores desgastes'. O então ministro sugeriu o nome do delegado Fabiano Bordignon e Valeixo, o do seu número dois, Disney Rossetti.

Delegado Maurício Valeixo, futuro diretor-geral da Polícia Federal. FOTO DENIS FERREIRA NETTO / ESTADAO 

Sobre Alexandre Ramagem, que viria a ser o indicado por Bolsonaro para comandar a PF, Valeixo disse que ele se aproximou da direção-geral após os atritos pela mudança no comando da PF Rio. O ex-diretor-geral disse que 'não tinha conhecimento de eventual amizade' do diretor da Abin com o presidente e que não houve tentativa por parte dele, junto à Presidência, para interferir em sua gestão.

Fake News. Valeixo destacou à Polícia Federal que não teve conhecimento sobre informações relativas ao inquérito sigiloso das 'Fake News', do Supremo Tribunal Federal e sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

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"Nunca foi solicitado ao depoente qualquer informação, seja pelo ex-ministro Sérgio Moro ou pelo presidente da República, sobre o mencionado inquérito", aponta o depoimento.

Ao ser questionado se eventual troca de comando da PF poderia 'impactar' o andamento das investigações, Valeixo 'respondeu que não, pois seria necessária uma troca na rotina de trabalho estabelecida na Polícia Federal já há muitos anos'.

"Se acaso tentasse esse acesso face o amadurecimento institucional, uma ação como essa seria formalizada nos autos e comunicada, no caso do inquérito das fake news, ao ministro do Supremo Tribunal Federal", informou.

Segundo o ex-diretor-geral, os documentos relativos ao inquérito envolvem tratativas diretas entre a equipe da Polícia Federal responsável pelas investigações perante o Supremo, o Serviço de Inquéritos, e o gabinete do ministro do Supremo. Por isso, informações do caso não chegam à direção-geral da PF.

O novo diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza, com o presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia de posse. Foto: Isac Nobrega / PR

Relatórios de inteligência. Valeixo explicou que Bolsonaro pode solicitar relatórios da Polícia Federal 'quando envolver questões estratégicas, que envolva a tomada de decisões, como, por exemplo, em questões de repercussão nacional. "Apesar de envolver informações reservadas, não se trata de matéria envolvendo investigações em curso na Polícia Federal, ou seja, matéria de polícia judiciária'.

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A Moro, eram repassadas informações sobre operações que já ocorreram 'de acordo com aquilo que era disponibilizado pela coordenação daquela investigação'.

"Havia um filtro do que poderia ser divulgado em razão do sigilo aplicado, o que era feito pelos delegados que coordenavam determinada investigação", afirmou Valeixo.

Um destes casos ocorreu durante a investigação do 'laranjal do PSL'. Segundo Valeixo, não houve nenhuma transmissão de informações sobre o inquérito e que somente após o levantamento do sigilo do caso é que foram repassadas informações gerais que não trariam prejuízo às investigações.

Ao ser perguntado se Bolsonaro solicitou diretamente alguma dessas informações diretamente à direção da PF, Valeixo respondeu que não.

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