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Usinas de papel que em nada contribuem para o desenvolvimento do Nordeste

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Por Hugo Sarubbi Cysneiros
Atualização:
Hugo Sarubbi Cysneiros. FOTO: DIVULGAÇÃO  

O setor de geração termelétrica brasileiro tem uma longa história de promessas de obras faraônicas nos estados nordestinos, que nunca saem do papel.

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Desde o advento do novo marco legal do setor elétrico de 2004, quando o governo federal passou a contratar novas usinas em licitações chamadas Leilões de Energia Nova, diversos investidores se habilitaram para construir usinas na Região, mas nunca entregaram devidamente o contratado.

Bons exemplos são as obras de usinas termelétricas a óleo diesel, óleo combustível e gás natural de dois grandes grupos, que, somadas, poderiam agregar aproximadamente 5 GW de capacidade instalada de geração no Nordeste e milhares de empregos diretos e indiretos.

Esses investidores movimentaram as comunidades locais, essas fatalmente ávidas por emprego, renda, novos equipamentos e melhoria de qualidade de vida. Entretanto, dessa interação entre o poder público e privado os resultados não sobrevieram, sendo o resultado concreto de tanta energia despendida a frustração. Por óbvio, projetos mais sólidos, tanto sob o ponto de vista técnico, quanto financeiro, foram sombreados por iniciativas nunca materializadas.

O caso das termelétricas a óleo diesel Camaçari Muricy II e Pecém II, licitadas pela ANEEL em 2006 e, graças a um imbróglio judicial, só outorgadas em 2014 retrata bem a descompasso que há muitas vezes há entre o procedimento administrativo e o marco jurídico vigente. Quando da outorga do contrato, a matriz elétrica já não mais admitia a matriz energética contratada: óleo diesel. O resultado é emblemático: 14 anos depois do Leilão, 7 anos após a sua autorização e passados 5 meses do compromisso do início de operação, as obras dos projetos sequer foram iniciadas.

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Essa usina seria implantada na Bahia e teve a alteração de sua localização aprovada pela agência reguladora mais de uma vez. Na última mudança, em março de 2020, o empreendedor foi autorizado a implantar uma planta com um combustível em desuso, a partir do reaproveitamento de ativos já usados de uma operação desativada, chamada UTE Camaçari, de propriedade da CHESF. Chama a atenção o fato de que tal decisão contrariou manifestação da área técnica (SCG) da Agência, cuja opinião pugnava pela impossibilidade de aproveitamento, por usinas licitadas em Leilão de Energia Nova, de aparelhagem antiga.

De todo modo, a decisão trouxe um alento para a região, inclusive com a possibilidade de incentivar investimentos para o acesso do Polo ao gás natural, dado o compromisso que foi feito para a conversão dos projetos no sentido de poder operar com tal combustível.

Ocorre que as usinas, que tinham o compromisso de iniciar a operação até, no máximo, outubro de 2020, permanecem no plano das ideias. A acionista principal (BR Distribuidora) declarou em seu Formulário de Referência enviado à CVM que "(...) o início de operação comercial de referidas usinas pode sofrer atrasos em decorrência de uma série de fatores, incluindo alongamento do processo de licenciamento ou falhas e inconsistências dos projetos, o que poderá acarretar na aplicação de multas pela ANEEL". Ou seja, o próprio acionista admite que o arranjo submetido à ANEEL era, provavelmente, inconsistente.

Agora, mesmo depois de todo esse malabarismo de regulação e de engenharia, notícias dão conta que as usinas foram vendidas a um fundo, que poderia solicitar nova mudança de localização. Dessa vez, as usinas não seriam mais implantadas no Polo de Camaçari, mas, sim, no Complexo Portuário de Suape.

Considerando o tempo que podem levar a instrução e deliberação de um novo processo de mudança de localização na ANEEL, mais o prazo necessário para construção do projeto, cujo compromisso de entrega já foi ultrapassado faz mais de 5 meses, vislumbra-se um risco não apenas de se ver mais um elefante branco no Polo de Camaçari (com a desistência em relação ao aproveitamento dos ativos da UTE da CHESF), mas também de se ter um marco regulatório igualmente ocioso (as UTEs Camaçari Muricy II e Pecém II, que nada mais produzem que papel e discussões de regulação).

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Esperamos que a ANEEL, que conta com três orgulhosos nordestinos como dirigentes máximos da instituição, não permita que novos investidores, sem experiência de construção de obras complexas no Brasil, venham com mais promessas de desenvolvimento, emprego e renda para o Nordeste, ainda mais com projetos com histórico tão conturbado de inadimplência como as UTEs Camaçari Muricy II e Pecém II.

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O mínimo que se espera é que a ANEEL mantenha o compromisso de implementação desses projetos no local em que se comprometeram há cerca de um ano, contando com a benesse que lhes foi dada de aproveitar equipamentos de usina desativada da CHESF, após a avaliação e fiscalização das inconsistências técnicas assumidas pelo próprio investidor. Caso contrário, será mais um projeto frustrado para a região e, em especial, para o Polo de Camaçari, que recentemente já observou a desativação, pela Petrobras, da UTE Termocamaçari, autorizada em 2001 e assumida pela estatal em 2011.

*Hugo Sarubbi Cysneiros, advogado e sócio do Sarubbi Cysneiros Advogados Associados

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