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Universal condenada a indenizar soropositivo que largou tratamento em nome da 'cura pela fé'

Justiça no Rio Grande do Sul manda IURD pagar R$ 300 mil a fiel por danos morais; Igreja vai recorrer

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Por Redação
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 Foto: Nacho Doce/Reuters

Atualizada às 18h01

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Por Julia Affonso e Fausto Macedo

Um homem portador do vírus da AIDS receberá R$ 300 mil da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) por danos morais. A decisão, unânime, é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). Segundo a Justiça, o fiel, por influência da Igreja, abandonou o tratamento médico em nome da 'cura pela fé'.

Segundo os autos do processo, o homem contraiu o vírus em 2005. Como prova de fé, afirma a Justiça, ele teria sido levado a se relacionar sexualmente com a esposa sem o uso de preservativos, e lhe transmitiu o vírus. Ele ainda teria cedido bens materiais para a IURD.

As informações foram divulgadas pelo site do TJ-RS na quarta-feira, 2. O julgamento do caso ocorreu no dia 26 de agosto.

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Em 1ª instância, a juíza Rosane Wanner da Silva Bordasch havia fixado a indenização em R$ 35 mil. Este valor foi majorado pelo colegiado do TJ em quase 760%, que considerou, principalmente, o 'estado crítico de saúde' a que o homem chegou por deixar de tomar a medicação, em setembro de 2009. Poucos meses depois, com a queda da defesa imunológica, uma broncopneumonia o deixou hospitalizado por 77 dias, sendo 40 deles sob coma induzido. O TJ-RS afirma que o homem chegou a perder 50% do peso.

"Quanto ao valor da indenização, o significativo aumento foi justificado pelos graves danos causados ao doente e à dimensão de potência econômica da Igreja Universal do Reino de Deus, a quem a fixação da indenização em R$ 300 mil deverá ter caráter pedagógico", observou o desembargador Eugênio Facchini Neto. "Pessoa ou instituição que tem conhecimento de sua influência na vida de pessoas que a tem em alta consideração, deve sopesar com extrema cautela as orientações que passa àqueles que provavelmente as seguirão."

Para o magistrado, os laudos médicos e o depoimento da psicóloga são provas de que o abandono do tratamento pelo paciente se deu a partir do início das visitas aos cultos. Esse fato, somado a outras provas indiretas, como testemunhos e matérias jornalísticas, convenceram o magistrado sobre a atuação decisiva da Igreja no sentido de direcionar a escolha.

As provas citadas incluíam declaração em redes sociais sobre falsas curas da Aids propaladas por um bispo da Universal, documento da própria igreja recomendando 'sacrifício perfeito e não em parte para os que creem em Deus', gravação de reportagem de jornal de âmbito nacional com investigação sobre coação moral praticada durante os cultos, e testemunho de ex-bispo que admite ter doado tudo o que tinha para obter a cura da filha.

"Assim, apesar de inexistir prova explícita acerca da orientação recebida pelo autor no sentido de abandonar sua medicação e confiar apenas na intervenção divina, tenho que o contexto probatório nos autos é suficiente para convencer da absoluta verossimilhança da versão do autor", afirmou o desembargador Facchini.

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Em sua decisão, o magistrado apontou a importância social da religião, a capacidade de aglutinação e como, na história multimilenar do homem, tem servido de conforto e esperança nos momentos de vulnerabilidade dos que nela têm fé. Junto a essa reflexão, tratou de como a proteção da confiança - inclusive a religiosa - corresponde a um princípio ético-jurídico, razão pela qual quem induz a confiar deve responder, caso frustre essa expectativa:

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"No caso em tela, a responsabilidade da ré, reside no fato de ter se aproveitado da extrema fragilidade e vulnerabilidade em que se encontrava o autor, para não só obter dele vantagens materiais, mas também abusar da confiança que ele, em tal estado, depositava nos 'mensageiros' da ré", afirmou o desembargador.

Ao seguir a decisão do relator, o desembargador Carlos Eduardo Richinitti criticou àqueles que, 'em nome de Deus, ameaçando com a ira satânica, constroem um lucrativo negócio financiado, muitas vezes, pelo medo'.

"Não se trata de discutir a pertinência ou não da religião, ou questionar a crença de cada um. Sem meias palavras, a religião virou, no Brasil, um grande negócio, planejado e que se espraia por vários segmentos da nação. Não foi para materializar essas distorções que a Constituição assegurou a liberdade religiosa", afirmou o desembargador Richinitti.

COM A PALAVRA, A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

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Com referência à decisão da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) divulgada pela página de notícias da corte sob o título "Soropositivo obtém reparação de Igreja por dano moral", a Igreja Universal do Reino de Deus esclarece que:

1. O autor da ação já era portador do Vírus HIV quando foi acolhido pela Universal, em 2007. Laudos e depoimentos presentes no processo atestam que, já naquela época, ele não se submetia aos tratamentos terapêuticos na forma indicada pelos médicos.

2. Ao defender preceitos religiosos e atos de fé no auxílio aos enfermos, a Universal sempre destaca a importância da rigorosa observância dos tratamentos médicos prescritos.

3. O próprio relator do recurso no tribunal reconhece que não há prova da suposta orientação recebida pelo autor, no sentido de abandonar sua medicação. Pois não há prova porque é mentira que a Universal tenha praticado tal ato.

4. Para além das liberdades de crença e culto asseguradas por nossa Constituição Federal, há vasta bibliografia científica sustentado a afirmação bíblica de que a fé auxilia - e muito - na cura de doenças.

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5. Quanto à absurda alegação de que a igreja teria estimulado o autor da ação a deixar de fazer uso de preservativo nas relações sexuais com a esposa, vale lembrar que, dentre as instituições religiosas, a Universal é pioneira na distribuição de camisinhas na África, exatamente como método de combate à propagação da AIDS naquele continente, conforme atesta reportagem do jornal Folha de S.Paulo do ano de 2007: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1305200718.htm

6. Finalmente, destacamos que tramitou recentemente, no mesmo TJ-RS, causa idêntica mas que teve como resultado a absolvição da Universal.

A Igreja Universal lamenta o tratamento preconceituoso reiteradamente demonstrado pelos desembargadores da 9ª Câmara Cível do TJ-RS. Neste, como em outros processos da Universal julgados pelo colegiado, aqueles magistrados demonstraram imenso desprezo pelo Direito, confessando julgar sem provas, com base em "vídeos do YouTube", matérias mentirosas de jornal e, mais grave, mediante uma mal disfarçada intolerância religiosa contra as crenças e convicções de milhões de brasileiros, muitos deles gaúchos.

Reiteramos nosso apreço às instituições constituídas, em especial ao Poder Judiciário, guardião dos direitos e deveres de todos nós. Motivados por esta admiração e em respeito à magistratura nacional, ingressaremos com as medidas cabíveis contra os desembargadores da 9ª Câmara Cível junto à Corregedoria Geral da Justiça do TJ-RS e na Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Informamos, ainda, que a Universal recorrerá da decisão às instâncias superiores.

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UNIcom - Departamento de Comunicação Social e de Relações Institucionais da Universal

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